segunda-feira, 28 de maio de 2007

“FLEXIGURANÇA” NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1º PASSO TAMBÉM PARA O SECTOR PRIVADO

“FLEXIGURANÇA” NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1º PASSO TAMBÉM PARA O SECTOR PRIVADO

RESUMO DESTE ESTUDO
O governo apresentou aos sindicatos um projecto de Lei sobre “Regimes de vinculação, carreiras e remunerações” que visa subverter, de uma forma total e imediata, todo o sistema de relações de trabalho na Administração Pública. Como “aluno obediente”, o governo de Sócrates procura assim concretizar, de uma forma apressada e ainda mais gravosa para os trabalhadores, a “flexisegurança” defendidas pela Comissão da U.E., fazendo “tábua rasa” dos direitos dos trabalhadores É previsível, que os patrões do sector privado venham muito em breve reivindicar o mesmo para si, com o argumento de que se o próprio governo dá o exemplo, que força moral tem para o negar aos privados. A intervenção de Vieira da Silva na A.R., em 23.5.2007, confirma isso.

O projecto-lei aplica-se a toda a Administração do Estado quer directa quer indirecta, aos serviços de administrações regionais e autárquicas, aos juízes e aos magistrados do Ministério Público. Apesar de se ter excluído do âmbito da sua aplicação as entidades públicas empresariais, no entanto aplica-se aos trabalhadores, com vínculo público que nelas estejam (por ex. aos médicos, ao enfermeiros, e a outro pessoal que tenha vinculo público).

Depois de se analisar o projecto-lei do governo conclui-se rapidamente o seguinte:(1) Todos os anos os mapas de pessoal poderão ser alterados, o que determinaria uma situação de permanente precariedade e instabilidade para os trabalhadores pois, por uma simples decisão do responsável máximo, poderiam ser considerados como “excessivos”, sendo colocados na Situação de Mobilidade Especial e/ou despedidos (artº 4 do Projecto de lei).; (2) A cessação do contrato por tempo indeterminado por simples decisão do responsável máximo, tendo o trabalhador a possibilidade apenas de estar um ano na Situação de Mobilidade Especial, findo o qual seria despedido (artº 32) (3) O período experimental, que é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido sem qualquer indemnização, seria de um ano para todas as carreiras, que é quatro vezes superior ao do sector privado(nº2, artº 12º); (4) A introdução de contratos a prazo mesmo no regime de nomeação, com a designação de “nomeação transitória”; (5) A generalização de contratos a prazo no Administração Pública mesmo para necessidades não temporárias, o que não é permitido no sector privado (artº 22); (6) A introdução na Administração Pública do despedimento colectivo, do despedimento por extinção do posto de trabalho, e do despedimento por inadaptação do trabalhador, sem que se indique em que condições e quais os procedimentos a cumprir (artº 32);; (7) As alterações nas posições remuneratórias ficariam dependentes das disponibilidades orçamentais, mesmo que o trabalhador, a nível de avaliações, obtivesse as necessárias (artº 45); (8) A negociação individual por escrito da remuneração (artº 49); (9) A contratação de trabalhadores colocados na SME com remunerações inferiores aos contratados externamente (artº 54); (10) A violação do principio de igualdade no acesso por qualquer cidadão à Administração Pública (artº 55); (11) A redução arbitrária das actuais seis carreiras do regime geral a apenas a três carreiras (técnico superior, assistente técnico e assistente operacional), o que determinaria grande arbítrio no sistema de equiparação e a polivalência generalizada (artº 96 e seguintes); (12) A colocação dos trabalhadores em categorias com posições remuneratórias inferiores às que auferem na transição das carreiras actuais para as novas careiras (artº 103); (13) A introdução do poder absoluto das chefias, já que “o conteúdo funcional da categoria a que o trabalhador tem, não podia, em caso algum, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudicaria a atribuição ao trabalhador de tarefas não expressamente mencionadas” (artº 42); (14) A introdução da chamada mobilidade interna que daria poder às chefias para alterar tanto a categoria como a carreira que o trabalhador tivesse, atribuindo ao trabalhador “funções na mesma área funcional ou em outras áreas funcionais”, assim como “funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes à categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontrasse integrado ou da categoria que é titular”, durante um ano ou por prazo indeterminado (artº 59 e 60); (15) A redução significativa das áreas funcionais onde vigoraria no futuro o regime de nomeação (Forças Armadas, apenas dos quadros permanentes; pessoal diplomático; informação de segurança, investigação criminal, segurança pública, apenas para o pessoal operacional), transitando os actuais trabalhadores em regime de nomeação restantes (médicos, enfermeiros, técnicos superiores, técnicos administrativos, etc, etc,), “sem outras formalidades para modalidade de contrato a tempo indeterminado, mantendo apenas os regimes de cessação, de reorganização de serviços, e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social” (artº 10 e artº 87 do projecto de lei do governo); (16) A manutenção ou integração total ou parcial ou mesmo a eliminação dos actuais suplementos remuneratórios (artº 111); (17) O congelamento das carreiras em mais 3 anos, a contar de 2008, ou seja, pelo menos até 2011 para a esmagadora maioria (mais de 70%) dos trabalhadores da Administração Pública.

Neste estudo analisam-se apenas os aspectos essenciais do projecto de lei do governo para evitar que este documento seja ainda mais longo (o projecto do governo tem 62 páginas e 114 artigos e um anexo), fazendo-se citações retiradas do projecto, pois se isso não fosse feito corria-se o risco de quem o ler não acreditar, devido à gravidade de muitas normas contidas no projecto do governo. Para além disso, cruzam-se vários artigos para que as conclusões se tornem mais claras e fundamentadas.

A NEGAÇÃO TOTAL DA FUNÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NA ADMINISTARÇÃO PÚBLICA

A função principal do direito do trabalho é, na relação do trabalho, que é uma relação desigual em que a parte mais fraca é o trabalhador, defender este último do arbítrio patronal, que tem o poder de dar ou de recusar o emprego, o qual é vital à sobrevivência e realização do trabalhador como pessoa humana. Na Administração Pública, o direito do trabalho tem ainda uma outra função importante: a de garantir a imparcialidade na prestação do serviço público a todos os cidadãos, e essa imparcialidade só poderá ser garantida através de um vínculo contratual forte, que só é a nomeação, que defenda o trabalhador das pressões do poder político e económico. Daí a necessidade e razão deste regime que garanta ao trabalhador um emprego estável e uma carreira profissional segura porque ambos são garantidos e regulados pela lei, e não estão dependentes do arbítrio do patronal. É tudo isto que o actual governo quer liquidar, introduzindo na Administração Pública, em sua substituição, o arbítrio com o claro objectivo de fragilizar a situação dos trabalhadores para assim ficarem mais facilmente sujeitos às pressões do poder politico e económico, pondo em causa a prestação do serviço público de uma forma imparcial, igual e generalizada a todos os portugueses.

UM SIMULACRO DE NEGOCIAÇÃO E UM GOVERNO QUE SE REVELA CADA VEZ MAIS
ARROGANTE E AUTORITÁRIO

Apesar dos sindicatos dos trabalhadores da Administração Pública terem solicitado que lhes fossem dado tempo suficiente para analisar com profundidade as propostas do governo e para as debater com os trabalhadores, já que estava em jogo a alteração total e radical das normas da relação de trabalho na Administração Pública, produto de muitos anos, o que iria ter profundas consequências na vida de mais de 750.000 trabalhadores, o governo recusou e impôs unilateralmente o seu calendário de negociações. Assim, o actual governo pretende discutir com os sindicatos o seu projecto de lei em apenas três reuniões, o que corresponde somente a 6 horas. Mais uma vez este governo revelou o seu carácter autoritário e arrogante. E isto para não falar de um projecto de lei que já foi aprovado pelo Conselho de Ministro e que, por isso, o governo apenas admite pequenas alterações meramente formais para poder dizer na sua propaganda que “introduziu alterações depois de ter negociado com os sindicatos ”, e assim manipular a opinião pública.

1- TODOS OS ANOS OS MAPAS DE PESSOAL DE CADA SERVIÇO PODEM SER ALTERADOS E TRABALHADORES DESPEDIDOS OU COLOCADOS NA S.M.E.

De acordo com o artº 4º do Projecto de Lei todos os anos, aquando da preparação da proposta de Orçamento do Estado, os serviços elaboram os respectivos mapas de pessoal. E segundo o nº1 do artº 5º, “os mapas de pessoal contém a indicação do numero de postos de trabalho de que o órgão e serviço carece”. E de acordo com o nº1 do artº 6º “face aos mapas de pessoal, o órgão ou serviço verifica se se encontrem em funções trabalhadores em número suficiente ou insuficiente ou eventualmente excessivo”. E segundo o nº 7 do artº 6º “sendo excessivo o numero de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço começa por promover as diligências legais necessárias à cessação da relação jurídica de emprego público constituído por tempo determinado ou determinável de que não careça e, quando necessário, aplica às restantes o regime legalmente previsto, incluindo o de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial”; portanto, qualquer trabalhador seja qual for o vinculo que tenha (contrato a prazo, contrato por tempo indeterminado, nomeação) passaria a estar sujeito todos os anos a ser considerado “excessivo” e, consequentemente, ou colocado na situação de mobilidade especial ou despedido, o que significa que ficaria numa situação de precariedade para toda a vida.

2- A COLOCAÇÃO NA SITUAÇÃO DE MOBILIDADE ESPECIAL DURANTE UM ANO SGUIDO DE DESPEDIMENTO DO TRABALHADOR

O artº 32 dispõe que quando “ o contrato de trabalho por tempo indeterminado cessar por despedimento colectivo ou por despedimento por extinção do posto de trabalho”, o trabalhador é notificado para , em 10 dias, informar se deseja ser colocado em situação de mobilidade especial pelo prazo de um ano(nº5). Se não informar é imediatamente despedido, mas se informar que pretende passar à situação de mobilidade especial, segundo o nº 8 do mesmo artigo, não arranjando emprego na Administração Pública durante esse período, “é praticado o acto de cessação do contrato”, portanto é despedido. De acordo com o artº 87 do projecto de lei, esta disposição só não se aplica aos trabalhadores em regime de nomeação e àqueles que actualmente estão no mesmo regime mas que, por força deste projecto, passariam à situação de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP). Portanto, aos que actualmente estão com qualquer tipo de contrato, mesmo permanente, assim como aqueles que entrarem futuramente através de CTFP passariam a estar abrangidos por esta norma, ou seja, podendo ser despedidos no máximo ao fim de um ano a contar data em foram colocados na Situação de Mobilidade Especial, funcionaria assim como antecâmara do despedimento individual.

3 - PERIODO EXPERIMENTAL QUATRO VEZES SUPERIOR AO DO SECTOR PRIVADO

O período experimental é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido livremente pela entidade patronal sem ter de pagar qualquer indemnização. É por essa razão que o artº 107º do próprio Código do Trabalho limita esse período para a generalidade dos trabalhadores a apenas 90 dias (em caso de contratos a prazo é somente entre 15 a 30 dias, dependendo da duração do contrato), e só para cargos de direcção superiores admite que o período experimental possa atingir 240 dias. O nº2 do artº 12 do projecto de lei do governo estabelece que “o período experimental tem a duração de um ano” para todos os trabalhadores. Portanto, o actual governo pretende que na Administração Pública os trabalhadores admitidos possam ser despedidos livremente, sem invocação de qualquer razão e sem direito a qualquer indemnização, durante um ano.

4- CONTRATOS A PRAZO NO REGIME DE NOMEAÇÃO ATRAVÉS DA NOMEAÇÃO TRANSITÓRIA

O governo pretende introduzir os contratos a prazo mesmo no regime de nomeação através da chamada “nomeação transitória”. Assim, de acordo com o nº1 do artº 13º do Projecto de Lei “podem ser nomeados transitoriamente os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de sujeitos de emprego público por tempo indeterminado, bem como se encontrem em situação de mobilidade especial”. Em que condições poderia isso acontecer o governo não diz porque, segundo o nº 2 do mesmo artigo, “essas disposições constarão do futuro Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas relativas aos contrato a termo resolutivo”, que ainda não apresentou aos sindicatos.

