terça-feira, 27 de março de 2007

qualidade em cuidados de saúde - TMOnline 2007.03.27

Criada a Sociedade Portuguesa para a Qualidade em Cuidados de Saúde
Doente deve ser o centro de todas as políticas de qualidade


No nascimento da Sociedade Portuguesa para a Qualidade em Cuidados de Saúde, a necessidade de avaliação de resultados hospital a hospital, serviço a serviço, foi apresentada como a pedra-de-toque para uma política de qualidade.Avaliar os nossos próprios resultados, apenas com a intenção de ultrapassar marcas pessoais e não de conseguir o melhor lugar na escala é, nas palavras de Marius Buiting, especialista holandês em qualidade nos cuidados de saúde, o primeiro passo na instituição de uma política de qualidade.
Uma atitude que Susana Parente, dinamizadora do debate sobre «Sistemas de saúde e qualidade dos cuidados oferecidos aos cidadãos», que teve lugar no passado dia 17, na Ordem dos Médicos, no Porto, espera que norteie a acção da Sociedade Portuguesa para a Qualidade em Cuidados de Saúde, entidade nascida, exactamente, no culminar deste encontro apadrinhado pela Sociedade Europeia para a Qualidade em Cuidados de Saúde.
Para a anestesiologista do Hospital de S. Francisco Xavier, a receita portuguesa terá que passar por «alterar a motivação, versus exigência, das estruturas de decisão intermédia no sentido de implementar reflexão objectiva sobre o que se passa nos serviços de saúde. Porque só reflectindo de uma maneira integrada sobre o que fazemos é que podemos concluir que estamos a fazer bem ou não», significando isto que não basta analisar objectivamente a progressão de um determinado serviço ou unidade, há que acompanhar a integração destes com os restantes.
A principal impulsionadora da nova sociedade admite que as estruturas hospitalares, e das instituições de saúde de uma forma geral, não estão preparadas para se submeterem a processos de avaliação. No entanto, e apesar da inversão de factores, Susana Parente considera que a criação dos sistemas de qualidade nas instituições de saúde foi um passo importante e que agora há que voltar atrás para fazer o que deveria ter sido feito em primeiro lugar: «Cada qual olhar para o que se passa dentro da sua casa».
A nova sociedade deverá ser formalmente constituída ainda no primeiro semestre deste ano.

O doente no centro do sistema
A nova sociedade, que agrupará associações médicas, de enfermagem, de educação e de farmácia, deverá contar também com a participação de associações de doentes, cujo envolvimento activo é, nas palavras de Marius Buiting, que falou sobre «O Sistema de Saúde Holandês – Passado, presente e futuro», a melhor forma de orientar o sistema no sentido de uma continuidade de cuidados centrada no doente e, ao mesmo tempo, de avaliar resultados.
A tarefa, admite Susana Parente, não será fácil, já que, no actual sistema, «as pessoas estão mais preocupadas em gerar mudança do que em promover a continuidade no percurso do doente desde que entra no sistema até que vai para casa».
Mas, nas palavras do presidente do Dutch Institute for Healthcare Improvement (CBO), as melhores formas de monitorização da qualidade, como as taxas de reinfecção após internamento hospitalar, o período médio de internamento ou a resposta ao controlo da dor, têm como denominador comum o doente e não as técnicas ou os recursos humanos usados.
Em declarações ao «Tempo Medicina», Marius Buiting disse que a melhoria da qualidade na prestação dos cuidados é um imperativo, não só clínico, como comercial. «Nas próximas décadas, vai haver uma competição severa no sistema de Saúde, com o mercado comunitário e a necessidade de redução de custos, portanto, é melhor que os actores da Saúde percebam rapidamente que a melhoria da qualidade é a chave do sucesso».
Buiting lembrou que as pessoas não vão tolerar por muito mais tempo os «desastres» que se verificam na Saúde, onde, diz, «morrem muito mais pessoas» por falta de cuidados na melhoria da qualidade do que em acidentes de aviação. «Imaginemos que as companhias aéreas não faziam melhoria de qualidade: começavam a cair aviões todos os meses, ou todas as semanas. Morriam 100 pessoas e dizia-se “é um desastre” e logo se exigiam medidas», exemplificou.
Na Saúde, afirmou, os «desastres» vão matando um a um e «ninguém vê».
Paula Mourão Gonçalves

NHS deixa avisos ao SNS
Precursor de algumas medidas agora espelhadas no Serviço Nacional de Saúde português, o National Health Service (NHS), do Reino Unido, debate-se actualmente com alguns problemas que, acreditam os especialistas, deverão vir a fazer-se sentir em Portugal nos próximos anos. Daí que as explicações de Maggie Somekh sobre o «Passado, Presente e Futuro» do NHS tenham deixado algo inquietos os parceiros portugueses.
Desde logo, a falência do modelo dos Primary Care Trusts, que estão a ser reduzidos para metade, e a competitividade entre hospitais potenciada pela abertura do mercado à iniciativa privada chamaram a atenção dos clínicos nacionais. «Alguns hospitais não sobreviveram», contou Maggie Somekh, que falou ainda da dificuldade da partilha de experiências profissionais ente instituições concorrentes. Positivo no que toca à redução de custos, o outsourcing de serviços de limpeza e de catering poderá ter contribuído para a disseminação da infecção hospitalar.
De resto, as preocupações para o futuro anotadas pela representante britânica não divergiram muito das entretanto enumeradas por Susana Parente no que toca ao sistema português. A especialista mostrou-se preocupada com a possibilidade de as pressões financeiras levarem à redução de pessoal e, consequentemente, ao encerramento de camas e ao aumento das listas de espera, conduzindo assim a uma pressão para altas precoces e a maiores possibilidades de reinternamento, bem como com a fragmentação entre serviços da esfera pública e privada e a possibilidade de o sector privado vir a tomar conta dos serviços de saúde comunitários.
Já na Holanda, o primeiro país europeu a criar uma organização ligada à qualidade dos sistemas de Saúde, a preocupação actual centra-se numa cada vez maior integração do doente na gestão do sistema e na importância da comunidade como um recurso. Outra linha orientadora deverá ser, na opinião de Marius Buiting, o autocontrolo dos doentes que sofrem de doenças crónicas, à semelhança do que já acontece, por exemplo, com a diabetes.

Texto publicado, em exclusivo, em TM ONLINE de 2007.03.270713PUB3F0707PMG11C