domingo, 24 de junho de 2007

"Assunto carreiras médicas" juntou Ordem e FNAM

SIM diz que «é tarde de mais»
No passado dia 19, a Ordem dos Médicos convidou as duas estruturas sindicais para discutir carreiras médicas. A FNAM compareceu, ao contrário do SIM, considerando este sindicato que no momento actual a reunião não se justifica, até porque «não participa nas eleições da Ordem dos Médicos».
Ainda não foi desta que a Ordem dos Médicos (OM) conseguiu reunir à mesma mesa a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), para com estas estruturas discutir as carreiras médicas. Depois das tentativas falhadas no Fórum Médico Nacional, em que o SIM não participou, a reunião que se realizou na sede da OM, em Lisboa, redundou em igual «fracasso», voltando a ser notada a ausência deste sindicato.
O bastonário, Pedro Nunes, estava muito confiante nos resultados do encontro, como afirmou na entrevista que concedeu ao «TM» recentemente. «Neste momento existem todas as condições para se começar a trabalhar e estou muito esperançado na reunião [do dia 19]. Penso que a OM e os sindicatos encontrarão tranquilamente o seu espaço de intervenção e começar-se-á definitivamente a pôr em marcha um projecto de carreiras centrado na Ordem, que os sindicatos poderão, se assim o entenderem, utilizar para defesa dos médicos», disse então (ver nossa edição de 18 de Junho). E, mesmo depois da reunião, o dirigente da Ordem voltou a confirmar ao «TM» esse estado de espírito. «Estava convicto de que os dois sindicatos iriam participar, o SIM escusou-se à última hora, dadas as suas dificuldades de relacionamento com a FNAM, mas a Ordem cumpriu o seu papel», afirmou. O bastonário fez também questão de lembrar que esta é uma matéria «muito importante para os médicos, na qual a Ordem entende que os sindicatos devem participar».
Carlos Arroz, secretário-geral do SIM, explicou ao «TM» as razões da não comparência, que são várias. «O SIM anda há dois ou três anos, desde o tempo de Luís Filipe Pereira, atrás da Ordem e da FNAM para tentar falar sobre carreiras médicas. Neste momento, julgamos que é tarde de mais», afirmou.
O sindicalista não nega a importância do tema, mas considera que o timing não é oportuno. «Achamos que é preciso disciplinar as carreiras, até pela diversidade de instituições laborais, com características diferentes, que hoje existem. Esta é uma discussão importante, mas o Governo acabou de aprovar, em reunião do Conselho de Ministros, um documento genérico sobre as carreiras da função pública, o que quer dizer que muito provavelmente até ao final do ano irá abrir negociações sobre as carreiras específicas, nomeadamente as médicas», explicou. De facto, a «proposta de lei que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas», aprovada pelo Conselho de Ministros a 14 de Junho, estabelece 1 de Janeiro de 2008 como a data limite para que as carreiras específicas sejam revistas.
Para Carlos Arroz, estamos por isso «numa fase completamente diferente», na qual estrategicamente não parece «oportuno» os «parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos para que haja uma mudança nesta matéria». Até porque, adverte o dirigente do SIM, «normalmente as mudanças são para pior» e «os médicos têm carreiras». «Até os privados já aceitaram absorver aquilo que vigora em termos de carreiras médicas, nomeadamente nos acordos de empresa, e por isso devemos aguardar serenamente pela iniciativa governamental, uma vez que é ao Governo que compete legislar», frisou.

Falta de confiança na FNAM

Mas o sindicato alegou ainda outras duas razões de peso para não comparecer à reunião de dia 19. «O SIM não participa nas eleições da Ordem dos Médicos e não quer favorecer nenhum dos candidatos. E não nos parece pertinente, depois de todo este tempo, participar numa reunião sobre carreiras médicas, a cinco meses das eleições. Temos muito orgulho que Pedro Nunes seja fundador do SIM, mas não é seguramente com o nosso contributo que qualquer candidato será eleito», argumentou. Carlos Arroz acrescentou ainda que a decisão de não aceitar o convite da Ordem para participar na reunião foi tomada «por unanimidade», numa reunião em que participaram os membros do secretariado nacional e o presidente do SIM, António Bento (apoiante de Pedro Nunes).
Por fim, o sindicato alega falta de confiança «na lealdade da troca informativa exigível em processos desta natureza» por parte da FNAM. «Desde as questões dos internos que qualquer negociação que envolva a FNAM e o seu presidente é para nós vista com muita prudência», rematou.
A FNAM esteve na reunião representada pelo seu presidente, Mário Jorge Neves, por Merlinde Madureira, vice-presidente, e João Rodrigues, elemento da comissão executiva. Contactado pelo «TM», Mário Jorge Neves remeteu para o bastonário quaisquer declarações sobre o encontro, limitando-se a dizer que este «correu bem».