5- GENERALIZAÇÃO DOS CONTRATOS A PRAZO NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA

O artº 129 do Código do Trabalho estabelece que só para satisfação de necessidades temporárias as entidades patronais poderão contratar a prazo trabalhadores. E segundo o artº 130 do Código do Trabalho, quando um empregador faça um contrato a prazo para uma tarefa ou serviço permanente, o contrato a prazo transforma-se automaticamente em contrato por tempo indeterminado. No entanto, o governo pretende ficar com as mãos livres para contratar livremente trabalhadores a prazo na Administração Pública, pois o artº 22º do Projecto de Lei dispõe que “ podem ser contratados a termo resolutivo os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de emprego público por tempo indeterminado, bem como os que se encontrem em situação de mobilidade especial” mesmo para satisfação de necessidades permanentes.

6 - A INTRODUÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OUTRAS FORMAS DE DESPEDIMENTO

De acordo com o artº 32 do projecto de lei, o governo pretende introduzir na Administração Pública “o despedimento colectivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho” (nº2 ), assim como a “cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado por caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a entidade empregadora publica receber o trabalhador” bem como o “despedimento por inadaptação” (nº 9 do mesmo artigo). Em que condições isso poderia ser feito, e quais os procedimentos que seriam respeitados, ignora-se pois o governo remete-os também para o Regime de Contrato de Trabalho de Funções Públicas que não apresentou e que, por isso, são totalmente desconhecidas.

7 - ALTERAÇÕES REMUNERATÓRIAS LIMITADAS POR DISPONIBILIADES FIXADAS PELO DIRIGENTE MÁXIMO

Segundo o nº1 do art.º 45 do projecto é da competência do chamado dirigente máximo decidir a alteração da posição remuneratória do trabalhador (é uma opção gestionária diz expressamente o projecto). E embora no artº 46º se estabeleça que é necessário que os beneficiados “tenham obtido, nas últimas avaliações do seu desempenho, ou duas menções máximas consecutivas, ou três menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas, ou cinco menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas”, e depois tenham de ser escolhidos sequencialmente por esta ordem”, no entanto o nº1 do artº 47 dispõe que “o dirigente máximo, ouvido (não tem que obter parecer favorável) o Conselho Coordenador de Avaliação pode alterar, para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontra, o posicionamento remuneratório do trabalhador em cuja última avaliação do desempenho tenha obtido a menção máxima ou imediatamente inferior”. Portanto, o dirigente máximo ficaria com o poder discricionário de fazer passar para a frente de todos aquele que quisesse, e para isso não seria necessário que o trabalhador tivesse “duas menções máximas consecutivas”, ou três menções imediatamente inferiores á máxima consecutivas”, mas bastava que “na última avaliação de desempenho tenha obtido a menção máxima ou a imediatamente inferior” (nº1, artº 47). Por outro lado, mesmo satisfazendo o que projecto dispõe relativamente a avaliações de desempenho, os restantes trabalhadores não teriam assegurada a mudança de posição remuneratória pois, segundo o nº5 do artº 46 do projecto, “não há lugar a alteração do posicionamento remuneratório quando, não obstante o cumprimento dos requisitos por parte do trabalhador, o montante máximo dos encargos fixado para tal fim pelo dirigente máximo se tenha, previsivelmente, esgotado efectivamente com a alteração relativa a trabalhador ordenado superiormente”. Entra-se assim no reino do puro arbítrio já que é da competência do dirigente máximo não só ultrapassar a classificada baseada na avaliação de desempenho como também fixar o montante de despesa destinado a alteração das posições remuneratórias dos trabalhadores.

8- NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL DA REMUNERAÇÃO NA ADIMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Segundo o nº3 do artº 49, do “procedimento dos concursos consta, com clareza, a referência ao numero de postos de trabalho a ocupar e a sua caracterização em função da carreira, categoria, área funcional e, quando necessária, área do conhecimento das habilitações literárias e, ou, profissionais que lhe correspondam”, mas não a remuneração. E de acordo com o nº1 do artº 54, no caso de contrato “ o posicionamento do trabalhador numa das posições remuneratórias … é objecto de negociação com a entidade empregadora pública” e, segundo o nº3 do mesmo artigo, “por escrito”. È evidente que este tipo de negociação permitiria, por um lado, o seu condicionamento por influências partidárias ou outras e, por outro lado, o trabalhador que não tivesse tais influências ficaria numa situação frágil sendo-lhe naturalmente atribuída a posição remuneratória mais baixa. Desta formar criar-se-iam condições para o aparecimento de graves desigualdades a nível de remunerações na Administração Pública e para a liquidação do direito à contratação colectiva.

9- A CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES COLOCADOS NA S.M.E. COM REMUNERAÇÕES INFERIORES AOS CONTRATADOS EXTERNAMENTE

Como tudo isto já não fosse suficiente, o nº2 do artº 54 estabelece que “ a negociação com os candidatos colocados em situação de mobilidade especial é independente da que tenha lugar com os restantes candidatos e, em caso algum, pode condicionar os respectivos limites”. E como os trabalhadores em SME estão obrigados, sob pena de serem despedidos, a aceitarem um lugar onde recebam uma remuneração igual à que tinham e sendo esta independente das oferecidas aos candidatos que não estão colocados em tal situação estão assim criadas condições para o agravamento das desigualdades remuneratórias entre os trabalhadores que foram colocados na SME e aqueles que não foram.

10 - A VIOLAÇÃO DA IGUALDADE DE ACESSO DE TODOS OS CIDADÃOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Uma das funções mais importantes do direito administrativo é precisamente garantir a igualdade de todos os cidadãos no acesso à Administração. Daí a obrigatoriedade imposta por lei da publicitação dos lugares assim do acesso ser feito através de concurso público com procedimentos rigorosamente estabelecidos e o direito dos candidatos poderem impugnar nos tribunais administrativos qualquer situação que considerem irregular.

Ora nº1 do artº 55 do Projecto de Lei do governo vem violar este principio fundamental do direito administrativo porque estabelece que “o dirigente máximo da entidade empregadora pública pode optar, em alternativa à publicitação do procedimento concursal nele previsto, pelo recurso a diplomados pelo curso de estudos avançados em gestão pública “ do INA. E segundo o nº2 do mesmo artigo aqueles diplomados apenas podem ser integrados na carreira de técnico superior” e, de acordo com o nº5, “ a remessa da lista ao INA compromete a entidade empregadora pública a, findo o curso, integrar o correspondente número de diplomados”. Sabendo que estes cursos com a duração de um ano custam cerca de 5.000 euros, ficam também assim criadas as condições, para que este acesso não sujeito “à publicitação de procedimento concursal”, seja apenas para quem tenha dinheiro ou quem esteja disposto e tenha possibilidades de se endividar, em clara violação do principio de igualdades de todos os cidadão no acesso à Administração Pública.

11- A REDUÇÂO ARBITRÁRIA DAS SEIS CARREIRAS ACTUALMENTE EXISTENTES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A APENAS A TRÊS CARREIRAS

Segundo o artº 48 do projecto de lei, o governo tenciona reduzir as seis carreiras do regime geral que existem actualmente na Administração Pública – técnico superior, técnico, técnico auxiliar, administrativos, auxiliar e operários – a apenas três carreiras que são as seguintes: técnico superior, assistente técnico, e assistente operacional. Portanto, todos os trabalhadores que actualmente estão distribuídos pelas seis carreiras referidas anteriormente, seriam incluídos nestas novas três carreiras. Assim, segundo o artº 94 do projecto de lei, transitariam para a futura carreira geral de técnico superior os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico superior do regime geral e nas carreiras de técnico do regime geral; segundo o artº 96º transitariam para a futura carreira de assistente técnico os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico profissional do regime geral; e finalmente de acordo com o artº 99 do projecto, transitariam para a futura carreira de assistente operacional os trabalhadores que actualmente pertencem às carreiras de pessoal operário do regime geral, de pessoal auxiliar do regime geral, e de encarregado de pessoal auxiliar do regime geral. Em relação aos restantes trabalhadores não referidos anteriormente, com exclusão do chefe de secção, do coordenador técnico das carreiras de técnico profissional de regime geral e do encarregado geral do pessoal operário que seriam integrados em categorias próprias, todos os restantes trabalhadores seriam repartidos pelas três carreiras referidas anteriormente de acordo com a semelhança ou coincidência do grau de “complexidade funcional e conteúdo funcional” o que, devido ao seu carácter genérico, permitiria o maior arbítrio. Esta integração forçada de todos os actuais trabalhadores integrados em seis carreiras em apenas três carreiras obrigará a um aumento da polivalência dos trabalhadores. E tudo isto é feito sem qualquer fundamentação técnica e sem avaliar quais as consequências para os trabalhadores e para os serviços das alterações profundas que o governo tenciona introduzir, pois não apresentou qualquer estudo que as fundamente, a não a ser a repetição da afirmação que o numero de carreiras e categorias actuais é exageradamente elevado.

12- A COLOCAÇÃO DOS TRABALHADORES EM CATEGORIAS COM UMA POSIÇÃO REMUNERATÓRIA INFERIOR NA TRANSIÇÃO PARA AS NOVAS CARREIRAS

O nº2 do artº 103 do projecto de lei do governo estabelece que, na transição para as novas carreiras, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória coincidente com o que recebiam, mas se não for possível tal coincidência, que poderia ser a situação mais habitual, “ os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório, previsto para a categoria, cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior (inferior) à remuneração que recebiam”. Embora depois se diga que, no entanto, ele “mantém o direito à remuneração base que vem auferindo” , e que será actualizada quando forem actualizados os salários da Administração Pública (nº3), o certo é este posicionamento “previsto para a categoria, cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior”, ou seja, inferior, vai afectar a progressão futura do trabalhador quer a nível de posições remuneratórias quer a nível da sua própria carreira profissional.


13- O PODER ABSOLUTO DAS CHEFIAS E A POLIVALÊNCIA TOTAL

De acordo com o nº2 do artº 42 do projecto de lei do governo, “ o conteúdo funcional de cada carreira ou categoria deve ser descrito de forma abrangente, dispensando pormenorizações relativas à execução das funções”, ou seja, com uma generalidade muito grande o que permitiria incluir sempre mais funções, não dando ao trabalhador meios para se poder defender de ser tratado como “pau para toda a obra”. E como isso já não fosse suficiente, o nº3 do mesmo artigo, estabelece que “ a descrição do conteúdo funcional não pode em caso algum, e sem prejuízo do disposto no artigo 271 da Constituição, que abrange apenas crimes, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudica a atribuição ao trabalhador de tarefas, não expressamente mencionadas”. Mesmo uma figura que existia no regime anterior ao 25 de Abril, denominada “respeitosa representação”, que significava que se o trabalhador suspeitasse que determinada ordem era ilegal, ele podia pedir que a fosse dada por escrito, mesmo essa “respeitosa representação” não está prevista no projecto de lei do governo.

14- MOBILIDADE INTERNA FORÇADA. SINÓNIMO DE MAIS POLIVALENCIA

De acordo com nº1 do artº 59 do projecto de lei do governo, “ a mobilidade interna reveste as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade inter-carreiras ou categorias”. E segundo o nº2, a mobilidade na categoria opera-se atribuindo ao trabalhador funções “na mesma área funcional ou em diferentes áreas funcionais”. E a mobilidade inter-carreira ou categorias opera-se, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, atribuindo ao trabalhador “funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes a categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontra integrado ou da categoria de que é titular”. E segundo o nº1 do artº 62, “a mobilidade interna tem a duração máxima de um ano, excepto quando esteja em causa órgão ou serviço que não pode fazer contratos por tempo indeterminado, caso em que a sua duração é indeterminada”. E o nº1 do artº 63 estabelece que “a mobilidade na categoria que se opere dentro do mesmo órgão ou serviço consolida-se definitivamente (mantém-se indefinidamente) por decisão do respectivo dirigente máximo”

15- A REDUÇÃO DOS TRABALHADORES ABRANGIDOS PELO REGIME DE NOMEAÇÃO

Segundo o artº 10 do projecto de lei do governo, futuramente só ficarão abrangidos pelo regime de nomeação os trabalhadores em cujas carreiras se encontrem integradas as seguintes áreas funcionais: (a) Forças Armadas, mas só os do quadro permanente, portanto os soldados não ficarão; (b) Representação externa do Estado, portanto o pessoal diplomático mas não os trabalhadores consulares; (c) Informação de Segurança, Investigação Criminal, Segurança Pública, mas apenas os operacionais ficando excluídos os administrativos e os de outras funções de apoio para os quais vigoraria o Contrato de Trabalho em Funções Públicas. E mesmo os actuais trabalhadores em regime de nomeação definitiva que não pertençam às áreas referidas anteriormente, segundo o nº4 do artº87, “transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato a tempo indeterminado”, só mantendo “os regimes de cessação, de reorganização dos serviços e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social próprios de nomeação definitiva”. Os restantes trabalhadores actuais, mesmo com contrato por tempo indeterminado nem isto manteriam.

