quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

carta aberta - eleições para a OM - Dr.Gentil Martins (II)


Carta aberta – eleições para a Ordem dos Médicos

António Gentil Martins*
Pela responsabilidade que sinto ter ainda, por ter sido presidente da Ordem três mandatos, considero ser, neste momento, minha obrigação divulgar esta carta aberta. Sempre considerei, e continuo a considerar, a ética como o principal dos três pilares da Ordem dos Médicos, sendo os restantes, quer a qualidade técnica, quer a defesa dos médicos, condição essencial para a defesa dos próprios doentes (isto, sem nunca pôr em causa a liberdade sindical).Na primeira volta votei Pedro Nunes, por considerar mais clara que a de Miguel Leão a sua posição sobre o Código Deontológico, nos artigos respeitantes ao aborto e à eutanásia, face à prepotência e arrogância do sr. ministro da Saúde.As informações dadas pela Comunicação Social, de que o dr. Pedro Nunes suspendia as suas funções de presidente da Ordem, levaram-me a alterar a minha posição e a emitir uma carta aberta (que desconheço se foi divulgada, mas enviada exclusivamente à Imprensa Médica). Após as explicações ouvidas da parte do dr. Pedro Nunes, muito embora discordando claramente da sua posição quanto a não se manter, até final do seu mandato (segunda volta das eleições, a 16 de Janeiro de 2008), na plenitude das suas funções de presidente da Ordem, para as quais foi democraticamente eleito, sinto-me na obrigação de a rectificar.Aliás, não concordo com a recente alteração estatutária, de uma segunda volta para a eleição do presidente, pois considero que representa uma importante e inútil despesa para a Ordem (de preferência a eliminar em próxima revisão dos regulamentos).Parece evidente que a força maior da Ordem estará na sua unidade e sabemos que, face aos resultados conhecidos, as direcções regionais eleitas não assumiram, claramente, o seu apoio ao mesmo candidato a presidente. Acredito que os membros do novo Conselho Nacional Executivo saberão ultrapassar as suas sensibilidades próprias, factor indispensável para que se possam vencer as lutas que se avizinham e aos médicos sejam impostas.Finalmente, gostaria de dizer que, de forma definitiva, manterei o meu apoio à candidatura do dr. Pedro Nunes, e aconselho a que todos os médicos o façam (ao contrário do que cheguei a pensar).
*Ex-presidente da Ordem dos Médicos
in TM 24/12/07

carta aberta - eleições para a OM - Dr.Gentil Martins

Carta aberta – eleições para a Ordem dos Médicos (I)