Maria F. Teixeira

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Próximos passos

Pedro Nunes contou que a reunião realizada com a FNAM serviu para elencar um conjunto de pontos em que as duas partes estão de acordo, em matéria de carreiras médicas. Este trabalho deverá ter continuidade numa próxima reunião, já agendada para Julho. Depois, deverá realizar-se um simpósio sobre o tema, em princípio em Setembro, à semelhança do que a Ordem promoveu sobre o início da vida. «Acordámos em realizar um evento para ouvir vários especialistas na matéria e fazer uma reflexão sobre este assunto tão importante para os médicos», acrescentou o bastonário.

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FNAM pronuncia-se sobre carreiras da função pública

A FNAM considera que deveria ter sido ouvida no processo negocial da «reforma dos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública», até porque este «irá condicionar, de forma decisiva, a posterior negociação dos diplomas específicos», como sejam o referente às carreiras médicas, cuja revisão já foi «prometida» pelo ministro da Saúde. Por isso, publicou no seu site excertos do documento, destacando alguns aspectos particularmente importantes para os médicos. Para a FNAM, este projecto é um «enorme retrocesso» no que diz respeito aos direitos laborais dos funcionários públicos e «constitui um instrumento de precarização generalizada». Os únicos beneficiados por este diploma, segundo a federação sindical, são os dirigentes da função pública, a quem é concedida uma «ampla protecção legal» e um «substancial alargamento dos poderes e atribuições, ainda que sem qualquer enquadramento ao nível da correspondente responsabilização».
Por tudo isto, a FNAM compromete-se a apresentar «uma proposta estruturada de revisão das carreiras médicas que promova a dignificação do trabalho médico e assegure, em igual grau de exigência, a responsabilização de todos os médicos e dos cargos de chefia».

TM 1.º CADERNO de 2007.06.25
0712501C04107MF25B

domingo, 10 de junho de 2007

Comentário de É-Pá a post no Saude SA

comentário de É-Pá in "as ameaças ao SMS"

Lá vou tentar descer do Rocinante e aproximar-me da Dulcinea – (o SNS) …

Comecemos, pelo contexto ideológico, básico, mas nesta situação é inevitável ser redundante para não ser omisso, nem equívoco.

Penso que a Esquerda bate-se ferozmente pela intransigente defesa do Estado Social, mas não sabe como defendê-lo.
O papel social do Estado, não apenas na Saúde, encontra-se consagrado na Constituição da República (art. 63º e seguintes).
Todos conhecemos (ou devemos conhecer) os termos genéricos dos direitos sociais aí definidos que incluíam a educação, a assistência médica e medicamentosa, o subsídio de desemprego, o salário mínimo, os abonos de família, etc.O que temos de debater, sem quaisquer complexos de vivermos em contextos ideológicos que nos separam politicamente, são os pressupostos que informam a legislação portuguesa na área da Saúde, desde 1979, ano da criação do SNS. Aí, define-se que o Estado deve assegurar o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos.A partir desta preposição, ou independentemente destes pressupostos, acreditamos ou não no Estado Social.

Pessoalmente, quer por formação política ou por deformação profissional, acredito na necessidade da existência de um Estado que defenda, promova e assegure os direitos sociais de todos os cidadãos. Esta não é uma posição estritamente marxista acerca do papel do Estado, sendo compartilhada por amplos sectores ideológicos e, até, pela da Igreja, explicitada na encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII, que nos finais do século XIX, sistematizou a chamada “doutrina social da Igreja”.
Na verdade, quem no século XX, conseguiu levantar do chão este Estado Social, não foram nem os regimes comunistas do Leste da Europa, nem os sistemas democratas-cristãos do Ocidente. Foram, uma espécie de “bissectriz” deste amplo espectro político, i.e., as sociais-democracias do Norte da Europa.
Cedo se verificou que este Estado Social era um sorvedouro dos dinheiros públicos e seria necessário encontrar fontes de financiamento que o garantissem. Mas, apesar deste enorme condicionalismo, poucos ou raros quadrantes políticos o punham em causa.
Continuou a alimentar-se do OGE e a consumir uma progressiva percentagem do PIB.

Na verdade, a Lei de Bases da Saúde portuguesa (1990) será o primeiro documento político do regime democrático, que equaciona – sem o resolver - o problema da sustentabilidade do SNS.
É nesta década de 90 que, decorrente do fim da bipolarização do Mundo, com o desmoronar dos regimes de Leste, surge no ambiente político forças neo-liberais que, desabridamente, questionam o papel social do Estado. Em toda a “velha” Europa levanta-se o espantalho da destruição do Estado Social.

A sua defesa torna-se uma bandeira da Esquerda unindo comunistas, socialistas, sociais-democratas, radicais e, naturalmente, o movimento sindical. A Direita levanta o espantalho dos custos económicos das políticas sociais e temendo as consequências de propor a extinção dos direitos sociais, que informam o património político e cultural europeu, envereda por defender sistemas mistos, quer na Saúde, quer na Educação, quer na Segurança Social.
Ou seja, insidiosos percursos de transição no sentido da privatização (leoninas parcerias são o melhor instrumento), que resultam na apropriação pelo capital do pilar social.