16- MANUTENÇÃO E INTEGRAÇÃO PARCIAL OU TOTAL, OU MESMO A ELIMINAÇÃO DOS SUPLEMENTOS REMUNERATÓRIOS

De acordo com o nº1 do artº 111 do projecto do governo, os suplementos remuneratórios vão ser revistos, e decisão poderá ser será mantê-los total ou parcialmente, integrá-los no todo ou na parte na
remuneração base, ou então que “deixem de ser auferidos”. Em relação ao aos suplementos em vigor que “ não sejam, total ou parcialmente, mantidos ou integrados na remuneração base” continuam, na parte em que tal aconteça “a ser auferidos pelos trabalhadores até ao fim da sua vida” enquanto se mantiverem “na carreira ou na categoria por causa de sua integração ou titularidade adquiriam direitos a eles”. No entanto, é preciso não esquecer que com a mudança para as novas carreiras para a esmagadora maioria verificar-se-á uma mudança de carreira e também de categoria. Para além disso, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, “ montante pecuniário é insusceptível de qualquer actualização”, portanto nunca mais será actualizado.

17 - O CONGELAMENTO DAS CARREIRAS ATÉ 2011 PARA A MAIORIA DOS TRABALHADORES
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De acordo o nº1 do artº 112, durante três anos a contar da publicação deste projecto como lei, só poderiam ser mudados de posição remuneratória ( e dizemos poderiam, pois para isso teria de haver orçamento), os trabalhadores que tivessem “ uma menção máxima, no primeiro ano; duas menções imediatamente inferiores à máxima, nos dois primeiros anos; e três menções inferiores às anteriores, desde que consubstanciem desempenho positivo, nos três primeiros anos”. Como a esmagadora maioria dos trabalhadores da Administração Pública ficariam nesta terceira situação, até por efeitos das quotas, só eventualmente em 2011 é que poderiam ter alteração remuneratória, mas apenas se existissem disponibilidades orçamentais. Depois de vários anos de congelamento de carreiras, esta disposição é imoral como dissemos directamente ao Secretário de Estado da Administração Pública.

18 - A IMPARCIALIDADE COXA DO GOVERNO

A imparcialidade na administração publica, que é necessária para garantir a todos os cidadão o acesso aos serviços publico em igualdade, é garantida através de duas condições, a saber: exclusividade, ou seja, de impedimentos e incompatibilidades, e por meio do vinculo publico de nomeação. Nos artigos 26º a 29º do Projecto de Lei, o governo pretende impor a exclusividade, embora podendo a “entidade competente” permitir a acumulação das funções públicas com actividades privadas, o que abre a possibilidade que a exclusividade seja meramente formal e imposta arbitrariamente, enquanto a outra condição vital para que seja dada segurança ao trabalhador para que ele possa ser imparcial – regime de nomeação – é negada à esmagadora maioria dos trabalhadores pelo governo.

19 - CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS APENAS PARA EMPRESAS

De acordo com o nº2 do artº 34º do projecto de lei a celebração de contratos de tarefa e de avença só poderão ser com pessoas colectivas, ou seja, com empresas. E, segundo o nº4 do mesmo artigo, para se poder celebrar este tipo de contrato com pessoas singulares é preciso autorização expressa do membro do governo responsável pelas finanças. Por outro lado, o artº 36º e 37º impõem a publicitação em Diário da República (2ª série), ou na página electrónica do respectivo serviço de todo o tipo contratos com excepção precisamente dos contratos de serviços com pessoas colectivas. Esta excepção, que gozariam este tipo de contratos, facilitaria a contratação de trabalhadores através de empresas de trabalho temporário para substituir os trabalhadores em falta ou despedidos, o que já está a suceder, determinando a redução artificial das despesas de pessoal mas o crescimento exponencial das despesas com serviços (tenha-se presente que um trabalhador contratado através de uma empresa de trabalho temporário custa ao Estado três vezes mais), assim como satisfaz uma reivindicação do antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Miguel Júdice, de que o Estado quando precisasse de serviços jurídicos devia consultar os três maiores escritórios de advogados, muitos deles já controlados por estrangeiros.

20 - O PROJECTO DE LEI TAMBÉM SE APLICA A TRABALHADORES DAS “EPE” COM VINCULO PÚBLICO

Segundo o nº1 e o nº2 do artº 3º, o projecto de lei do governo aplica-se aos serviços de administração directa e indirecta do Estado, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. De acordo com o nº2 do artº 2 do projecto, “sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, o projecto é ainda aplicável, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público”. Embora o nº4 do artº 3 estabeleça que não se aplica às entidades públicas empresariais (Hospitais EPE; Estradas de Portugal, EPE; etc.. ), no entanto o artº 85º dispõe que “o presente diploma é também aplicável aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”; portanto, todos os trabalhadores com vínculo público, sejam qual a entidade onde trabalhem ficam abrangidos por esta lei, no caso de ela ser aprovada nos termos em que está elaborada.

Eugénio Rosa
Economista
edr@mail.telepac.pt
25.5.2007

domingo, 27 de maio de 2007

SMZS considera o Instituto Gama Pinto em risco

SMZS considera o Instituto Gama Pinto em risco
O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) considera que o Instituto Gama Pinto está ameaçado de extinção, desde que a sua administração e o Hospital de Santa Maria assinaram um protocolo para «empréstimo» de oftalmologistas. Depois da demanda em tribunal, o SMZS apela às mais altas figuras do Estado.
O SMZS acusa as administrações do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto (IOGP) e do Hospital de Santa Maria (HSM) de compactuarem numa tentativa de «desmembramento e destruição» daquele organismo público, especializado em Oftalmologia. Em causa está um protocolo assinado entre estas duas cúpulas dirigentes, em Abril passado, com a aprovação da ARS de Lisboa e Vale do Tejo (que, no âmbito das mudanças introduzidas pelo PRACE, passou a tutelar a instituição). Este acordo estabelece a «imposição da deslocação dos médicos oftalmologistas do referido instituto» para prestarem serviço na Urgência do HSM.
Considerando que o acordo tem de ser anulado, depois de recorrer a tribunal o SMZS decidiu denunciar o caso às mais altas instâncias, tendo enviado, no passado dia 21, uma carta ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, ao ministro da Saúde e à Comissão Parlamentar de Saúde. A esta comissão o SMZS pedirá também, segundo contou ao «TM» o seu presidente, Mário Jorge Neves, uma audiência com carácter de «urgência».
Pelas contas do sindicato, as consequências «graves» da aplicação do referido protocolo são previsíveis e inevitáveis: «No imediato, implicaria uma redução do tempo do trabalho médico no IOGP, com a consequente diminuição de, no mínimo, 20% da produtividade anual programada. Esta redução traduzir-se-ia em menos 7880 consultas, 7894 técnicas auxiliares de diagnóstico e 560 cirurgias anuais. Se tivermos em conta o registo de 2006 da Urgência de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, verificaremos que a participação dos médicos do IOGP iria assegurar, em média, 12 cirurgias e a observação de 2200 doentes anuais», pode ler-se na missiva, disponível no site da Federação Nacional dos Médicos (FNAM).
Por seu turno, António Castanheira Dinis, presidente do conselho de administração do IOGP, disse não ter conhecimento da carta e considerou «estranhas» as acusações de tentativa de destruição e desmembramento do instituto. «Não vejo nenhuns indícios que possam levar a essa conclusão», afirmou, em declarações ao «TM». Embora reconheça como «legítima» a reacção do SMZS, o médico sublinha que o instituto apenas cumpriu o seu dever de colaboração, com vista à resolução de um problema regional. «O Hospital de Santa Maria precisava de uma ajuda e nós aceitámos dá-la, até porque era nossa obrigação. Temos que olhar a nível global, não apenas para o nível institucional. Para mim, o que conta são os doentes que precisam de cuidados de Oftalmologia», disse.
Castanheira Dinis estranha também a preocupação do sindicato com a produtividade do IOGP e assegura que tudo foi «muito ponderado» e decidido com o acordo das autoridades competentes. «Fizemos as devidas ponderações e a quebra de produção estimada foi aceite pela ARS, mas há um ganho regional e isso é que interessa», frisou.
(...)

«Desrespeito» pela ordem do tribunal

Segundo o SMZS, os próprios médicos do IOGP têm realizado várias acções no sentido de evidenciar o seu descontentamento com a situação e alertar para as possíveis consequências das mudanças instauradas. «No ano passado, a 23-10-2006, enviaram um memorando ao ministro da Saúde sobre a abordagem global da situação no IOGP e com múltiplas propostas de solução (…). Nunca obtiveram qualquer resposta», lê-se na carta.
Assinado o protocolo, foi a vez do sindicato entrar em acção. Depois de ter reunido com a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, com resultados «nulos», a estrutura decidiu avançar para tribunal, apresentando, a 7 de Maio, uma providência cautelar, à qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa deu razão, determinando a «suspensão de todos os efeitos decorrentes do referido protocolo». Mas, como conta o SMZS na carta enviada aos poderes estatais, as duas administrações «desrespeitaram as decisões do tribunal», tendo mantido quer uma acção de formação prevista quer as escalas de Urgência. O cumprimento da ordem do tribunal, decretada a 11 de Maio, só se viria a verificar, após a insistência do SMZS, no passado dia 16, refere ainda a missiva.
(...)
in TM 1.º CADERNO de 2007.05.28
0712461C04107MF21C

terça-feira, 22 de maio de 2007

Octávio Cunha sobre fecho de maternidades

«Encerramento foi feito à pressa por razões políticas»
Um ano depois de iniciada a concentração dos blocos de parto, há situações que requerem ainda a atenção da tutela. Para o pediatra Octávio Cunha, o «encerramento foi feito à pressa por razões políticas». Agora, espera pela audição que solicitou à Comissão Parlamentar de Saúde.
O director da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos do Hospital Geral de Santo António (HGSA), Octávio Cunha, foi um dos especialistas que estiveram presentes na demonstração pública de apoio à decisão do ministro da Saúde de encerrar as salas de parto que não reuniam os requisitos mínimos de segurança (ver «TM» n.º 1180, de 15/05/06). Agora, cerca de um ano depois de a concentração ter sido iniciada, este membro da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal (CNSMN) mostra-se desiludido com a forma como o processo foi conduzido.
Em declarações ao «Tempo Medicina», o pediatra explicou que a situação no Norte (aquela que diz conhecer melhor) «não está a correr bem», e tudo porque «o ministro tomou a decisão à pressa». Os recursos humanos e equipamentos são as áreas que, nas suas palavras, «não foram acauteladas».
Na reunião mais recente da CNSMN a situação resultante do fecho das salas de parto foi abordada, tendo cada elemento contribuído com o conhecimento que tem da área geográfica onde trabalha. Segundo Octávio Cunha, o responsável da comissão «ficou de apresentar um relatório, com os dados desta reunião, ao senhor ministro da Saúde». Todavia, o especialista desconhece se tal relatório já foi entregue. «TM» tentou contactar com Jorge Branco, presidente da CNSMN, mas até ao fecho desta edição não obteve qualquer resposta às questões enviadas.
Entretanto, Octávio Cunha solicitou uma audição à Comissão Parlamentar de Saúde, «que foi atendida», desconhecendo ainda a data de realização da mesma. Idêntico pedido foi formulado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, em 23 de Março, com o intuito de se proceder a uma «avaliação objectiva do impacte» da medida, «no funcionamento dos serviços de Obstetrícia e Neonatologia», aguardando-se a definição de calendário.