Pela responsabilidade que sinto ter ainda, por ter sido Presidente da Ordem 3 mandatos, considero ser, neste momento, minha obrigação divulgar esta carta aberta.
Sempre considerei, e continuo a considerar, a Ética, como o principal dos 3 Pilares da Ordem dos Médicos, sendo os restantes, quer a Qualidade Técnica, quer a defesa dos Médicos, condição essencial para a defesa dos próprios Doentes (isto, sem nunca pôr em causa a liberdade sindical).
Na 1ª volta votei Pedro Nunes, por considerar mais clara que a de Miguel Leão, a sua posição sobre o Código Deontológico, nos artigos respeitantes ao aborto e á eutanásia, face à prepotência e arrogância do Senhor Ministro da Saúde.
Sou agora obrigado a considerar que o Colega Pedro Nunes, sem prejuízo do trabalho e dedicação que deu ao seu cargo de Presidente da Ordem dos Médicos, deixou de ter quaisquer condições para exercer essa função.
Se houver 2ª volta, (o que espero bem não aconteça porque, Pedro Nunes, publicamente, deveria anunciar a sua desistência), não deixarei de votar Miguel Leão e aconselhar a que todos os Médicos o façam.
É inadmissível, e claramente ilegítimo e mesmo ilegal, face aos Estatutos em vigor, que um Presidente se auto-suspenda e nomeie um sucessor (por muito válido que este seja). Por um lado, um Presidente ao tomar posse, assume a totalidade do seu mandato, a menos que um motivo de força maior disso o impeça (o que não é, manifestamente, o caso); por outro lado, a nomeação de um substituto só poderia pertencer ao Conselho Nacional Executivo, e nunca ao próprio Presidente.
Pretendendo excluir-se temporariamente, mas mantendo-se como candidato, Pedro Nunes comete dois erros graves:
Primeiro: viola a confiança dos que o elegeram para representar a Ordem até final do seu mandato, ou seja, até á tomada de posse do novo Presidente,
Segundo: recusa-se a reconhecer a vitória, democraticamente obtida pelo Dr. Miguel Leão (e que o deveria abster-se de obrigar a uma 2ª volta). Tendo lutado lealmente, nunca foi indigno aceitar a vitória do adversário; mas poderá sê-lo, não a reconhecer. Aliás não compreendo a justificação desta recente alteração estatutária - uma 2ª volta para a eleição do Presidente (que apenas represente uma importante e inútil despesa para a Ordem, a eliminar em próxima revisão dos Regulamentos!)
Finalmente: Parece evidente que a força maior da Ordem estará na sua unidade e sabemos que face aos resultados conhecidos, as Direcções Regionais eleitas não apoiaram todas o mesmo candidato a Presidente.
Acredito que os Membros do novo Conselho Nacional Executivo saberão ultrapassar as suas sensibilidades próprias , factor indispensável para que se possam vencer as lutas que aos Médicos sejam impostas.

António Gentil Martins Ex-Presidente da Ordem dos Médicos

Gentil Martins e a 2ªvolta das eleições OM

Auto-exclusão de Pedro Nunes gerou dúvidas a Gentil Martins
A auto-suspensão de Pedro Nunes do cargo de bastonário da Ordem dos Médicos (OM) levou Gentil Martins, que já foi titular daquelas funções, a considerar retirar o seu apoio à recandidatura do actual presidente da OM. O médico chegou mesmo a divulgar uma carta aberta em que afirmava ser «obrigado a considerar» que o bastonário, em virtude da referida auto-suspensão, «deixou de ter quaisquer condições» para continuar no cargo e admitia votar em Miguel Leão.
No entanto, pouco tempo depois de essa carta ser tornada pública, Gentil Martins escreveu uma outra a contrariar a anterior posição, em que afirma que «de forma definitiva» vai apoiar a candidatura de Pedro Nunes. Ao «Tempo Medicina», o antigo bastonário esclareceu, em conversa telefónica ocorrida a 19 de Dezembro, que mudou de opinião «depois de ter falado pessoalmente» com Pedro Nunes e de este lhe ter explicado as «motivações para certas atitudes». No entanto, não deixou de reafirmar que discorda «claramente» do facto de o bastonário ter suspendido as funções para que foi eleito, delegando-as no presidente do Conselho Regional do Centro, José Manuel Silva.
Outro dos factores que levaram Gentil Martins a questionar a atitude de Pedro Nunes foi o facto de este aceitar a disputa de uma nova ronda de eleições, depois de Miguel Leão ter conquistado o maior número de votos a 12 de Dezembro. Não deixando de frisar que discorda «totalmente» da existência de uma segunda volta, por se tratar de uma despesa «inútil» para a Ordem, Gentil Martins reconheceu, contudo, que o regulamento assim o estipula. Por isso, o antigo bastonário disse ao «TM» que Pedro Nunes está «legitimamente no direito de esperar pela segunda volta», até porque só depois desta «ficará perfeitamente definida a posição da classe».