E assim, sucumbem os meios públicos para assegurar as políticas sociais.

O desenvolvimento do SNS no sentido que garantir equidade, acessibilidade e qualidade aos cidadãos-utentes, trouxe um permanente deslizamento orçamental e constantes dores de cabeça aos sucessivos governos, sendo o objecto de constantes “chicanas políticas” entre o Poder e as Oposições e vice-versa. Deste modo, o Estado Social começou a ser atormentado por terríveis espectros de sobrevivência.

Os partidos políticos (quaisquer que sejam), quando na oposição, defendem-no acerrimamente e uma vez no poder não sabem como pagá-lo. Não há a coragem política de o afrontar directamente. Todos sabem (Esquerda, Centro e Direita) que os custos políticos, resultantes da sua extinção ou amputação, são incomportáveis. Tentam “passar a bola” de uns para os outros a ver quem “escorrega”.

O Estado Social, e por consequência a subsistência do SNS, que é uma emanação directa da tributação sobre os rendimentos dos portugueses conhece, então, diversas perversões. A primeira, terá sido a infeliz subtileza e a pérfida indefinição do “tendencialmente gratuito”. Depois, aparecem as “taxas moderadoras” e todos os artifícios – só iludíveis por um discurso bacoco que apela ao não discernimento - para encobrir uma programada caminhada para esquemas de co-pagamento e de auto-financiamento. Nada, nenhum destes malabarismos, consegue tapar o deficit crónico que se acumula de ano para ano.

Porque, a Saúde, enquanto bem social é isso mesmo.
Porque, os gastos na Saúde em Portugal são sempre referenciados a um PIB pobre - não tenhamos vergonha de o admitir - e tal situação, coloca-nos, artificialmente, na média europeia. Mas quando consideramos os gastos “per capita” com a saúde, Portugal “produz” - fundamentalmente através do SNS - uma importante prestação social barata e qualificada. E uma prestação global à frente de Países ditos “ricos” ou economicamente desenvolvidos.

Esta é a falácia constantemente omitida pelos coveiros dos direitos sociais.

Claro que é sempre possível obter ganhos em eficiência, nomeadamente, através da introdução de novos métodos de gestão, da qualificação e motivação dos profissionais, da melhoria dos sistemas de informação, da acuidade e fiabilidade das análises financeiras e contabilísticas, da racionalização (não racionamento!) do consumo de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico, da aposta em medidas de prevenção e, finalmente, da promoção da educação sanitária da população. Isto é verdade para qualquer sistema, em qualquer parte do Mundo.
E, é, também, isso que o SNS tem de fazer.

O SNS está, no caso do nosso País, condicionado por questões orçamentais subsidiárias do PEC. È justo que assim seja num quadro de solidariedade nacional.
É normal que se procurem novas soluções.
As PPP’s, por exemplo.
Estas, aparentemente, capazes de aliviar o peso orçamental da Saúde, não abrem caminhos para grandes voos. Elas, politicamente, introduzem o mercado na área social o que, na ausência de um poder fiscalizador eficaz, ágil e pronto, podem introduzir novas perversões. Uma delas será, ao contrário do que se deseja, o disparar dos custos.

Todos conhecemos a (in)capacidade fiscalizadora do aparelho de Estado. Outra, mais perversa, será – no momento político azado - apropriar-se do “P” de público e alijar pela borda o “P” de parceria.

As dificuldades orçamentais do Estado não são independentes, nem estranhas, aos portugueses. Isto é, quando o Estado está com dificuldades orçamentais, a maioria dos portugueses tem problemas. Quando não crescemos economicamente ou quando o Estado não consegue controlar a despesa, é sobre a sociedade que isso se reflecte. Isto é, para a grande maioria dos portugueses os direitos sociais são, nessas alturas, determinantes e essenciais.
Por isso, nas situações de crise, julgo que a dotação orçamental da Saúde não pode sofrer cortes.

O Estado tem o dever de salvaguardar a capacidade de manter as prestações sociais. De ser o “guarda-chuva” do implacável rebate social, advindo das más condições económicas ou financeiras. Nesta situação, contenções orçamentais no sector social, ditadas por condições financeiras adversas, podem ser sinónimo de rupturas sociais.

Entre 2004 e 2007, as despesas totais do Estado aumentaram 9,6%, enquanto que as despesas com a Educação e Saúde dos portugueses cresceram apenas 2,2%. O SNS, apesar de todos os esforços de racionalização das despesas e das reformas para o aumento da eficiência é, apesar disso, uma das vítimas desta contenção “cega”.
Mesmo assim, “aguentou-se”, tornando-se, é notório, mais frágil.