«Pediatria foi esquecida»

Igualmente defensor da concentração das salas de parto, o pediatra Eurico Gaspar, do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, EPE (CHVRPR), não tem dúvidas em afirmar que «o encerramento de Mirandela e Lamego trouxe benefícios para as populações. Há aqui [CHVRPR] uma melhor prestação de cuidados para a mãe e o recém-nascido», afirmou ao «TM». Todavia, tal certeza não é suficiente para apagar um facto: «A organização da Pediatria foi esquecida.» A convicção do especialista fundamenta-se na «falta de articulação» que detecta entre as instituições envolvidas na vigilância de grávidas, realização de partos e posteriormente no acompanhamento dos recém-nascidos.
O número de nascimentos no CHVRPR tem aumentado nos últimos meses, não só pelo encerramento do bloco de partos do Hospital de Lamego, como também do Hospital de S. Gonçalo, em Amarante, cuja referenciação deveria ser o Hospital do Padre Américo, no Vale do Sousa, de acordo com o que ficou estabelecido no relatório da CNSMN. No Centro Hospitalar de Trás-os-Montes as grávidas deveriam deixar de ir para Mirandela e optar por Bragança. Mas, segundo Octávio Cunha, ali «as coisas não estavam preparadas». Por isso, e porque «quando estão grávidas as mulheres ficam ainda mais inteligentes», a opção está a ser Vila Real e não Bragança.
Eurico Gaspar estima que este acréscimo corresponda a «30% de aumento de trabalho global na Pediatria e Neonatologia», tendo havido «apenas em Fevereiro de 2007 algum reforço de pessoal». O acréscimo de trabalho envolve não só o tratamento dos recém-nascidos, mas também das crianças saudáveis que, «tendo em conta os contextos sociais em que vivem», podem necessitar de apoio hospitalar. De acordo com o médico, as «situações sociais mais graves do distrito» provêm da zona de Mirandela e são acompanhadas no CHVRPR, por falta de articulação com os CS da área de residência. Porque «a organização da devolução ao hospital de origem não foi feita», as crianças, mesmo as saudáveis, continuam a ser seguidas em Vila Real, razão pela qual Eurico Gaspar defende que «houve melhor articulação com a Obstetrícia do que com a Pediatria».

«UCF não foram ouvidas»

O pediatra do CHVRPR chama ainda a atenção para o «esquecimento» de que também foram alvo as unidades coordenadoras funcionais (UCF), precisamente as entidades que têm por missão estabelecer a ligação entre as instituições de saúde envolvidas na saúde materna e infantil. «Neste caso concreto do encerramento, as UCF não foram ouvidas», além de que «as suas capacidades de intervenção não estão a ser aplicadas», salientou. Para o clínico, as UCF «precisam de incentivo governamental, porque não têm nenhum poder executivo, apenas de sugestão».
De acordo com o relatório produzido pela CNSMN, «sem uma boa interligação e coordenação entre os cuidados de saúde primários, os hospitais de apoio perinatal e os hospitais de apoio perinatal diferenciado, qualquer programa de melhoria das condições de saúde materna e infantil é de difícil ou impossível execução», cabendo às UCF «assegurar a articulação e a coordenação funcional entre aqueles níveis de cuidados de saúde».

Ordem sem queixas

No que diz respeito a eventuais queixas apresentadas na Ordem dos Médicos (OM), resultantes da concentração das salas de parto, Maria Teresa Neto, do Colégio de Neonatologia, garantiu ao «TM» não ter conhecimento de reclamações de parturientes ou profissionais. Nas suas palavras, «parece poder admitir-se que o problema com os pediatras e assistência ao recém-nascido não existe se as condições de base dos hospitais forem normais». Para a neonatologista do Hospital de D. Estefânia, «é previsível que o número de recém-nascidos a necessitar de transferência para cuidados intensivos seja menor, uma vez que a experiência e a composição das equipas será a adequada e haverá obstetras em permanência física 24 horas por dia». O «problema», sublinha, consiste no facto de «em muitos hospitais haver défice de pediatras».
Da mesma forma, o presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia, Luís Graça, negou a existência de queixas, até porque «a situação relativa a recursos humanos melhorou». Apesar disso, assinalou que «dada a gritante falta de profissionais mais novos, só dentro de quatro a cinco anos haverá o número de especialistas médicos e enfermeiros necessários». Ao mesmo tempo, o director do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria garantiu que «lacunas graves não existem», mas reconhece a «necessidade de substituir alguns equipamentos antigos que já não correspondem às necessidades actuais».

Andreia Vieira


Hospitais sem epidural 24 horas

Entre as condições estabelecidas pela CNSMN para o encerramento dos blocos de parto, constava a existência de anestesistas em número suficiente por forma a assegurar, durante 24 horas, a analgesia epidural. De acordo com o relatório feito pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN), sobre os primeiros seis meses de encerramento dos blocos de partos naquela região, datado de 26 de Março, essa condição não é satisfeita em Bragança e no CHVRPR. Da mesma forma, no Hospital de S. João de Deus, em Famalicão, não há anestesistas em permanência. Mas esta «situação deve ser revista», segundo a directora do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, Adelaide Brochado. Ao «TM», a responsável realçou ainda o facto de não haver falta de médicos ou enfermeiros. Idêntica garantia foi avançada por Lino Mesquita Machado, presidente do CA do Hospital de S. Marcos, em Braga. O nosso jornal tentou obter mais informações junto de outras instituições hospitalares envolvidas no processo de concentração das salas de parto, mas não obteve resposta.
Entretanto, no passado dia 14 de Maio, o presidente da ARSN afirmou que ainda não há data prevista para o fecho do bloco de partos de Chaves. Este encerramento, que tinha ficado igualmente decidido pelo Ministério da Saúde, continua a aguardar melhores acessibilidades e serviços pré-hospitalares.

Grávidas satisfeitas

Um dos casos mais mediáticos durante todo o processo de encerramento das maternidades foi o de Elvas. Hoje, o responsável de comunicação do Hospital de Elvas, o enfermeiro Rui Cambóias, garante ao «TM» que se «chegou a um entendimento» e as mulheres recorrem sobretudo a Badajoz, sem problemas. Embora tenham também a possibilidade de ter os filhos em Évora ou Portalegre, escolhem estes locais em menor número. «Nós sabíamos à partida que a solução Badajoz não iria gerar descontentamento nas pessoas», afirma, porque o destino das parturientes passou a ser «uma unidade especializada e não um hospital geral». Nos seis meses que se seguiram à decisão governamental, cerca de 70% das grávidas optaram por Badajoz. O enfermeiro justifica com a «proximidade», pois a cidade espanhola dista menos de 10 quilómetros de Elvas, enquanto Portalegre e Évora ficam a 56 e 90 quilómetros, respectivamente. Por outro lado, no país vizinho «o tratamento é bom». Aliás, o exemplo parece estar a ser seguido também noutras especialidades, graças ao cartão europeu de saúde, afirma Rui Cambóias.
No Norte do País a satisfação das grávidas não é menor, de acordo com um inquérito realizado a 246 parturientes da Sub-Região de Saúde (SRS) de Braga, nos meses de Novembro e Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007. Cerca de 86% das entrevistadas consideraram o atendimento na altura do parto como «muito bom/bom» e apenas 2% o classificaram como «mau». A percentagem de mulheres que «escolheriam o mesmo hospital numa futura gravidez» foi de 86%.


«Solução de retrocesso»

Octávio Cunha não concorda com o programa funcional do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), que prevê o fim do bloco de partos do HGSA. Na sua opinião, o projecto é «um perfeito absurdo», na medida em que é uma «solução dispendiosa e que aumenta os riscos para as grávidas e recém-nascidos». Alegando que no HGSA «já não morre uma grávida há mais de 30 anos», o especialista defende que a transferência para a Maternidade de Júlio Diniz (MJD) «é uma solução de retrocesso em relação à Europa».
O pediatra lembra que nos últimos anos foram feitos melhoramentos na MJD no valor de meio milhão de euros, mas «agora vai ser tudo demolido, para construir outra vez qualquer coisa e levar para lá os partos do HGSA». Enquanto as obras não estiverem concluídas, os serviços de Ginecologia e Obstetrícia e os cuidados intensivos neonatais do HGSA e da MJD serão transferidos para o Hospital Militar do Porto. Esta mesma informação consta do boletim Século XXI, da responsabilidade do conselho de administração (CA) do HGSA. No editorial, Sollari Allegro, presidente do CA, lembra que durante esta transferência temporária «haverá as dificuldades inerentes à segurança que os profissionais terão que resolver e garantir».
Não conformado, Octávio Cunha propõe como «solução» a distribuição dos partos actualmente realizados na MJD «pelos quatro grandes hospitais multidisciplinares da área do Porto, ou seja, Gaia, Pedro Hispano, S. João e Santo António, que estão com défice de partos». O médico não compreende a decisão da administração, pois «a maternidade tem uma taxa de ocupação baixíssima neste momento, com cerca de 50%», além de que «já não se fazem maternidades em nenhuma parte do Mundo». Mas «parece que as decisões políticas ultrapassam sempre o bom senso e o conhecimento técnico», sintetizou.

TM 1.º CADERNO de 2007.05.21
0712451C06107ABV20A

sexta-feira, 18 de maio de 2007

SIGIC - Objectivo será alcançado «até ao final do ano»

Pedro Gomes, coordenador do SIGIC, está confiante
Objectivo será alcançado «até ao final do ano»
Pedro Gomes é, desde 2004, o coordenador do SIGIC. Ao «TM», o cirurgião explicou como funcionam os «bastidores» da gestão das listas de espera cirúrgicas e como a sua equipa pretende alcançar, em 2008, a meta de não ter doentes prioritários à espera mais de quatro meses.
Pedro Gomes, médico do IPO de Lisboa, coordena o Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC) quase desde a sua fase inicial. Foi o anterior ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, quem o convidou para ficar à frente do projecto, quando decidiu lançar as primeiras experiências-piloto, no Algarve e no Alentejo.
Hoje, o responsável dá continuidade ao SIGIC que, sublinha, tem neste aspecto a sua grande mais-valia em relação aos demais programas de combate às listas de espera. «A grande diferença foi perceber-se que os programas anteriores resolviam os problemas quando estavam em curso, mas assim que acabavam o problema ressurgia e, portanto, era preciso encontrar uma solução mais definitiva, que alterasse estruturalmente o sistema», explicou Pedro Gomes. E, para o responsável, a inversão da tendência de crescimento do tempo de espera e do número de inscritos na lista evidencia o sucesso do SIGIC.
Actualmente, o sistema tenta recolher informação com vista à criação de indicadores que permitam melhorar a actuação, das instituições e dos próprios decisores políticos. Mas o coordenador sublinha que não se trata de uma mudança de orientação do projecto. «O que estamos a fazer é dar continuidade ao investimento nas ferramentas informáticas que foram adquiridas em 2004 e 2005. Não há mudança de linha no projecto, o que há é uma postura, desta administração, de reforço e de empenhamento na importância desse projecto, no sentido de que tenha um impacte mais célere e mais eficaz», afirmou, a propósito do investimento de 2,5 milhões de euros que a tutela decidiu fazer no SIGIC.
O «aperfeiçoamento» da aplicação informática que gere as listas de espera só estará concluído em 2008. Nessa altura, o sistema será capaz de emitir, de forma automática, alertas quando ocorrer algum movimento anormal ou excesso de tempo de espera, num determinado hospital ou mesmo num serviço. O objectivo, sublinha Pedro Gomes, é não só corrigir uma falha técnica ou o que está mal nos serviços, mas também «premiar os que cumprem».

Oncologia e Cardiologia são prioridades

Entretanto, o coordenador acredita que até ao final do ano será possível atingir o objectivo traçado: não ter doentes prioritários em lista mais de quatro meses, doentes oncológicos à espera há mais de dois meses e, finalmente, doentes não prioritários a aguardar há mais de um ano. Segundo o responsável, «não há hospitais sem capacidade para tratar os casos muito prioritários», uma vez que correspondem a uma percentagem muito pequena de doentes, mas ainda há doentes, inscritos na lista de espera cirúrgica com a indicação de prioritário feita pelo médico, a que as instituições que os receberam não são capazes de dar resposta. Segundo os dados fornecidos por Pedro Gomes, os utentes prioritários representam 8% do total de doentes inscritos (são 17 523), mas, destes, mais de metade (9606) aguarda por uma cirurgia há mais de dois meses.
No entanto, a transferência do doente para uma instituição privada que o possa operar não é feita logo aos dois meses, até porque os privados que detêm convenções com o Estado neste âmbito estão no limiar da sua capacidade de resposta. Além disso, há áreas em que a resposta dos privados é diminuta, nomeadamente no tratamento de doentes agudos que necessitam de cuidados mais diferenciados, e, por isso, revelou o coordenador, recentemente a secretária de Estado Adjunta e da Saúde deu indicações para que a tabela de preços de algumas áreas «críticas» seja revista de modo a tornar os preços «mais atractivos».
Um dos campos em que isso acontece é o da Oncologia, pelo que o SIGIC tentará dar especial atenção a estes casos. «Inicialmente, o programa estava sobretudo vocacionado para doentes que se encontravam há muito tempo em espera», explicou. Este problema está quase «resolvido» e, em 2007, a preocupação é dar resposta aos portadores de doenças graves para os quais a cirurgia, o mais rapidamente possível, é crucial. O Programa de Orientação de Doentes do Foro Cardiotorácico é um «bom exemplo», uma vez que está a funcionar «exclusivamente na rede pública» e com «100% de eficácia», tendo conseguido que todas as situações deste tipo sejam «atempadamente» resolvidas.
Um programa similar está a ser aplicado à Oncologia, mas devido quer ao volume quer à diversidade de patologias, o problema ainda não está «controlado» e a resposta é ainda «insuficiente», reconhece Pedro Gomes. Actualmente, em média, um doente oncológico espera três meses para ser operado e algumas áreas, como a da Cirurgia da cabeça e do pescoço, estão particularmente congestionadas. Por isso, o especialista em Cirurgia oncológica está empenhado em que «nenhum doente com cancro espere mais do que dois meses por uma cirurgia e, tendencialmente, até espere menos», e acredita que isso será possível. «Numa doença que representa, em termos de esforço cirúrgico, apenas 8% do esforço global, não há razão nenhuma para que o SNS não dê uma resposta satisfatória ou até acima do satisfatório», sublinhou.

