terça-feira, 6 de maio de 2008

A avaliação (TM)

A avaliação
Artigo de Carlos M. Costa Almeida

Dias depois da tomada de posse da nova ministra da Saúde, um responsável do Ministério anunciava que estavam a trabalhar na criação de uma grelha para avaliação dos conselhos de administração dos hospitais EPE. Nada nos poderia dar mais satisfação: é mais que tempo, e mais que necessário, que pessoas a quem foram confiados milhões e milhões de euros dos cofres do Estado possam ser correctamente avaliadas pelo destino que deram a todo esse dinheiro.
De imediato, alguns presidentes de conselhos de administração vieram clamar, à laia de aviso, que não era fácil serem avaliados, até porque estavam dependentes dos profissionais que têm a trabalhar nos «seus» hospitais. E isso é verdade, essa dependência é um facto, e é positivo que pelo menos alguns deles a reconheçam, embora não se saiba que influência tal facto tem na sua actuação administradora. Mas a verdade, também, é que um responsável tem de assumir as suas responsabilidades e não esconder-se atrás dos seus subordinados, imputando-lhes a culpa de um eventual fracasso (ao mesmo tempo que, se calhar, fica sozinho com os louros quando as coisas correm bem). Napoleão Bonaparte ganhou muitas batalhas à custa dos seus soldados, os quais no entanto ficaram globalmente na história apenas por serem os seus soldados. E quando foi vencido em Waterloo, mais uma vez foi ele quem perdeu, não os seus soldados, apesar de historicamente se saber que essa derrota se ficou a dever em grande parte à não execução cabal e atempada de um plano de batalha confiado ao comandante de um dos seus regimentos. Mas foi ele quem foi derrotado, e destronado, e preso, e que morreu no exílio. Não o seu exército, que apenas perdeu o chefe.

Prosaicamente

E isto faz todo o sentido, porque a responsabilidade da organização de um exército, da sua estratégia e da táctica no combate pertencem por inteiro ao comandante-em-chefe e ao seu estado-maior. Como lhes pertence também a responsabilidade da nomeação das chefias intermédias, a sua coordenação, o assegurar-se de que os soldados aceitam essas chefias e compreendem as suas ordens e indicações. E, finalmente, por último mas com certeza não em último, a de saber motivar todo o exército, entusiasmá-lo, galvanizá-lo, como Napoleão fez ao conseguir que os seus soldados quisessem até morrer por ele.
É claro que para se chegar à avaliação dos hospitais EPE não é preciso ir tão longe, e tão alto. Bastará ficarmo-nos prosaicamente pela comparação com as equipas de futebol, em que se os jogadores não gostarem do treinador, ou este os não motivar adequadamente, ou a direcção do clube não lhes pagar o indicado, pura e simplesmente correm, correm no campo mas realmente não jogam e não ganham. E a solução não é substituir a equipa.
Quando os lugares de chefia intermédia num hospital estavam dependentes de uma carreira, de uma sucessão de exames e concursos, de provas dadas, os conselhos de administração podiam queixar-se de que todos aqueles júris eram constituídos por incapazes e que eles, que detinham a capacidade de saber «achar» quem eram os melhores, infelizmente não o podiam fazer e tinham de conviver sofredoramente e trabalhar com os que chegavam ao topo da carreira. Mas essa possibilidade de assacarem culpas aos concursos desapareceu-lhes, uma vez que as nomeações para os vários lugares de chefia e de responsabilidade intermédia estão-lhes agora totalmente nas mãos.
Mas é verdade que não é fácil avaliar o trabalho de um conselho de administração de um hospital. É que não se pode olhar simplesmente para a frieza de números expostos em quadros de contabilidade mais ou menos criativa, como não é bastante saber quantas «cirurgias» foram feitas ou quantos doentes foram ao hospital ver o médico. O equilíbrio ou desequilíbrio financeiro de um hospital estatal é tão-somente uma parte dos problemas de uma instituição que tem como objectivos a saúde de uma população, o seguimento e acompanhamento de muitos dos que estiveram doentes, a formação pós-graduada de profissionais, o ensino de alunos, a investigação para se conseguirem melhores -- mais eficazes, mais eficientes e mais baratos -- métodos de diagnóstico e de tratamento. Tudo isto está relacionado, para além de condições materiais, com uma enorme equipa de profissionais cujo trabalho competente, coordenado e entusiástico é que pode fazer render o dinheiro aplicado.