Não pode é ser permanentemente exaurido. Porque a sobrevivência do SNS, joga-se, exactamente, aqui.
Uma persistente “sub-orçamentação” do SNS, abre espaços que serão (estão a ser), num lógica neoliberal, rapidamente preenchidos pelo sector privado.
A lógica neoliberal pode ser, tão somente, uma oportunista proposta de redução de impostos. A primeira vítima será o Estado Social.
O Estado não pode ficar “prisioneiro” de opções políticas, aparentemente, estratégicas, mas, na prática, “esvaziadoras” do Estado Social. Não pode permitir que as estratégias de desenvolvimento sejam ensombradas por um dilacerante e falso dilema: “para salvar o sistema, é necessário abdicar de direitos sociais”. Ou chamemos-lhes, antes, “regalias” porque, depreciando-os, será mais fácil abocanhá-los.

O Estado não pode “deslocalizar” para o mercado, a resolução dos problemas sociais. O mercado por mais virtuosidades que lhe atribuíam, não tem essa capacidade!

É aqui que entra a política “pura e dura”. Incompatível com estilos de governação híbridos, politicamente indefinidos (centristas), teoricamente abrangentes, ditos, “pragmáticos”. O pragmatismo é o vazio político sistematizado. É a política feita por contabilistas.

Vivemos na “velha” Europa subsidiária dos direitos sociais. Mas, também, observamos uma Europa que, paulatinamente, desde o fim da II Guerra, começou a “demolir” o Pacto Social, fundamental para a sua reconstrução. Uma Europa organizada num modelo supranacional que, hoje, é o principal canal e um expedito veículo para a introdução dos conceitos e políticas neoliberais, nas nações agregadas.

É preciso remover as condições objectivas que facilitam a instalação (restauração), no espaço europeu, dessas políticas neoliberais travestidas de imensas e aliciantes racionalidades económicas, visionárias de sucessos imediatos, mas totalmente vazias de solidariedade e equidade social.
Porque a sua progressiva instalação vai acabar por “matar” o SNS.

Há uma maneira de, politicamente, resolver estas questões: um Governo socialista que execute políticas socialistas.

Poderá ser dificil no actual contexto, mas não é exigir muito!
7:20 PM

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Os números estão com gripe?

Artigo do Prof. José Manuel Silva*

O Ministério da Saúde afirma que o encerramento dos SAP não teve um «impacte significativo» nas Urgências. Parece que voltámos ao tempo de Luís Filipe Pereira. Um ministro autista, sempre pronto a manipular números, a mesma política anti-social e antimédica, e o primado da contabilidade duvidosa!
Esclareça-se que a Ordem dos Médicos nunca esteve contra o encerramento de alguns SAP, desde que aos cidadãos fosse disponibilizada um verdadeira alternativa e desde que fosse avaliada, e quando necessário reforçada, a capacidade de resposta das Urgências hospitalares. Por exemplo, nunca discutimos o encerramento do SAP de Coimbra, uma cidade com três Urgências abertas 24 horas por dia.
Também não contestámos o encerramento nocturno dos SAP nem nos opusemos a que os SAP diurnos fossem transformados em consultas abertas, desde que a cobertura das respectivas populações em situações de urgência/emergência estivesse devidamente assegurada pela proximidade a serviços de Urgência e/ou por verdadeiras viaturas de emergência médica.
Não podemos esquecer, todavia, que, mesmo tendo o ministro da Saúde desvalorizado insultuosamente a qualidade do trabalho realizado nos SAP, a verdade é que o INEM os considerava e considera verdadeiros serviços de Urgência, para eles transportando todo o tipo de doentes, mesmo os mais graves.
Lamentável é que o Ministério da Saúde e os seus amigos tenham repetido à exaustão a demagogia de que o encerramento dos SAP iria libertar médicos para realizar milhões de consultas adicionais, quando a esmagadora maioria desses serviços era, e é, realizada em horas extraordinárias, pelo que não afecta o período normal de trabalho, e as consultas abertas continuam a exigir escalas de disponibilidade!

Consequências dos encerramentos

Porém, naturalmente que chamámos a atenção para as naturais consequências dos encerramentos. Fechar recursos obriga os doentes a recorrer a outros, que irão ser mais solicitados, e pode mesmo atrasar o atendimento em situações de desequilíbrio iminente, porque afasta os necessários recursos para mais longe. Para além de criticarmos violentamente e responsabilizarmos o ministro pelas consequências da substituição de médicos por enfermeiros, como aconteceu no já desfavorecido distrito de Bragança, que ficou ainda mais distante do Terreiro do Paço.
Para prevenir algumas das complexas confusões que têm surgido no terreno com a assistência a doentes, instámos o Ministério da Saúde a definir o que são consultas abertas, e o ministro a isso se comprometeu. Não inesperadamente, ainda não é conhecido nenhum regulamento das chamadas consultas abertas, revelando a confrangedora falta de interesse e competência do Ministério da Saúde e das suas comissões em definir regras claras e transparentes para o funcionamento dos centros de saúde. Nem sequer existe capacidade para colocar um ponto final na bagunçada de nomes que por esse país fora são atribuídos às «consultas abertas»!
É evidente -- de estranhar seria o contrário -- que todas estas indefinições e encerramentos têm consequências, porque os doentes precisam de uma resposta clínica atempada. Não vamos, neste texto, repisar a questão da potencial deterioração de situações clínicas mais graves pelo dilatar do atendimento e as implicações na procura devidas ao afastamento dos recursos, vamos apenas dissecar a política dos números.
Para grande satisfação dos seus responsáveis, um estudo do MS concluiu que encerrar SAP não teve reflexos lineares nas Urgências hospitalares. É interessante o adjectivo «lineares», o que significa que o MS reconhece que houve reflexos, só que não foram «lineares»…