Maria F. Teixeira

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Os resultados em números

Desde 2005 até 31 de Março passado, o número de doentes à espera de uma cirurgia passou de 241 425 para 222 094, o que equivale a uma redução de 8%. Pedro Gomes diz que parece pouco, mas na verdade a redução é significativa, uma vez que na prática traduz a agilização da «máquina cirúrgica» do País que, frisa, «não é assim tão deficitária». O objectivo é ter 178 mil utentes em lista, para que se possam cumprir as metas traçadas, em termos de tempos de espera. Actualmente, a mediana do tempo de espera é 5,97 meses.

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Disparidade regional

Se a situação não é famosa em todo o País, quando olhamos para as várias regiões verificamos que algumas apresentam uma realidade particularmente desfavorável. No que respeita ao número de doentes em lista de espera cirúrgica há mais de seis meses, dos 110 mil inscritos mais de 42 700 encontram-se na região de Lisboa e Vale do Tejo e cerca de 33 500 no Centro do País; o Norte também apresenta uma lista relativamente extensa neste campo, que ascende aos 28 mil inscritos.
No que toca aos doentes prioritários em lista, a nota negativa vai para o Algarve, que engloba 68% de utentes à espera de cirurgia há mais de dois meses. Segue-se, na «lista negra», a região de Lisboa, com 64%, e o Alentejo, com 58% dos doentes prioritários com muito tempo de espera.
Quando consideramos apenas o número de inscritos para cirurgia, no seu todo, a situação é particularmente preocupante na região de Lisboa e Vale do Tejo (74 488) e no Norte (onde se encontram 70 538 dos 222 094 doentes em lista). Estes dados, relativos a finais de Março passado, revelam contudo que são também as regiões com listas mais extensas as que mais doentes têm operado. Este ano, a região Norte intervencionou 32 mil doentes, a região de Lisboa e Vale do Tejo 29 mil e o Centro 23 800. O responsável destaca, aliás, a evolução muito favorável da região nortenha, que «abraçou o SIGIC como uma oportunidade».
Para Pedro Gomes, estas assimetrias regionais tem a ver com a forma como tem ocorrido a organização dos recursos em Saúde e sobretudo com o planeamento. «A organização dos recursos em Saúde tem vindo a ser feita de uma forma pró-activa, mas que decorre da autonomia das próprias instituições. No início era um pouco o crescimento individual das organizações que ia fazendo a resposta à sua procura e o planeamento central era muito deficitário, só nos últimos anos tem havido a procura de uma planeamento central, que permita planear os recursos de acordo com a distribuição das necessidades», explicou.

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Vales-cirurgia

A emissão de vales-cirurgia para os doentes à espera há demasiado tempo foi uma «invenção» do anterior responsável da pasta da Saúde, mas a que esta equipa ministerial tem dado mais fôlego. Enquanto em 2004 foram emitidos 427 vales para que os utentes pudessem recorrer aos privados para resolver a sua situação, em 2005 foram atribuídos 11 587 vales e em 2006 chegou-se aos 64 mil. «Este número tem crescido muitíssimo», frisou Pedro Gomes. Ao todo, foram emitidos, até 31 de Março, 118 046 vales-cirurgia, 35 mil dos quais foram já accionados.
Ao abrigo deste programa, foram operados até agora mais de 24 mil doentes. Contudo, 37 mil vales não chegaram a ser usados. O coordenador não considera anormal este número, lembrando que tal corresponde a um conjunto de doentes que, por exemplo, encontraram solução para o seu problema recorrendo ao privado, foram operados de urgência ou, entretanto, não podem ser operados por terem desenvolvido outra patologia.
Se, no futuro, o combate às listas de espera vai continuar a centrar-se muito no sector privado convencionado, o coordenador não sabe, mas avisa que isso dependerá sobretudo da capacidade do sector público, que, apesar de receber mais ao abrigo deste programa do que os privados, realizou, em 2006, 655 cirurgias por transferência de doentes entre hospitais do SNS. «Há alguns hospitais públicos que se têm empenhado num crescendo de resposta a esta demanda», reconhece Pedro Gomes, que sublinha o aumento da capacidade de resposta do sector público.
No futuro, só a competição irá estabelecer o equilíbrio entre os sectores público e privado, mas as projecções do coordenador do SIGIC apontam para que já no final do primeiro semestre de 2008 seja possível que a maioria das cirurgias de resposta às listas de espera seja feita sobretudo no sector público. «Comportando-se como se comportam os sectores público e privado, a projecção na fase de equilíbrio — em que não haverá crescimento da lista de espera, não haverá doentes com mais de um ano em espera, doentes prioritários com mais de quatro meses de espera e doentes oncológicos à espera há mais de dois meses, uma meta que estabelecemos para o ano de 2008 —, é que com 10% a 12% de actividade cirúrgica em entidades convencionadas conseguiremos dar resposta», disse.

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Um olhar à distância

Já quanto ao empenho da anterior equipa ministerial nas listas de espera, o coordenador disse que «é sempre possível fazer mais em qualquer instante, dependendo dos recursos que são alocados», mas também lembrou que naquela altura foi preciso vencer os velhos hábitos hospitalares. «Para os hospitais havia, de um lado, a informação administrativa e, do outro, a informação clínica, que os médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem usavam para trabalhar. Este foi o primeiro hábito que tivemos que romper, fazendo-os perceber que estamos todos a falar do mesmo, mas este processo de aculturação leva tempo», contou.
Depois das experiências-piloto, o sistema foi estendido a todos os hospitais do País em 2005. Para tal, foi preciso formar e dar aos hospitais a ferramenta informática necessária para operar com o sistema. Por isso, 2006 foi ainda, nas palavras de Pedro Gomes, uma «fase de aprendizagem».

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O tempo clinicamente aceitável e o tempo máximo de espera

Há alguns meses, a secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Carmen Pignatelli, veio anunciar que iriam ser estabelecidos os tempos de espera clinicamente aceitáveis por patologia, um trabalho que estaria a ser feito com a colaboração da Ordem dos Médicos. Mas, pouco depois, o bastonário, Pedro Nunes, viria a contrariar a governante, dizendo que não é possível definir esses tempos, uma vez que só olhando caso a caso tal se pode aferir com precisão.
Talvez por isso Pedro Gomes prefira falar em «tempos máximos de espera», quando aplicados ao SIGIC, o que, garante, é um conceito diferente. «Quem define o tempo clinicamente aceitável para cada doente é o médico», afirmou. Por essa razão, o SIGIC apenas dá orientações que o clínico deve ter em conta na sua decisão, como seja a patologia ou o contexto social do doente. Mas «não é, na minha opinião, possível estabelecer critérios rígidos», reconhece o responsável.

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O efeito terapêutico da divulgação dos resultados

Em 2008, o coordenador do SIGIC espera que o sistema informático já permita recolher, de forma assídua, dados que posteriormente possibilitem a divulgação e publicação dos resultados das várias regiões e até dos diferentes hospitais. E, na sua opinião, tal terá um efeito muito positivo: «estou convicto de que, à medida que tornarmos os dados mais transparentes, as próprias instituições terão uma outra pressão para dar uma resposta em que se revejam e de que se sintam orgulhosas».
Actualmente, cada hospital tem acesso aos seus dados, em média de três em três meses. De futuro, a ideia é que essa informação possa ser reportada às instituições «semana a semana».

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Consultas externas em espera

As extensas listas de espera para consultas da especialidade são outra realidade. Pedro Gomes explicou que, para já, a gestão deste problema está a ser feita por uma equipa própria, ao nível do Ministério da Saúde e sob a coordenação de Carmen Pignatelli. Se, no futuro, a gestão destas duas listas de espera vai ser conjunta, o coordenador não sabe, sublinhando que isso é uma decisão política. Mas reconhece que seria útil que o SIGIC tivesse uma intervenção mais abrangente. «Há aqui uma correlação importante que queríamos estabelecer, uma vez que neste momento conhecemos os tempos de espera entre a proposta cirúrgica e o tratamento, mas gostaríamos de poder trabalhar os tempos de espera entre a requisição pelo médico de família e o tratamento, de modo a perceber quanto tempo o doente ficou à espera da consulta que lhe dá acesso à cirurgia», defendeu.

TM 1.º CADERNO de 2007.05.21
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sexta-feira, 11 de maio de 2007

Carlos Silva Santos é candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos



«A minha oposição é claramente o dr. Pedro Nunes»

Carlos Silva Santos personifica a segunda candidatura à presidência da Ordem dos Médicos. Afirmando-se como uma «alternativa», defende uma Ordem mais plural e garante que dará «sempre» espaço à oposição. Muito crítico do actual bastonário, o candidato assume que o seu principal objectivo é derrotar Pedro Nunes.
«Tempo Medicina» — O movimento que lançou, em Abril, o «Manifesto aos médicos» decidiu agora formalizar uma candidatura a bastonário, que será protagonizada pelo professor. Porque decidiram avançar?
Carlos Silva Santos — Esta candidatura surge da organização de um grupo de médicos, de certo modo em resultado do sentimento geral de que, quer a eventual candidatura de Pedro Nunes, de continuidade, quer a candidatura que já foi apresentada, do colega Miguel Leão, não servem os interesses do conjunto. E isto por duas razões: a primeira é que a candidatura do que está, Pedro Nunes, desencadeou uma série de anticorpos e de reacções, por se considerar uma prática relativamente limitada, estrita, muito responsiva a pequenas coisas e sem a participação dos médicos em geral. A candidatura de Miguel Leão segue dentro da mesma linha, não é muito diferente, e por isso considerámos até, na apresentação do «Manifesto», que era «farinha do mesmo saco», embora eles não tenham gostado muito. Além de ser do mesmo estilo, esta candidatura [de Miguel Leão] tem ainda a grande desvantagem de surgir do Norte, o que não quer dizer que haja diferença, mas a verdade é que, apesar do esforço que tem feito, ele não representa, para os médicos do Sul, uma proposta. Por isso apresentámos o «Manifesto», com a ideia de constituir uma alternativa.
«TM» — Quer ser uma candidatura de ruptura?
CSS — Sim. Até porque, desde que lançámos o «Manifesto», em inícios de Abril, temos sentido uma recepção excepcional à nossa proposta. Devo dizer que queríamos apenas uma candidatura para afirmação, mas depois do percurso feito por este documento, dos apoios e, inclusive, das reclamações de um largo conjunto de médicos que queriam participar e ser assinantes iniciais do «Manifesto», verificámos que estavam reunidas condições, excepcionais, para avançar.