O difícil e moroso

Construir hospitais e equipá-los é fácil, basta ter dinheiro. O difícil e moroso é construir equipas, de médicos e outros profissionais, competentes e eficientes, que desempenhem a função que ao hospital cabe e justifiquem a sua existência e os seus custos, contribuindo ao mesmo tempo para a formação de outros e para uma melhoria nos cuidados de saúde prestados à população. Ora o que se tem vindo a passar nalguns hospitais-empresa é que, em vez de manterem os bons profissionais, os mais experientes e sabedores, estimulando-os a fazer mais e melhor trabalho, parece antes fazerem um esforço (voluntário ou por inépcia) para os afastar, para os empurrar para fora do hospital, para a actividade privada, seja por reforma antecipada ou licença sem vencimento, seja simplesmente por desmotivação e desinteresse em relação a uma administração hospitalar que se mostra incapaz. Quando médicos muito diferenciados, líderes de opinião, que durante várias dezenas de anos trabalharam com afinco na instituição e contribuíram para a sua qualidade clínica, se vão embora dela muito antes do tempo, algo está mal. E será de inquirir o conselho de administração sobre o que se passou, e saber o quanto é ele próprio responsável por essas saídas -- eis um factor de avaliação da sua actividade.
Enquanto do ponto de vista económico-financeiro o Ministério da Saúde mantém algum controlo, no resto os conselhos de administração dos hospitais EPE são totalmente autónomos, não prestam contas a ninguém, e daí a sua absoluta responsabilidade.

Promoção de minhocas a jibóias

Em termos de recursos humanos tem-se assistido nalguns a uma desierarquização catastrófica, com promoção de minhocas a jibóias, aparentemente esperando-se que essa simples promoção trouxesse as qualidades e a capacidade que os promovidos não têm, nunca tiveram, nem nunca hão-de ter. É claro que os contemplados nessa campanha promocional, guindados a cargos e funções que nem nos seus mais desvairados sonhos esperaram algum dia possuir, tudo farão para os conservar, sobretudo nunca contrariando quem os nomeou. E parece ter sido esse o objectivo. Com a perversão acrescentada de serem os menos qualificados a avaliar e classificar os mais qualificados. Se as coisas correm mal, se a qualidade do serviço desaparece, se a formação é posta em causa, se começa a haver problemas com os doentes, então a responsabilidade é do conselho de administração e é com certeza um factor de avaliação a ter em conta. Sobretudo se os próprios doentes e os médicos em formação se começarem a queixar oficialmente e a idoneidade formativa for posta em causa.
Outro aspecto a avaliar é a organização imposta ao hospital, já que a reorganização ou desorganização estabelecidas são totalmente da responsabilidade do conselho de administração, como as administrações regionais de Saúde e o próprio Ministério da Saúde afirmam quando questionados sobre uma ou outra situação particular e mais gritante. A actual lei de gestão hospitalar permite-o, mas há que pedir responsabilidades a quem as tem. Estruturas hospitalares modificadas e pouco operacionais, resmas de administradores pululando nos corredores do hospital, procurando ganhar dinheiro com uma instituição que existe para tratar doentes -- que é o que os médicos e os outros profissionais de saúde fazem --, tudo deve ser considerado. Qual o aumento em gastos administrativos, incluindo ordenados de administradores?
Quando se avalia a gestão de um hospital há que saber também o que conseguiu fazer com o que o hospital possuía, nomeadamente em capital humano e em tecnologia e know-how. Há hospitais do Estado geridos como empresas em que tudo isso tem sido malbaratado, eu diria mesmo desbaratado, sobretudo em médicos bem preparados e competentes. Ter capacidade de tratar doentes dalgumas patologias, até frequentes e cada vez mais frequentes, e simplesmente afastá-los, desperdiçando a capacidade instalada ao longo de dezenas de anos, apenas com o intuito pequenino de poupar dinheiro e transferir essa despesa para o vizinho, é com certeza também um factor de avaliação. Procurar resolver os problemas financeiros locais de um hospital estatal sem querer saber da saúde regional ou nacional não é por certo positivo, e deve contar num score de capacidade de gestão hospitalar.