Considerações sobre o relatório

Algumas considerações sobre o relatório disponível no Portal da Saúde:
-- Pasme-se, as conclusões do referido relatório baseiam-se em dados que não são disponibilizados online e não é possível perceber se a análise da origem nocturna dos doentes que recorreram aos HUC e CHC foi feita por freguesia ou por concelho, o que faz muita diferença! Por outro lado, em termos estatísticos, as médias mensais fornecem uma informação limitada!
-- Apesar de reconhecer que a procura aumentou generalizadamente no final de 2006 relativamente a 2005, a única preocupação do relatório foi afirmar que «a ideia, mais simplista e redutora, de que o encerramento de SAP no período nocturno causa forte impacte, mensurável, na procura de Urgências hospitalares, não foi validada pelos dados apresentados». Todos os outros pontos que necessitavam de avaliação e diagnóstico, como o inusitado aumento da procura das Urgências, esta sim, uma questão ponderosa, foram completamente ignorados! Nem uma palavra! Para não ser demasiado antipático, digamos apenas que foi uma conclusão «simplista e redutora»…
-- Que enorme confusão grassa no MS com as infecções virais do tracto respiratório! Depois de o MS ter passado o Inverno a afirmar que não havia epidemia de gripe, agora o relatório vem justificar o enorme afluxo às Urgências hospitalares com a epidemia de gripe do fim de 2006, princípio de 2007! Curioso é que no Diário Digital de 8-2-07, o mesmo MS afirmou que «a actividade gripal em Portugal não está a ser mais intensa do que em anos anteriores»!
-- Particularmente interessante este parágrafo do Público, de 9-2-07: «Considerado preocupante é o facto de as consultas nos centros de saúde -- que deveriam ser a principal porta de entrada para o tratamento de “gripes triviais” -- não ter registado uma subida tão grande como nos hospitais. Houve 17 mil idas aos centros de saúde a 5 de Fevereiro, quando nos dias de maior procura, em epidemia de gripe, costuma chegar-se aos 26 mil episódios. “A procura nos centros de saúde este ano é a mais baixa de sempre”, lê-se no comunicado do MS.» Sim, é o mesmo MS!...
-- Afinal, meus senhores do MS, os «surtos» de gripe flutuam conforme as conveniências, ora existem, ora não existem?!
-- Afinal, meus senhores do MS, o que se passa em Portugal? Onde está a reforma dos CSP e para quando os seus urgentíssimos efeitos? Porque é que os doentes recorrem cada vez mais às Urgências hospitalares e não aos centros de saúde? O gabinete do distinto MS não é capaz de produzir nenhuma explicação, nem uma?
-- Para fugir à questão das gripes e vírus quejandos, analisemos os dados referentes aos meses de Novembro, antes dos «surtos» de gripe, comparando 2006 com 2005, ou seja, depois e antes dos encerramentos: os aumentos foram de 8,3% nos HUC, 15,5% no CHC, 1,5% na Figueira da Foz, 12,6% em Beja, 16,7% no Barlavento Algarvio, 6,4% em Vila Franca de Xira, 10,7% em Aveiro, 9,8% em Viseu, 14,7% na Guarda, 2% na Feira, 7,6% em Évora, 13% em Leiria. Vistos assim, os números são impressionantes, não são? E para isto, o gabinete do MS nem sequer tem tentativas de interpretação?