Listas regionais: entendimentos na mira

«TM» — Na reunião da passada terça-feira, em que o grupo decidiu quem iria ser o candidato a bastonário, foram definidas algumas estratégias de acção?
CSS — Sim, decidimos desde já defender que a candidatura a bastonário seja autónoma e que a eleição deste não esteja obrigatoriamente indexada a candidaturas às secções regionais.
«TM» — Está a dizer que não haverá uma lista regional que declare apoio ao candidato a bastonário Carlos Silva Santos?
CSS — Pode haver listas que definam o apoio, mas nós vamos lutar para que não haja; vamos defender um processo eleitoral em que se entenda a eleição do bastonário como um cargo unipessoal, com autonomia de discussão e de acção.
«TM» — Então, o movimento não vai procurar apresentar candidaturas aos órgãos regionais da Ordem?
CSS — Não é isso. Nós decidimos aprofundar a preparação de candidaturas aos órgãos regionais — Norte, Centro e Sul —, de acordo com a especificidade própria de cada zona, e iniciámos já os contactos no sentido de que, no âmbito do «chapéu» do «Manifesto», apareçam candidaturas a estes órgãos. Não posso ainda revelar nomes, mas posso revelar a metodologia: vamos desenvolver todos os esforços para criar ou participar em candidaturas alternativas a quem está.
«TM» — Mas há pouco disse que não queria listas regionais afectas à sua candidatura a bastonário…
CSS — E é verdade. Se pretendemos ser alternativa, vamos defender um princípio de não fazer candidaturas que possam dividir a posição frente à candidatura que queremos derrotar. Não posso adiantar muito, mas, por exemplo, sabemos que há uma candidatura de oposição a quem está no Conselho Regional do Sul e poderemos unir-nos a ela.
«TM» — Mas a única candidatura de oposição a uma possível recandidatura de Isabel Caixeiro até agora conhecida é protagonizada por Álvaro Beleza e é afecta à candidatura de Miguel Leão.
CSS — Sei lá… quem lhes disse? Veremos. Essa matéria ainda não está assente. Fica apenas a ideia de que a nossa perspectiva é a de construir uma oposição a quem está, embora tendo em conta as especificidades. Veja-se, por exemplo, o caso do Centro, em que a lista que ganhou foi a da oposição. Portanto, está tudo em aberto.
«TM» — Poderemos ter listas regionais apoiadas por dois candidatos a bastonário?
CSS — Sim. Podemos ter listas que, no seu todo, não tomem uma posição a dizer que apoiam este ou aquele candidato a bastonário. No âmbito regional, a perspectiva é fazer tudo para ganhar ou estar com quem ganha.

Objectivo «claro»

«TM» — Acha que vai ganhar ou parte em desvantagem?
CSS — Para ser sincero, quando lançámos este movimento fizemo-lo baseando-nos num diagnóstico — o de que nas eleições anteriores perdemos por não nos afirmarmos, por nos diluirmos. A oposição a quem estava ficou distribuída e diluiu-se para ninguém se afirmar, quando, se tivéssemos feito uma oposição crítica, teríamos combatido a terceira candidatura e tínhamos ganho. Neste momento, estamos para ganhar, combatendo a oposição, sendo que a minha oposição é claramente o dr. Pedro Nunes e, no Sul, a dr.ª Isabel Caixeiro.
«TM» — Está a dizer que o seu adversário é Pedro Nunes e não Miguel Leão?
CSS — A primeira oposição é o dr. Pedro Nunes, isso é muito claro. Nós estamos para ganhar, e porque achamos que o dr. Miguel Leão não tem força suficiente para vencer o dr. Pedro Nunes.
Em suma, o que estou a dizer é que mudámos de objectivo estratégico e desta vez vamos afirmar-nos. Vamos não só querer participar na vitória, como ganhar e darmos nós a cara à vitória do conjunto. É para isso que estamos a trabalhar.

Maria F. Teixeira / Susana Ribeiro Rodrigues

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«Sou militante do PCP»

«TM» — Esta candidatura ou o movimento que a apoia assumirá uma posição político-ideológica definida?
CSS — No sentido clássico, não. A estratégia é a que está explícita no «Manifesto», de defesa do Serviço Nacional de Saúde. Naturalmente que não vai mostrar ou dizer aquilo que não é; é uma candidatura na perspectiva das pessoas que fazem parte dela e que são o que são. Eu manifesto o meu interesse: sou médico de Saúde Pública, a tempo inteiro e sempre em dedicação exclusiva, sou professor e sou militante do PCP. Isso é conhecido e não venham outros dizer que não são isto ou aquilo, porque também sempre votaram e têm posição. Num registo à americana, faço a manifestação dos meus interesses: não estou comprometido com nenhuma empresa, nunca recebi subsídios de empresas, da área da Saúde ou de outras, nem tenho nenhum compromisso económico com ninguém. Esperemos que todos possam dizer isto.

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Ministro tem «posição antimédica»

«TM» — Como vê a actuação do Ministério da Saúde (MS)?
CSS — Uma técnica que se usa em muito lado é distrairmo-nos com pequenos pormenores, mas nunca discutirmos o essencial. De pequeno pormenor em pequeno pormenor, os cuidados de saúde primários (CSP) estão quase liquidados, os hospitais vão perder capacidade. Vemos que, a breve prazo, aparece o facto consumado: haverá hospitais de alta competição privados e depois os hospitais de «posta restante» para os outros. Os investimentos são muito importantes na área da Saúde, têm de ser permanentes e planeados.
«TM» — Nos últimos tempos, temos assistido a muitas mudanças na área da Saúde, por exemplo, nos CSP e nas Urgências. O que teria feito de diferente se estivesse no lugar de Pedro Nunes?
CSS — A Ordem não deve, independentemente das perspectivas político-partidárias, alinhar [com o MS] por omissão ou, às vezes, por conveniência ou pequena contestação, deixando passar o resto. Assim, não haveria possibilidade de deixar passar em claro que o sistema de Saúde não está a melhorar, pelo contrário, está a piorar. Mesmo quando dizem que lhe fazem terapêutica. A Ordem, connosco, teria perguntado ao senhor ministro, ao actual e aos anteriores: se se tem feito terapêutica para melhorar o sistema, porque é que ele está pior?
A política do actual ministro é igual à do anterior. Já levamos quatro, cinco anos de terapêutica e o «doente» não está a melhorar, nem no que respeita à satisfação dos profissionais, nem no que toca à satisfação dos utentes.
«TM» — Quais são as razões do descontentamento dos profissionais?
CSS — A principal é a não valorização do seu contributo para a organização. Trata-se de uma posição antimédica que é clássica deste ministro.
«TM» — Espera captar os votos dos médicos que estão descontentes com a situação?
CSS — Não tenho dúvidas.

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Como nasceu a candidatura

«TM» -- Como se processou a escolha do seu nome, foi consensual ou havia outros nomes em cima da mesa?
CSS – Havia outros nomes que, tal como o meu, foram sondados informalmente ao longo deste tempo. Eu tive várias manifestações de apoio espontâneas, mesmo sem as pessoas saberem que seria eu a avançar. O meu nome foi sondado de Norte a Sul do País e tivemos, nas três regiões e também no grupo inicial, aprovação por unanimidade de que eu seria um bom candidato.
Foram equacionadas algumas questões, nomeadamente relacionadas com o facto de eu pertencer a uma carreira que, embora tenha muitos médicos, não é das mais dinâmicas – a Saúde Pública. Tradicionalmente, o bastonário tem sido sempre da carreira hospitalar, mas considerou-se que isso até poderia ser positivo, por ser diferente. Por outro lado, foi muito valorizada a minha função de professor universitário, e de ser doutorado na área da Saúde Pública, e portanto aqui estou. Naturalmente, não procurei este encargo, aceito-o por designação dos meus pares.
Em suma, a minha candidatura nasce de um processo de recolha e de sondagem de apoio, a vários níveis, e por isso considero que tenho condições para a apresentar e para defender uma alternativa.

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Pluralismo e consenso

«TM» -- No caso de ganhar a eleição, a sua visão unipessoal do cargo do bastonário não poderá trazer-lhe dificuldades, uma vez que terá de trabalhar, no Conselho Nacional Executivo (CNE), com elementos de listas regionais que provavelmente apoiaram outro candidato…
CSS – Não concordo, veja-se a equipa na zona Centro, que era da nossa sensibilidade, e tem sido das mais colaborantes. Além disso, isto prende-se com uma questão muito importante que a minha candidatura irá defender – nós somos críticos do sistema administrativo e organizativo da Ordem. E por isso iremos também apresentar um pedido de reflexão sobre o sistema de organização interna da Ordem. Já em Dezembro de 2004 escrevi um artigo sobre esse perigo ou possibilidade de existir alguma dificuldade no funcionamento do CNE. Sou a favor de um processo de representação mais alargado, de maneira a que todas as sensibilidades estejam presentes na Ordem, até porque este é um órgão paraestatal.
«TM» -- Mas como é que isso se pode fazer, em termos práticos?
CSS – É muito simples. Actualmente, a Ordem tem um processo representativo próximo do da linha sindical, segundo o qual quem ganha fica, quem perde não fica com nada. Mas poderíamos adoptar uma fórmula semelhante à que há, por exemplo, para a Federação dos Professores, em que os métodos representativos (de Hondt ou outros) são utilizados. Portanto, sou a favor de uma Ordem com mais pluralismo nos seus órgãos, de uma Ordem que tenha, lá dentro, as várias sensibilidades. Senão, acontece o que vimos nas últimas eleições – no conjunto, os dois candidatos derrotados, ou seja, a oposição teve mais votos que o Dr. Pedro Nunes, e nenhum está representado na Ordem.
Outra diferença é que se for eleito serei bastonário de todos os médicos e representarei a opinião das várias sensibilidades, e não a minha.
«TM» -- Esta é uma questão que divide o Dr. Pedro Nunes e o Dr. Miguel Leão. Qual é exactamente a sua posição em relação à possibilidade de um conselho regional assumir publicamente uma opinião diferente da do bastonário, sobre uma mesma questão?
CSS – Digamos que isso depende dos métodos. Nós vamos para a Ordem com a ideia de trabalhar muito com base na evidência, quer científica, quer técnica. Eu conheço as técnicas de consenso e tentarei aplicá-las, agora é evidente que se sobre uma determinada matéria não houver consenso, as diversas partes devem apresentar-se publicamente.
Mas isto apenas se a técnica de consenso falhou. Sou um defensor acérrimo das reuniões de consenso. Quando fui dirigente da Ordem participei numa das poucas reuniões de consenso conhecidas, na área da Imunohematologia. E este consenso não é só político, também é técnico, e a Ordem tem funções sobretudo de natureza técnica.
Mas o consenso não se faz pela ditadura, o consenso cria-se discutindo-se, esclarecendo e afirmando as diferenças, quando não é possível chegar a consenso. E, na Medicina, o que é consensual hoje pode não ser amanhã.
«TM» -- Mas a possibilidade de, não havendo consenso, dois dirigentes da Ordem veicularem na opinião pública posições contrárias sobre o mesmo assunto não poderá denegrir e fragilizar a imagem da Ordem?
CSS – A imagem da Ordem dos Médicos está fragilizada por ser uma posição única, de canal único. O actual bastonário tem uma posição e essa é a que vale. E mais: vai sempre a correr atrás das coisas, dá opinião sobre tudo. Nunca vi um bastonário saber de tudo, como este. Eu não tenho essa pretensão de saber responder a tudo, desde as urgências de Bragança a um problema técnico em Lisboa. Farei o meu trabalho em conjunto com os médicos e tendo em conta as técnicas e os saberes que a Ordem deveria acumular em si e desenvolver, o que esta direcção da Ordem não tem feito.

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Um bastonário menos «centralizador e absolutista»

«TM» -- Defende que o papel do bastonário não deve ser tão centralizador?
CSS – Nem tão centralizador nem tão absolutista. Sou a favor de um fermento, como que um estimulante para, não só produzir ideias e a reflexão de que a Ordem tanto precisa, uma vez que está pobre em reflexão escrita sobre as matérias, mas também para que seja uma Ordem participada. Se for ver que documentos é que saem, quase sempre só um é que escreve, só um é que faz, só um é que diz. Sou a favor que o bastonário, em representação da Ordem, assuma a liderança na apresentação dos documentos. Mas a produção e reflexão sobre eles só é possível com um trabalho descentralizado e participado.
E temos muitos órgãos que podem produzir tecnicamente material, por exemplo os conselhos consultivos e mesmo a direcção dos colégios de especialidade, que representam mais de 40 especialidades. São 400 a 500 médicos que estão na liderança e têm saber e património. É pena estar tão mal aproveitado.
Como bastonário terei a oportunidade de dar voz e espaço à reflexão. A Ordem tem hoje capacidade para utilizar o seu espaço técnico-financeiro. Estou a falar da capacidade para reunir, divulgar, estimular a acção, fundamentar e financiar os espaços de contributo, até a nível nacional e internacional. No entanto, fazem-se apenas umas «coisinhas» de vez em quando. Pode-se perguntar qual é a lista de realizações de uma associação de 30 mil licenciados, altamente diferenciados. Comigo não haverá certamente semana em que não haja actividade em curso sobre a reflexão e estudo de qual é a boa prática em cada momento, em cada área de especialidade, para cada tipo de serviço.