«Intenção foi correcta»

Na opinião de Gentil Martins, a «auto-exclusão [de Pedro Nunes] não foi uma posição negativa, mas uma posição que ele procurou que fosse construtiva». Assim, apesar de considerar que a «forma está errada», o antigo bastonário diz agora entender que a «intenção foi correcta». Além disso, frisou que o afastamento da função por parte do candidato, por iniciativa própria, «não foi total», uma vez que só deixa de ser o «porta-voz do Conselho Nacional», passando a assumir essa função o presidente do Conselho Regional do Centro, José Manuel Silva.

S.R.R.

TM 1.º CADERNO de 2007.12.24
0712711C06207SR51E

(sublinhado meu)

domingo, 21 de outubro de 2007

Professor Nuno Grande - TempoMedicina

Nuno Grande diz que falta diálogo à governação de Correia de Campos
Ministro tem uma visão pouco «humanista» da Saúde
Para Nuno Grande, se o SNS cumprir o orçamento não funciona. Mas sendo esta a principal preocupação de Correia de Campos, «exemplar» no trabalho «administrativo», revela uma visão pouco «humanista» do sector. Por isso, o médico do Porto defende a reinvenção do conceito de João Semana.
Considera-se «um médico de província numa grande cidade» e diz que a sua carreira começou quando, para ajudar um doente, ficou sem dinheiro para o eléctrico e teve de ir a pé para casa. Talvez por isso ache que a humanização da Medicina está nas mãos dos novos «João Semana» e é nesta perspectiva que critica a visão «contabilística» que Correia de Campos tem da Saúde. Amigo pessoal do ministro, Nuno Grande elogia-lhe o trabalho, mas «numa perspectiva meramente administrativa, não tanto numa perspectiva humanística».
«O ministro não dialoga, toma decisões», diz, para acrescentar que a sua principal preocupação é «não esgotar o orçamento», algo que, a acontecer, e nos actuais moldes, significa apenas que o sistema não funciona. «Para ser bom [o Serviço Nacional de Saúde], tem de dar prejuízo, ou seja, tem de dar resposta. E dar resposta às necessidades pode significar um custo cada vez maior.»
O médico, que assistiu ao nascimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), revela que não esperava que ele evoluísse desta forma: «Confesso que fui um pouco optimista e pensei que havia processos políticos capazes de dar resposta [às necessidades financeiras do SNS]». De resto, o problema reside no desenvolvimento tecnológico da Medicina nas últimas décadas que, por si só, encareceu os cuidados de saúde, despertando também uma maior procura destes mesmos cuidados por parte da população. «Quando o SNS arrancou prestava cuidados muito primários e, à medida que se foi tornando cada vez mais moderno nas suas actuações, foi sendo cada vez mais custoso.»

Doentes sugerem os exames

Satisfeito com a capacidade de intervenção que a divulgação científica, mormente por via da internet, trouxe aos doentes, Nuno Grande identifica aqui também um factor de promoção do desperdício, introduzindo o conceito de inequação do consumo. «Se a procura fosse apenas para as verdadeiras necessidades, até poderia ser equilibrada, mas hoje, e pelo acesso que a maior parte das pessoas tem à informação sobre os progressos científicos, os desejos são muito superiores às necessidades, enquanto os recursos são muito inferiores».
«Todas as grandes empresas farmacêuticas e tecnológicas têm processos de divulgação massiva dos seus progressos e, acriticamente, as pessoas vão tomando contacto com isso e quando chegam ao consultório já são elas quem sugere os exames — “Ó senhor doutor, não posso fazer uma ressonância?”, perguntam e, muitas vezes, nem sabem o que isso é», critica.
Por outro lado, pela simples melhoria dos cuidados de saúde, é natural que a procura aumente e, como tal, aumentem também os custos. Por esta razão, aquele que é um dos fundadores do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar considera que a luta travada por Correia de Campos «é perfeitamente desigual».
Algo desconfiado em relação à «ciência rápida» bebida dos novos meios de informação, o professor de Anatomia, que durante mais de 20 anos manteve actividade clínica como médico de família, discorda dos que dizem haver aqui algum desprestígio da Medicina, e considera apenas que aquilo que de «misterioso a profissão médica possuía é hoje menos evidente», e «o médico já não fala de cátedra». Se há algum desprestígio da profissão, defende, ele é provocado pelos «médicos que requisitam», aqueles que usam meios complementares de diagnóstico e exames, mesmo «sabendo antecipadamente que não vão ter nenhum efeito concreto». Fazem-no «apenas para dar resposta à necessidade do cliente».