Perceber porque aumenta a procura

Não tenho quaisquer dúvidas de que o encerramento de recursos nos centros de saúde, os sucessivos ataques aos médicos, que têm levado muitos a reformar-se precocemente, e as tristes e absurdas afirmações do senhor ministro a incentivar o recurso às Urgências hospitalares (recordam-se de quando e porque foram proferidas?...) contribuíram para aumentar o afluxo de doentes aos hospitais em detrimento dos centros de saúde. Só anjinhos papudos poderiam pensar que todas as medidas e afirmações que têm vindo a ser tomadas e proferidas seriam inocentes. Uma questão que deveria ter suscitado algum esforço neuronal do gabinete do distinto MS era precisamente a de perceber porque aumenta generalizada e progressivamente a procura das Urgências hospitalares.
As razões mais íntimas e correctas dos números só poderão ser encontradas com verdadeiras auditorias, objectivas, exaustivas, inteligentes e independentes. Daquelas de que muitos não gostam, porque não dá para controlar as conclusões… Por exemplo, quem ia de noite aos SAP passou a esperar mais pela manhã para ir às Urgências hospitalares, porque estas ficaram mais longe? Até que ponto os tempos de espera nas Urgências, que se agravaram, desincentivam os doentes de a elas recorrer -- será esse o objectivo?... E com que consequências? Etc., etc.
Convém ter presente que a falta dos SAP nocturnos se faz sentir essencialmente nos períodos de maior necessidade, pois funcionavam como uma almofada que agora se perdeu.
Por tudo isto, na região que tão bem conhecemos, vemos com imensa preocupação o anunciado encerramento das Urgências de Cantanhede e Anadia; esperemos que prevaleça o bom senso e não o frio economicismo. Para que ninguém diga que não sabia e para responsabilizar quem de direito, volto a repetir que, em períodos de maior afluxo, a capacidade de resposta física e humana da generalidade das Urgências hospitalares é completamente ultrapassada, colocando em causa a qualidade do serviço aí prestado!
Mas, independentemente de todas estas questões e da atabalhoada e simplista tentativa de branqueamento da realidade, o mais importante era que se fizesse uma análise rigorosa das razões que levam ao entupimento das Urgências hospitalares nos períodos de maior procura, uma factualidade indesmentível, a fim de procurar as soluções mais adequadas para este grave problema, impossível de resolver sem a bendita reforma dos CSP. Fica o desafio para o gabinete do MS.

*Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Subtítulos e destaques da Responsabilidade da Redacção

TM ONLINE de 2007.06.06
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sexta-feira, 1 de junho de 2007

Listas de espera para cirurgia - um mal ou um bem?

Um mal ou um bem?
Listas de espera para cirurgia
Artigo do Dr. Coriolano Magalhães*

Colocar a questão se as listas de espera para cirurgia são um mal ou um bem parece quase um anacronismo. Se os doentes estão em lista de espera é porque devem padecer de doenças cuja tratamento implica uma cirurgia para aliviar o seu sofrimento, e portanto esperar pela operação só contribuirá para prolongar esse sofrimento.
Mas será que esta premissa é assim tão linear e que todos os doentes que os médicos colocam em lista de espera para cirurgia têm doenças que a cirurgia ajude a tratar? Ou que seja esta a melhor opção terapêutica?
Será que todos os doentes que são operados melhoram, ou será que são colocadas indicações cirúrgicas excessivas e as cirurgias, por vezes, não contribuem para melhorar os doentes e podem mesmo provocar o agravamento das suas queixas?

Quem está nas listas

Os doentes com patologias que possam colocar em risco a vida e com indicação para tratamento cirúrgico, como tumores malignos ou os tumores benignos de localização em que o crescimento possa ser gravemente lesivo ou mesmo letal, são na sua grande maioria operados em tempo útil, isto é, a tempo de evitar que a evolução natural da doença coloque em risco a qualidade de vida ou provoque a morte, e embora pontualmente possa ocorrer violação desta regra é excepcional que doentes com doenças graves estejam incluídos nas listas de espera.
A grande maioria dos doentes das listas têm doenças que, embora provoquem sofrimento e afectem a qualidade de vida, raramente colocam o risco de falecimento por causa dessa doença. Cito alguns exemplos destas doenças: cataratas, escoliose, pequenas hérnias da parede abdominal, varizes dos membros inferiores, hérnia discal, artrose da anca, síndroma do túnel cárpico.

Critério para operar

Estes tipos de doenças têm vários graus de gravidade e nem sempre colocam indicação cirúrgica; existem critérios para tratamento operatório ou tratamento conservador.
Só que esses critérios são aplicados com grande variabilidade de cirurgião para cirurgião. Essa variabilidade nem sempre obedece a critérios estritamente médicos. Enuncio algumas dessas variáveis que podem condicionar a decisão: a experiência do cirurgião e sua equipa; a qualidade e a tecnologia do estabelecimento hospitalar; os interesses económicos do cirurgião — cirurgia paga (vulgarmente em hospital privado) ou não paga (hospital público); a simulação e os interesses escondidos do doente — manter-se de baixa, indemnização a ser paga por uma companhia de seguros; o carácter mais ou menos intervencionista do cirurgião.

Critérios excessivos

Há cerca de 30 anos um cirurgião pediatra americano que constatara que os cálculos biliares continham partículas radioactivas advogou que todos as crianças fossem operadas nos primeiros tempos de vida para excisão da vesícula biliar, local onde mais frequentemente se formam os cálculos biliares, para evitar que a radioactividade dessas partículas, actuando ao longo dos anos, viesse a provocar tumores malignos na vesícula na idade adulta.
É claro que houve bom senso para que esta medida exagerada não fosse adoptada, dado não haver uma incidência de tumores da vesícula que justifique efectuar milhões de cirurgias em todo o mundo para, eventualmente e não de certeza, prevenir um reduzido número de tumores.
Mas o mesmo bom senso não funcionou entre a classe médica durante décadas no que se refere aos milhões de mutilações efectuadas para extirpar as amígdalas, até que se demonstrou que a maioria dessas cirurgias eram perfeitamente inúteis e que provocavam mais inconvenientes que benefícios.