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Ministro da Saúde tem estratégia «implícita»

«TM» -- No vosso Manifesto centram-se muito na política de Saúde que está a ser seguida. Este será um «cavalo de batalha»?
CSS – É uma linha estratégica. Não há possibilidade de alguém alinhar e de avançarmos se não tivermos linhas estratégicas, um farol, uma orientação. De contrário, é uma resposta avulsa, que é o que se vê.
Temos uma linha estratégia e que convém defender porque temos muito claro que a prática da Medicina não é independente do sistema organizativo. Claro que os médicos são importantes, mas a prática tem também muito a ver com a organização que, por sua vez, está relacionada com a estruturação e os objectivos do Serviço [Nacional] de Saúde.
No que toca à política de organização do Serviço, consideramos que é importante defender e salvaguardar uma boa prática da Medicina, com boa organização de serviços. No mundo do jornalismo, por exemplo, pode estragar-se um jornal com os mesmos jornalistas, mantendo uma organização péssima, em que o director diz tudo, contrata uns jovens para fazer umas coisas, «pendurando» os jornalistas.
«TM» -- É isso que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
CSS – Sim, no SNS é quase isto. O ministro é meu colega na Escola Nacional de Saúde Pública e se fizesse o que ensina não fazia isto. Pergunto qual é o plano, a estratégia de saúde que ele tem. Ataca essencialmente problemas aparentemente de natureza económica, urgências, maternidades e, de vez em quando, medicamentos, matéria em que anda para a frente e, depois, recua. Esta é uma gestão pouco racional.
Aparentemente a estratégia seria a de reduzir os custos, só que não os tem reduzido. Diria que não tem uma estratégia explícita, mas tem uma implícita. Desde que começou tem degradado os serviços públicos e estimulado o aparecimento dos serviços privados. Além disso, às vezes, não se percebe o que vai fazer, qual é a política. E faz pela negativa: corta, tira.
«TM» -- Mas, o que é que um bastonário pode fazer contra as políticas postas em prática pelo Ministério da Saúde?
CSS – A Ordem gere um grupo profissional importantíssimo. A saúde é uma questão prioritária para as pessoas, pelo que estas precisam de estar confiantes no seu sistema de Saúde. Este sistema tem que estar bem fundamentado, e essa fundamentação não pode ser feita sem se estar ao lado dos médicos. A Ordem terá que lutar por um bom sistema, de forma a que exista o melhor exercício e a melhor qualidade da Medicina. Mas não se pode defender isto se não houver qualidade organizativa.

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Ministro atribui «papel minoritário» aos médicos

«TM» -- Há pouco disse que o ministro da Saúde tinha uma posição «anti-médica». Considera que esta é apenas «anti-médica» ou «anti-profissionais de saúde»?
CSS – Diria que a tendência é essa, mas se falássemos com os colegas enfermeiros talvez verificássemos que também é anti-profissionais de saúde. [O ministro da Saúde] tem tido uma política com um certo pólo negativo, de atribuir um papel minoritário aos médicos. Instituiu-se a ideia de que os médicos trabalham, o ministro pensa. Sabendo-se que este é um trabalho dos mais diferenciados, não é possível fazer Medicina desta forma. Hoje, é preciso uma equipa, e esta não funciona numa base em que alguém manda e os outros ouvem. E foi a isto que chegamos, sem que tal tenha sido denunciado, com a própria participação dos médicos.
Se há chatices com horários de trabalho, programas, urgências, medicamentos, é tudo um produto da sub-avaliação do real contributo dos profissionais médicos na organização do serviço e na prestação dos cuidados necessários.
Além disso, este ministro continua a desconhecer que para além dos doentes há os saudáveis. Eu pergunto que cuidados prestamos aos não doentes. Isto tem a ver com os cuidados de saúde primários, a Saúde Pública e a Saúde Ocupacional. Todos os portugueses são elementos participantes no processo de saúde, e eu vou ser defensor do princípio da capacitação das populações para gerir a sua própria saúde. Ao invés do sentido paternalista clássico, os médicos devem ser conselheiros preferenciais e devem trabalhar para a saúde seguindo as orientações e necessidades das populações.
Outro aspecto que é importante para um bastonário é trabalhar com base na evidência social e política. Sou um cientista social, para além de médico. Como bastonário terei em atenção a floresta, não apenas as árvores.

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«O bastonário está quase na linha do Ministério»

«TM» -- Há pouco disse que o actual bastonário reage a tudo…
CSS – O bastonário está, neste momento, quase na linha do próprio Ministério. Se alguém diz alguma coisa, ele responde.
«TM» -- Então, na sua opinião, qual deveria ser a linha de actuação de um bastonário?
CSS – O bastonário da Ordem deve ser um corredor de fundo. Não implica que não responda a problemas em concreto, mas tem que ter uma estratégia de fundo. Se souber para onde vai e por onde vai pode sempre enquadrar um incidente que aconteceu. Mas mantém uma linha de defesa global, até porque esta permite testar, em cada momento, quais são os desvios à estratégia geral da Saúde e à sua qualidade.
«TM» -- Pretende, em suma, uma Ordem crítica do poder político.
CSS – Pretendo mais uma Ordem de propositura do que de crítica. Temos capacidade para, em grupo, fazer propositura e planos, tal como já o tivemos no passado. Um dos exemplos é a grande descida da mortalidade, que foi baseada em planos, que até estavam centralizados pelos médicos e que foram desenvolvidos e levados à prática sistematicamente durante vários anos. Agora, abateram-nos e vamos esperar pelos resultados.
A nossa ideia é que é possível e necessário fazer planos. Às vezes é feito o comentário que a Ordem tem muitas ideias, mas os médicos não aparecem, nem participam.
«TM» -- Mas isso é um facto. As eleições da Ordem têm, tradicionalmente, uma fortíssima abstenção...
CSS – É verdade, e se convocar os médicos para uma reunião, a sala fica vazia. A Ordem hoje queixa-se da falta de participação dos médicos, mas comigo a questão da participação não vai ser centrada nos médicos que não vêm, e sim na reflexão de por que é que os médicos não vêm. No fundo, trata-se de saber o que falta à Ordem para não atrair os médicos.
Em relação às eleições, com a minha presença há um êxito espectacular assegurado. Primeiro, as duas candidaturas tremeram desde logo, uma vez que no próprio dia em que se apresentou o movimento, em Coimbra, ainda não estava decidido o meu nome, mas ambos me telefonaram.
Os resultados da votação vão ter mais dinâmica com, pelo menos, estas três candidaturas e sobretudo quando há propostas alternativas e rupturas. Os que decidirem votar em mim vêem-me como uma hipótese e vão votar porque é a minha candidatura. Mas se não houvesse a candidatura do Dr. Pedro Nunes, provavelmente o voto em mim também não aparecia. Se as pessoas não tiverem expectativa que se possa mudar alguma coisa, não votam.

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A carreira médica «ainda está viva»

«TM» -- As carreiras médicas, à semelhança do que se passa nas outras candidaturas, são também um ponto focado no vosso Manifesto...
CSS – É um assunto importante. Tenho uma tradição de associativismo e combate médico de longos anos. Sou dirigente associativo desde o primeiro ano da faculdade, pertenci e fui fundador de um sindicato, fui um dos primeiros presidentes do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, fui dirigente da Ordem com o Dr. Pedro Nunes, no Conselho Regional do Sul. Portanto tenho a perspectiva que o trabalho com os médicos e com a saúde é longo, multifacetado e que todos contribuem, mesmo os opositores. Aliás, sempre darei espaço à oposição para manifestar as suas opiniões. Não há razão nenhuma para que não esteja representada toda a panóplia de opiniões e posições. Mas o conjunto de metodologias, com base na evidência e participação, que defendo, vai permitir, com certeza, criar prestígio e credibilidade. Até porque a credibilidade não se compra, ganha-se com práticas sistemáticas e correctas.
É verdade que se ouve falar muito da Ordem como sendo corporativa, que defende muito os seus e que logo que sai alguma coisa contra um médico, dispara em defesa. Penso que se deve ser sensato e que a defesa corresponde a ter uma boa prática global e a sabermos apontar bem os casos de excepção de mau comportamento. Mas, nestes casos, é preciso, primeiro, definir o que é aceitável. Digamos que a pedagogia permanente e não paternalista, no sentido de uma ideia de responsabilidade assumida colectivamente, também vai ser uma linha na minha intervenção como bastonário.
«TM» -- A Ordem não deve, então, ter dificuldades em assumir publicamente que um determinado médico deve ser condenado?
CSS – Não, e deve divulgá-lo, se houver vantagem para a boa prática. Isto porque não é só pela positiva que se aprende. A nossa punição é moral ou técnica. Mas neste aspecto também temos órgãos que devem funcionar melhor e que devem aparecer publicamente a assumir [os factos].
De qualquer forma, penso que o principal é conseguir que de um problema saia uma discussão ampla e que não se retire só ensinamentos individuais ou um castigo. Muitas das dificuldades no comportamento médico resultam, por exemplo, da intensidade de trabalho e da desorganização da hierarquia. Por isso, é que as carreiras médicas são ainda hoje uma coisa que defendemos.
De certa forma até é um exemplo europeu e planetário. Se a carreira médica for viva e se conseguir manter dinâmica, mesmo que haja pequenos erros, vai conservar sempre uma ligação entre as pessoas, vai definir etapas para melhorar e progredir, vai manter um escrutínio permanente da boa prática.
«TM» -- Considera que ainda existem carreiras médicas? Há quem diga que já «morreram»...
CSS – Não «morreram». Há quem queira fazer uma gestão atribulada, caso a caso, e isso é uma gestão anti-carreira. Acho que a carreira vai funcionar sempre porque há uma diferenciação técnica na nossa especialidade e nunca se sabe tudo. Além disso, a experiência é muito importante.
É verdade que se perdeu um bocado a estratificação e há ausência da vivência total da carreira médica, mas ela ainda está viva. Comigo, as carreiras médicas vão renascer não só no papel, como dizem os outros candidatos, mas na acção. Isto através da nossa participação na formação, nos júris, na dinâmica dos próprios internatos, assim como na valorização dos colégios de especialidade, na apreciação do desempenho dos diversos hospitais, e ainda na denúncia de todas as medidas político-administrativas que ponham em causa o bom desempenho profissional.
Às vezes não é fácil, mas muitas das medidas políticas postas em prática não têm garantido a melhoria do desempenho na especialidade que foi objecto, e um dos exemplos são as medidas que afectaram as maternidades.

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Próximos passos

«TM» -- Já existe data para a apresentação formal da candidatura?
CSS – Apresentámos o manifesto e fizemo-lo correr. E agora, com a divulgação da candidatura, vamos fazer o mesmo.
«TM» -- Mas ainda não têm recolhido o número necessário de assinaturas para apresentar a candidatura, ou já?
CSS – Ainda não.
«TM» -- E isso não o preocupa?
CSS – Não. Decidimos fazer uma recolha de apoios à candidatura, portanto, vamos dar um tempo para recolha de assinaturas. Depois, a segunda medida é a constituição da rede de mandatários, pelo que a próxima etapa é a divulgação de quem será o meu mandatário [nacional].
Temos um método que tem dado bom resultado e que consiste em fazer uma primeira propositura, deixando que ela faça o seu próprio percurso de divulgação. Foi o que aconteceu com a apresentação do movimento, feita em Coimbra e divulgada através dos jornais. Agora, decidimos apresentar o meu nome e aquelas duas medidas. Assim, pode verificar-se o acolhimento da minha candidatura através do nível de apoios.
Além disso, em relação à escolha dos mandatários, já verificamos que pode haver alguma concorrência entre nomes. Como da primeira vez em que concorremos houve pessoas que disseram que gostariam de ter feito parte da lista, temos agora de chegar a um consenso sobre a matéria. Não vou fazer como em outras candidaturas e ser unicamente eu a escolher. Temos os nomes e agora vamos sondar e ver qual é o apoio. Vamos apontar mandatários a nível nacional, por cada secção e para cada estabelecimento de saúde.
«TM» -- Não terá mandatários por especialidades como fez, por exemplo, o Dr. Miguel Leão?
CSS – Não sei. A ideia ainda não está clara no que toca a este aspecto. Nós usamos mais o critério geográfico, por estabelecimento de saúde, porque os médicos organizam-se mais desta forma do que através da organização vertical. Não quer dizer que a organização vertical não vá aparecer, através de apoiantes de várias especialidades.
Além disso, uma outra medida com que vamos avançar é a recolha de apoios administrativos e financeiros junto dos médicos, para além do financiamento que é feito pela Ordem. O objectivo é recolhermos fundos para algum material, administrativos e, eventualmente, para criarmos um espaço na Internet.
Vamos também elaborar um plano de comunicação e de contactos, para divulgar esta candidatura alternativa.
«TM» -- O programa do mandato será apresentado quando?
CSS – Só muito depois desta fase. Até porque, provavelmente, os meus mandatários vão dar uma opinião acerca do assunto. Mas este não andará longe da linha do Manifesto. Naturalmente que há umas áreas que estão ainda em aberto, como a estrutura organizativa da Ordem, (sobre a qual já dei umas ideias), as áreas de formação e investigação científica. Mas teremos oportunidade de discutir estas matérias e chegar a um consenso.