Humanizar para poupar

Para Nuno Grande, o segredo da Medicina moderna assenta em saber jogar com os recursos de maneira a ser útil sem ser excessivo. «Temos de ensinar aos jovens médicos quais são os recursos que temos e como devem ser utilizados. Senão, a tendência é requisitar», adverte.
E aqui a humanização assume um papel preponderante. «O médico de hoje, mesmo o médico de família, já não está tão próximo das circunstâncias familiares como estava antigamente», diz, para acrescentar que «a “guerra” com as USF é exactamente essa: integrar socialmente o centro de saúde», que, advoga, deverá inspirar-se no modelo do País de Gales, onde os centros de saúde foram transformados numa espécie de «loja do cidadão com resposta para todos os problemas — de saúde, sociais e técnicos — do utente».
A proximidade médico-doente leva a que se estabeleça uma relação de confiança que permite ao médico «decidir pelo doente» sem ter a tentação de ceder a todos os pedidos que aquele lhe faz. Dispensam-se «exames inúteis» e o doente sai «bem tratado e satisfeito». Agora, quando a relação é impessoal, é natural, defende, que ao ver negado um pedido para realização deste ou daquele exame, o doente desconfie de que a intenção do médico é apenas poupar.
E por mais avançadas que sejam as tecnologias à disposição do diagnóstico, «a relação médico-doente não é tecnológica, é humana», mesmo no que toca ao processo de diagnóstico. De resto, a sua própria experiência confirma esta ligação: «Fiz clínica durante vinte e tal anos e, quando revi os ficheiros, achei espantoso que, em cerca de 12% dos casos, cheguei ao diagnóstico [depois confirmado] sem que a história clínica me permitisse chegar aí.» Isto «apenas pela forma como o doente me transmitiu o que sentia», porque «a comunicação entre o médico e o doente está para lá do racional» e é isto que as novas tecnologias podem anular, receia.
Para o professor, que apesar de jubilado continua a dar aulas, há que «estimular a consciência profissional dos médicos», também por forma a que eles se sintam responsáveis, «quer em nome dos utentes quer em nome da profissão». O médico, diz, «só tem sentido se estiver ao serviço dos doentes, mas também tem de ter em atenção que está ao serviço dos doentes porque tem uma determinada formação e essa formação atribui-lhe a capacidade de decidir o que é justo para cada caso e de saber o custo de cada uma das acções».

Pode ser gratuito, mas alguém tem de pagar…

Apesar da crise que o SNS atravessa e da procura do «lucro pelo lucro», Nuno Grande não acredita no fim daquilo a que chama «uma grande conquista», mas sim numa grande reformulação, onde o actual sistema sirva de suporte à orientação que vier a ser tomada.
O professor diz-se mesmo disposto a integrar o recém-criado movimento de defesa do SNS, desde que este mantenha «um serviço de altíssima qualidade, voltado para os cidadãos», mas sabendo de antemão que nunca poderá ser gratuito. Ou melhor, «o SNS até poderá ser tendencialmente gratuito para o utente, mas alguém tem de o pagar», ironiza. E avança com algumas formas de financiamento, além dos impostos, como sejam as doações ou transformando a contribuição numa obrigação social das empresas. «Pensar nele [SNS] gratuito é tirar-lhe possibilidades de resposta», conclui.