Operar ou não operar

Sabemos que há um número significativo de cirurgias que não contribuem para a melhoria das doenças, e também sabemos que um número significativo de doentes piora por terem sido operados, independentemente da boa técnica cirúrgica.
É utópico pensar que todos os actos cirúrgicos serão sempre bem sucedidos, mesmo que tecnicamente bem executados, porque há variantes que determinam o resultado final.
Mas esta premissa não pode servir para alimentar a aceitação de um número de insucessos cirúrgicos exagerado em relação à média esperada para um determinado tipo de cirurgia.
A correcta indicação cirúrgica é o primeiro passo para o sucesso ou insucesso da cirurgia.
Os insucessos cirúrgicos ficam economicamente caros, não só pelos custos dos actos cirúrgicos inúteis e falhados, mas também pelo acréscimo de despesa que acarretam para tratar os males que provocam.
Os números dos insucessos cirúrgicos podem ser tolerados se estiverem dentro dos valores estatisticamente aceitáveis, mas, se esses valores são exagerados, os cirurgiões e os serviços de Cirurgia onde o facto ocorre devem ser alertados para corrigirem os seus critérios cirúrgicos.

Como se faz a lista

Analisemos o processo desde a inscrição na lista até ao acto cirúrgico.
As listas formam-se nos hospitais públicos que recebem pedidos de consultas de Cirurgia, mais frequentemente por iniciativa dos centros de saúde onde os doentes estão inscritos por iniciativa própria. É assim o sistema em vigor. Naturalmente que também há doentes que marcam a consulta para um determinado médico por sua livre vontade, mas é uma percentagem menor.
Quando o cirurgião lhe atribui indicação cirúrgica, o doente dá o consentimento para ser operado, assinando uma declaração em que consta que foi devidamente informado pelo cirurgião sobre a sua doença e dos actos cirúrgicos a que irá ser submetido.
Pelo depoimento de alguns doentes fica a dúvida se neste primeiro passo ficam devidamente informados das alternativas de tratamento, das vantagens, desvantagens e das consequências do acto cirúrgico a que vão ser submetidos.
Do que não há dúvida é que, esclarecidos ou não, decididos ou vacilantes, assinam e só assim podem ser inscritos na lista.
Por vezes, os doentes referem que, aquando da decisão de os inscrever, o cirurgião tem o cuidado de informar que os inscritos na lista de espera poderão ter que aguardar cerca de um ano ou mais, e que poderá não ser ele próprio mas sim um outro o cirurgião a efectuar a cirurgia. Também por vezes informam que não terão que aguardar tanto tempo pela cirurgia se tiverem um sistema de saúde ou possibilidade económica que permita serem operados em hospital ou clínica privada, podendo ser ele o cirurgião a efectuar a operação.
Esta última informação é geralmente inútil porque a grande maioria dos doentes aguarda e só muito excepcionalmente os cirurgiões encontram nas consultas hospitalares um doente que decida alargar os cordões à bolsa, porque, na realidade, a maioria não tem bolsa a que possa alargar os cordões.

A chamada

Se o doente não for chamado dentro de seis meses para ser operado no hospital onde ficou inscrito poderá então ser chamado, ao abrigo do programa SIGIC, para ser operado em sistema convencionado, no mesmo hospital onde foi feita a sua inscrição ou noutro hospital público ou privado, sendo o acto cirúrgico pago pelo programa, à peça, mas por valores que são bastante inferiores ao da maioria das convenções ou seguros de doença.
Quando chamado, será ou não reavaliado pelo cirurgião que o vai operar. Se for reavaliado, este poderá achar que não coloca indicação cirúrgica e recusar o doente para cirurgia. Se o doente for chamado para um desses sítios em que não é feita reavaliação da situação clínica após os vários meses de espera, será operado com base no critério puro e simples de que se está na lista de espera e respondeu à chamada é para ser operado.