Fundamental

Em suma, e para concluir, é fundamental avaliar a actividade dos conselhos de administração dos hospitais EPE, e rapidamente. Essa avaliação não é fácil, porque é complexa e deve ser feita sob múltiplos aspectos, para além do económico-financeiro. Há hospitais com as contas eventualmente certas -- outros nem isso -- e destruídos por dentro, e o Ministério da Saúde, que empatou lá o dinheiro que é de todos nós, não sabe. É altura de querer saber. Há aspectos muito mais importantes do que o económico-financeiro, porque as consequências dos erros aí cometidos levarão muito mais tempo a ser corrigidas e terão muito maior impacte negativo no País, para além de no próprio hospital. Mesmo no campo financeiro, porque ao fim e ao cabo gastou-se dinheiro para se cometerem os erros.
Mas entenda-se é que a dificuldade de avaliar a actividade dos responsáveis não reside nos profissionais que trabalham no hospital. Esses, pelo contrário, deveriam ser ouvidos: para saber o que pensam e que futuro antevêem para a instituição, e se estão contentes e a trabalhar a par com o seu conselho de administração ou, pelo contrário, apenas esperando, senão desejando e pedindo a Deus, que ele seja substituído. Este deveria ser outro factor na grelha de avaliação.

Presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar

Em exclusivo, em TEMPO MEDICINA ONLINE de 2008.05.06
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sábado, 3 de maio de 2008

MS tem «profundo desconhecimento» sobre carreiras

Mário Jorge Neves denuncia em conferência de Imprensa
MS tem «profundo desconhecimento» sobre carreiras
Dirigentes da Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e do Ministério da Saúde (MS) realizaram uma reunião de trabalho, no âmbito da negociação da nova lei de vínculos, carreiras e remunerações da administração pública, na qual os médicos, em princípio, vão figurar como um corpo especial. Mas essa reunião, nas palavras do presidente da estrutura sindical, Mário Jorge Neves, só serviu para «aprofundar o quadro de preocupações» em relação à matéria. É que, diz, ali ficou a nu o «profundo desconhecimento» que a delegação com quem se reuniu revela em relação ao «funcionamento das instituições de saúde e às carreiras médicas».
O responsável explicou, em conferência de Imprensa ocorrida a 29 de Abril, nas instalações do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, que «foram produzidos comentários» no sentido de se considerar «uma só categoria nas carreiras médicas», sendo os cargos hierarquicamente superiores preenchidos através de nomeação. Além disso, Mário Jorge Neves denunciou que, face à proposta da Fnam para que exista uma «clara separação» entre carreira técnica e científica e cargos de gestão, a resposta que ouviu foi a de que quando se vai a uma Urgência «pouco importa que o médico seja especialista ou chefe de serviço». E isso, na profissão médica, «não é indiferente», afirmou o dirigente sindical.
Esta reunião, conforme informou Mário Jorge Neves, foi marcada a 1 de Abril, na audiência que a Fnam teve com a ministra da Saúde, Ana Jorge, e na qual a governante indicou não ter ainda qualquer proposta negocial. Mas conforme sublinhou o sindicalista, a 10 de Abril, quando se realizou a reunião de trabalho, «a delegação ministerial continuava a não dispor de nada». Além disso, o responsável fez notar que o elenco de dirigentes do MS que compareceu à reunião sobre a negociação das carreiras médicas «não incluía nem ministra, nem secretários de Estado».
«Tempo Medicina», registe-se, perguntou pela terceira vez ao Ministério em que fase está este processo e, também pela terceira vez, não obteve qualquer resposta.

Sindicato exige calendarização

O comunicado da Fnam dá conta de que a situação suscita «fortes apreensões e exige imediata clarificação». E isso só pode ser feito através do «estabelecimento de um calendário negocial» que permita a «adequada abordagem da revisão das carreiras médicas». Até porque, frisou Mário Jorge Neves, os quatro meses que restam para a conclusão de uma proposta «começam a ser um período de tempo curto». Por isso, no comunicado é indicado que os responsáveis da Fnam esperam que a «morosidade» do processo «não signifique a tentativa posterior de impor um número mínimo de reuniões» que sirvam apenas de «mera encenação negocial destinada a consumar a subversão e a própria destruição das carreiras médicas».
A conferência de Imprensa, em que também estiveram presentes os dirigentes Sérgio Esperança, João Valente, Merlinde Madureira e Bernardo Vilas Boas, serviu igualmente para divulgar as preocupações da Fnam relativamente ao atraso da implementação do modelo B nas unidades de saúde familiar e à demissão de membros da Unidade de Missão para os Cuidados de Saúde Primários (ver também página 2), assim como para reiterar as preocupações com o «desmoronamento» dos serviços públicos de Saúde.

S.R.R.

TEMPO MEDICINA 1.º CADERNO de 2008.05.05
0812901C12208SR18G