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Apoios institucionais

«TM» -- Esta candidatura vai procurar apoios institucionais de sociedades científicas, associações, sindicatos ou outros?
CSS – Não vamos procurar apoios, mas vamos apresentar-nos a essas instituições. Não negamos qualquer apoio, contudo achamos que todas as sociedades ou associações médicas são, por natureza, pluralistas. O apoio à minha candidatura por parte de um dirigente de uma associação é bem-vindo, no entanto não vamos fazer força para que este «atrele» a sua associação a esse apoio. Isso não seria uma boa prática. Além disso, procurar apoio institucional seria até contrário à nossa perspectiva de pluralismo da Ordem.
O que vamos procurar é o apoio dos médicos, até porque as instituições não votam. Mas sabemos que há votos que têm muito valor, porque há certas figuras que funcionam como orientadores.

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«Estou mais bem colocado na zona Sul»

«TM» -- Como disse, espera captar os votos dos médicos que estão descontentes. Esse é mesmo o seu “público-alvo”?
CSS – Sim, até porque a manifestação que os médicos tiveram foi de descontentamento. E este está presente até em muitos dos médicos que elegeram o Dr. Pedro Nunes. Estou mais bem colocado na zona Sul que outra candidatura porque penso que conheço melhor a realidade.
«TM» -- Mas a candidatura a bastonário é nacional. Como acha que a sua candidatura vai ser recebida nas outras regiões?
CSS – Na zona Centro bastante bem, mas na zona Norte tenho mais dificuldades de contacto. Sou médico na zona Sul há 33 anos e é evidente que é aqui que conheço mais gente. Da mesma forma, o candidato do Norte conhece melhor essa região. Mas todos fazemos parte do mesmo barco e todos somos importantes. É por isso que digo que não sou a favor de exclusão, e sim da diversidade.

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Eleições disputadas

«TM» -- Vamos ter, na sua opinião, umas eleições muito disputadas?
CSS – Penso que sim. Os dois candidatos que se perfilavam até aqui eram, como nós definimos, «farinha do mesmo saco» e iríamos ter, quando muito, uma guerra Norte-Sul. É uma guerra poderosa, eu sei, mas a ideia da terceira candidatura, da alternativa, que nós defendemos, é a de que nem um nem outro serve. E espero que seja eu o bastonário, e que as listas regionais sejam as melhores. E estas podem ter pessoas diversas, não estamos a constituir listas de partido, de cor única.

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Segunda volta em aberto

«TM» -- Depreende-se das suas palavras que, se a segunda volta for disputada entre o Dr. Pedro Nunes e o Dr. Miguel Leão irá apoiar este último; e que se a segunda volta for disputada entre o professor e o Dr. Pedro Nunes, o Dr. Miguel Leão apoiá-lo-á…
CSS – Apoio quem estiver para derrotar o Dr. Pedro Nunes. Quanto ao Dr. Miguel Leão, não posso falar por ele, mas julgo que nós não estamos longe e se ele tiver o mesmo pensamento que eu, que é mudar a Ordem, o que me parece que tem, então isso só é possível derrotando o bastonário que está. Mas penso que, neste momento, estou com boas possibilidades.

TM 1.º CADERNO de 2007.05.14
0712441C06107MF19F

sábado, 5 de maio de 2007

Michael Porter e Correia de Campos

Artigo do Prof. José Manuel Silva*
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Michael Porter e Correia de Campos
Não, não se preocupem que não confundo as duas personalidades!
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Michael Porter é um reconhecido e laureado economista, especialista em estratégia competitiva e profundo conhecedor da Saúde; em co-autoria com Elisabeth Teisberg escreveu um livro notável — Redefining Health Care. Creating Value-Based Competition on Results. Um pequeno resumo das ideias veiculadas nessa magnífica obra, cuja leitura recomendo vivamente, em particular aos responsáveis nacionais e locais da Saúde, foi agora publicado (JAMA, 2007; 297: 1103-1111).
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Vale a pena salientar algumas frases:
- Embora as propostas de reforma da Saúde difiram, têm isto em comum: todas examinam o sistema actual e perguntam que modificações, impostas de fora, podem efectivamente controlar os custos, que são elevados e aumentam continuamente. Esta abordagem do problema falhará, porque começa com uma falsa premissa. O objectivo do sistema de Saúde não é minimizar os custos mas fornecer valor aos doentes, ou seja, mais saúde por cada dólar gasto.
- É necessária uma maior liderança dos médicos, agora. A única solução real para o problema nacional da Saúde é aumentar dramaticamente o valor dos cuidados de saúde prestados com o dinheiro que está a ser gasto. Isso nunca será conseguido do exterior, remendando esquemas de pagamento e incentivos. Aumentar o valor dos cuidados é algo que apenas pode ser conseguido pelos médicos.
- A competição na Saúde é disfuncional quando cada interveniente no sistema ganha não porque aumenta o valor para os doentes mas porque rouba valor de outros (diminuir tempos de consulta, esmagar salários, restringir serviços, transferir custos, etc.). Nenhuma destas medidas melhora os resultados da Saúde por cada dólar gasto - de facto, muitas vezes tem o efeito inverso.
- A competição pelos resultados (melhor saúde por dólar gasto) produziria múltiplos vencedores: os doentes, que receberiam melhores cuidados, os médicos, que seriam recompensados pela excelência, e os custos, que seriam contidos.
- Um sistema baseado em valor fundar-se-ia em três princípios simples:
1) o objectivo é o valor para os doentes;
2) os cuidados de saúde devem ser organizados em redor de condições médicas e dos seus ciclos de cuidados, não em serviços de especialidades que obrigam o doente a percorrer múltiplos departamentos;
3) os resultados são medidos e divulgados (na cirurgia de by-pass coronário, a mortalidade em New York diminuiu 41% nos primeiros quatro anos de comunicação de resultados).
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Tudo ao contrário.
Basta olhar para a política de Correia de Campos para percebermos que tudo está a ser feito ao contrário.
Os objectivos são exactamente os de esmagar salários, restringir serviços, transferir custos para os doentes, asfixiar instituições, substituir recursos públicos por privados…
Nada que um qualquer coveiro de um qualquer cemitério deste país não conseguisse fazer. É o caminho mais fácil e o que exige menos conhecimento, experiência e inteligência.
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Nestes dois anos de mandato do actual ministro da Saúde, apenas duas medidas são, de facto, de elogiar: a diminuição do preço dos medicamentos e o tímido início da criação de economia de escala com centrais de compras.
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Há muitos anos que defendo uma moderna e funcional central de compras do Ministério da Saúde para consumíveis, incluindo medicamentos; a poupança seria de milhares de milhões de euros! Mas talvez afectasse alguns interesses…
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Todas as restantes medidas visam o racionamento cego, as pseudo-grandes reformas estão encalhadas, as nomeações continuam a ser maioritariamente de carácter nepótico e os «pequenos poderes» exercem-se de forma discricionária, liquidando totalmente a microeconomia do SNS (será esse o objectivo oculto?...).
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A reforma dos cuidados de saúde familiares, a mais importante e determinante reforma da Saúde (cujo êxito se deseja e se exige!), caminha a passo de lesma e prenhe de problemas e indefinições. O que tem reflexos graves para todo o sistema de Saúde, nomeadamente para as Urgências hospitalares.
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Começando com uma excelente ideia, a filosofia das USF, colocou-se o carro à frente dos bois. Pela admirável generosidade e idealismo de muitos, interesses particulares de alguns e pressões sobre outros, constituiu-se pouco mais de meia centena de USF, claramente aquém das expectativas e das necessidades, e sem o devido enquadramento jurídico.
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Entretanto, induziram-se mais elevados níveis de organização e responsabilidade, o aumento das listas de utentes e maiores cargas de trabalho, mantendo o mesmo acanhado vencimento base dos médicos e com alguns colegas, inclusivamente, a perder dinheiro (o sonho de qualquer ministro! Por isso, o ministro quer mais USF modelo A, sem definir as respectivas regras e compensações…)!
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Reforma subvertida
A reforma das Urgências está a ser totalmente subvertida pelas sucessivas decisões ministeriais.
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Até se inventa a sandice da «valência peculiar» da «Ortopedia a quente» para justificar o não cumprimento do relatório da CTRAPU no que respeito ao Curry Cabral (como é que alguém pode produzir estas atoardas e continuar ministro da Saúde?!).
Confirma-se aquilo de que já se suspeitava, o ministro apenas queria um relatório descartável, que pudesse usar a seu bel-prazer e lhe permitisse fechar SAP indiscriminadamente.
Assim, poupa nos anéis e corta os dedos!
Nada faz para cumprir o relatório da comissão pela positiva, mas vai fechando toda a assistência médica de proximidade em situações de urgência, ainda antes da implementação das imprescindíveis alternativas.
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O que se passa no distrito de Bragança é vergonhoso e perigoso, mas traduz fielmente os objectivos do actual Governo: encerrar progressivamente o Interior do País.
A rede de Urgências ainda não está implementada, a rede e o equipamento de emergência pré-hospitalar são uma miragem, a VMER de Bragança está frequentemente INOP, não há um regulamento das consultas abertas, mas os SAP já vão ser encerrados. Porém, como o ministro até reconhece a necessidade de «qualquer coisa», porque as populações ficam demasiado desprotegidas, transforma os SAP em SEP, ou seja, serviços de enfermagem permanente (ao aceitar esta caricata situação, a Ordem dos Enfermeiros evidencia a sua visão distorcida da equipa de saúde e que a sua prioridade não é a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos)!
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O mesmo ministro que teve o despudor de dizer que um médico com estetoscópio num SAP não oferecia confiança (não obstante a presença de enfermeiro e auxiliar e os recursos técnicos e físicos existentes), agora já acha que um enfermeiro oferece confiança e segurança às populações?!
Não representa esta medida uma profunda hipocrisia?
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O senhor ministro, quando está gravemente doente, recorre a um enfermeiro e depois pede-lhe para chamar um médico que pode estar até meia hora de distância?
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O ministro da Saúde está a insultar a inteligência e a brincar com a vida dos portugueses!
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E pretender que uma linha telefónica ineficiente (24 Horas, 30/04/07), milionária, espartilhada e burocratizada, independentemente das informações úteis que dispense, pode substituir o atendimento médico urgente presencial é raiar a insanidade e o cinismo!
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Até quando?
Vai morrer gente no distrito de Bragança em situações de urgência/emergência por falta de assistência médica, é inexorável. Mas claro, lá iremos ter o INEM a lavar as mãos e o senhor ministro a orgulhar-se de não abrir inquéritos. Mas deve estar todo contente porque vai poupar mais uns euros em horas extraordinárias…Até quando?...
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Alguns médicos, mesmo não sendo sequer obrigados a concordar com o regime de chamada, vão aceitá-lo, inclusive permanecendo em presença física durante a noite. Por consideração para com os doentes. Mas o ministro não merece essa consideração.
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Parece-me chegada a altura de os sindicatos dos médicos pegarem frontalmente na questão dos vencimentos base dos médicos, que são inaceitavelmente baixos, como até este ministro já reconheceu. Vamos dignificar o preço/hora dos médicos, lutando pela sua duplicação (no mínimo!), e aceitar a diminuição do valor das horas extraordinárias para metade.
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Os benefícios para os médicos e para as suas reformas são evidentes.Quanto ao senhor ministro, finalmente deixará de andar obcecado com as horas extraordinárias dos médicos, deixará de agitar publicamente recibos de horas extraordinárias, deixará de condicionar a política de Saúde e a assistência aos doentes em função das mesmas, e deixará de as poder usar como arma de arremesso quando lhe convém (basta recordar o elucidativo e cirúrgico título de primeira página do JN de 23/04/07, com óbvia origem ministerial: «Médicos travam mudança dos centros de saúde para manter horas extras»…).
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Fica este forte e sério desafio aos sindicatos; curiosamente, era um favor que faziam aos médicos, aos doentes e às obsessões do senhor ministro da Saúde…
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* Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos
TM 1.º CADERNO de 2007.05.070712431C26107JMA18B