Quem responde à chamada

Quando as funcionárias administrativas do serviço hospitalar onde trabalho têm que chamar doentes inscritos nas listas de espera, pelos vários médicos, frequentemente os doentes recusam vir para serem operados. Tentei quantificar estas recusas e constatei que para obter a anuência de um doente tinham que, em média, ser contactados seis.
Portanto, e em média, por cada seis doentes da lista de espera de Neurocirurgia, cinco recusam a cirurgia.
Decidi tentar saber se era um problema só dos doentes de Neurocirurgia ou era uma «doença» que também atingia as outras especialidades cirúrgicas.
Percorri os diferentes serviços do hospital conversando com os funcionários administrativos que tinham a cargo a chamada dos doentes das várias especialidades cirúrgicas com listas de espera e fiquei a saber que a «doença» era geral.
O número de contactos que os funcionários tinham que fazer para conseguir um doente que concordasse em vir para ser operado variava em função da especialidade cirúrgica. Essa variação era em média de quatro a oito doentes contactados para conseguir um.
Eram múltiplas e variadas as justificações dos doentes para recusar a cirurgia.
Se tantos doentes recusam a cirurgia, de certeza que uma boa percentagem melhora espontaneamente. Pode-se concluir que são postas excessivas indicações operatórias e que o tempo se encarrega de melhorar o que o cirurgião pensava que só melhoraria com cirurgia.
Mas seriam só os médicos do meu hospital que estavam a colocar excessivas indicações cirúrgicas?
Averiguei junto de colegas de outros hospitais qual era a sensação que tinham em relação à anuência à cirurgia dos doentes da sua lista de espera e confirmaram análogo comportamento por parte dos doentes chamados para os seus hospitais.
O que concluir?
É claro que os doentes têm quase sempre uma boa dose de medo de serem operados, mas não se torna credível que o seu medo seja tão grande e frequente que justifique decidir carregar com a doença que o cirurgião determinou que deveria ser erradicada cirurgicamente. É mais credível que tenham melhorado sem cirurgia.

A cirurgia

Pelos preços pagos, as clínicas privadas põem em funcionamento esquemas para estes doentes que são proporcionais ao que recebem.
Não é raro que coloquem condições aos médicos para que sejam efectuadas as cirurgias num determinado tempo de modo a rentabilizar o bloco operatório para poderem efectuar um número de cirurgias que torne o acordo com o programa SIGIC rentável.
E também condicionam o internamento a um período curto de modo a que as camas de enfermaria possam ser devidamente rentabilizadas.
Os doentes que possam vir a precisar de cirurgias mais prolongadas ou internamentos mais longos são recusados para serem operados, com a mais variada fundamentação, pois não seriam rentáveis.
A maioria das cirurgias ou o pós-operatório decorrem sem complicações.
Não haver complicações não é o mesmo que conseguir curar os males do doente. Isso é outra coisa.
Mas quando ocorrem complicações não é raro que o cirurgião force a alta do doente de modo a funcionar dentro da margem de dias de internamento que permitem ter lucro e evite o internamento prolongado que dará prejuízo.
E se a complicação o justifica, não é raro que recorra ao hospital público onde também trabalha para resolver aí as complicações da cirurgia efectuada em clínica privada.

Quem avalia os resultados?

Em Portugal, quem alerta ou contesta quando os insucessos são excessivos? Quem recolhe dados referentes aos resultados cirúrgicos e á satisfação dos doentes operados?
Nos serviços hospitalares públicos, onde funcionam serviços com múltiplos médicos, ainda se vai fazendo sentir a crítica do grupo, mas frequentemente de forma diluída e não sistemática, e nem estatisticamente quantificada.
Nos hospitais privados é frequente que o sucesso ou insucesso cirúrgico se fique quase entre o médico e o doente e seus familiares; no interior da clínica é natural que transpire um pouco para o grupo de enfermeiros que assistem o doente no pós-operatório imediato; no exterior, transpira para os conhecidos do doente e seus familiares.
Numa grande urbe, em que por vezes o médico opera em mais do que um hospital privado, e onde acorrem doentes dispersos por várias localidades da periferia ou de localidades distantes e portanto se torna difícil que estes tenham opinião formada sobre as condições em que vão ser operados, este sistema crítico pode ser muito limitado.
Poucas unidades hospitalares do nosso país, públicas ou privadas, têm sistemas de análises credíveis sobre o grau de satisfação dos doentes operados que permitam tirar ilações cientificamente correctas.
A tal ponto é pouco credível a avaliação estatística neste campo, nos estabelecimentos hospitalares portugueses, que só excepcionalmente estes são aceites para participar em estudos multicêntricos internacionais.
Os bons resultados cirúrgicos que os cirurgiões apresentam em reuniões e congressos não é raro que descrevam mais aquilo que o cirurgião gostaria que acontecesse do que o que na realidade acontece.

Afinal...

Que as listas de espera são um mal, ninguém duvida.
Mas, nas actuais condições de controlo dos actos cirúrgicos, o tempo de espera pela cirurgia leva a que muitas vezes o doente melhore de forma natural e evite uma acto cirúrgico, proposto por vezes em critérios que se vêm a revelar pouco consistentes.
Há necessidade de implementar inquéritos sobre o grau de satisfação por parte dos doentes em relação aos actos cirúrgicos a que são submetidos, efectuados por rotina em hospitais públicos e privados, a nível nacional e de forma credível, para que se diminua a probabilidade de serem efectuadas cirurgias desnecessárias, tais como as que durante décadas, inutilmente e com inconvenientes, se efectuaram às amígdalas.
Já agora, que a Ordem dos Médicos faça um esforço para ordenar alguma coisa nesta matéria.

* Neurocirurgião do Hospital de S. José

in Tempo de Medicina 1.º CADERNO de 2006.07.17