Paula Mourão Gonçalves


Dialogar para melhor governar

A capacitação e a responsabilização dos utentes assume neste processo um papel fulcral, com o médico a defender a criação de associações de utentes «civicamente responsáveis e que funcionem», sendo-lhes atribuído «o mesmo direito de intervenção que às ordens profissionais», articulando-se directamente com o Governo. Desta forma, advoga, os utentes sentir-se-iam «responsáveis pelo que pedissem e teriam consciência de quanto custava. A grande mudança está aí».
Nas palavras de Nuno Grande, o diálogo é exactamente o que falta a Correia de Campos para imprimir à governação um pendor mais humanista. «O ministro não tem tido a perspicácia política que devia ter, porque não explica as coisas», nomeadamente quando toma medidas em que «o impacte nacional predomina sobre o impacte local, como é exemplo o encerramento de várias maternidades». Em termos técnicos, o professor diz nada ter a apontar a estas decisões, no entanto acha que só podem ser tomadas depois de discutidas com as populações as soluções alternativas, e explicadas as implicações de cada uma delas.


Contra os «teddy tachos»

Nuno Grande fez parte do grupo de jovens clínicos que se bateu pela criação das carreiras médicas. «Andámos ao gritos pelas ruas, contra a polícia. Os antigos senhores chamavam-nos os teddy boys e nós a eles os teddy tachos», descreve, para se regozijar com a vitória de um sistema que, na sua opinião, «permitiu uma grande melhoria na qualidade da Medicina portuguesa».
Perante o fim anunciado do sistema que ajudou a criar, o médico transmontano que adoptou o Porto como sua cidade, exige da Ordem que se oponha a isto, ajudando a redefinir critérios. E, embora concordando com a contestação em relação à forma como a profissão está estabelecida, adverte para uma realidade comum a outros sectores da democracia portuguesa: «Aqui, como noutras profissões, estamos mais preocupados com os direitos do que com os deveres.»

TM 1.º CADERNO de 2007.10.22
0712621C08107PMG41A

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Santana Maia (entrevista TempoMedicina)

Santana Maia fala sobre as actuais transformações no sector
«Não se pode deixar que a Saúde se transforme num negócio»
Para Santana Maia, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) «é um bem colectivo que importa manter», universal e tendencialmente gratuito. O antigo bastonário admite, contudo, que é necessária «alguma contenção», sem penalizar os doentes, e critica «a progressão exagerada de prestadores privados».
«Tempo Medicina» — Na sua opinião, quais são, ou serão, as consequências, para a profissão médica, de todas as transformações que têm ocorrido no sector da Saúde nos últimos tempos?
Santana Maia — Depende do que se considerem os últimos tempos, se os últimos 50 anos, se os últimos cinco anos. Nos últimos 50 anos há transformações brutais. Nos últimos cinco anos há menos transformações, mas também importantes. A Medicina faz-se cada vez mais em equipa e menos individualmente, a profissão médica é cada vez menos exercida pelo médico isolado, pelo antigo médico de consultório. Por outro lado, a Medicina está a transformar-se numa profissão de assalariados — sejam funcionários do Estado, de sociedades privadas ou de outros médicos — e menos de trabalhadores independentes. Há uma certa proletarização dos médicos, contra a qual me manifestei muitas vezes, enquanto presidente da Secção Regional do Centro e bastonário da Ordem dos Médicos. Aliás, enquanto bastonário, e mesmo antes, propus a criação de uma lei-quadro de convenções, porque entendo que a Medicina convencionada era interessante para os médicos e para a população. Mas até hoje ainda não se conseguiu criar essa lei.
«TM» — Pensa que essa lei-quadro traria benefícios?
SM — Sim. A Medicina convencionada já existe, mas de uma forma anárquica, desigual, e devia ser disciplinada e alargada, perfeitamente límpida, clara, transparente. Uma lei-quadro das convenções beneficiaria os médicos e a população, ao dar a possibilidade de o doente escolher o médico.
«TM» - A proletarização dos médicos está a acentuar-se?
SM — Tende a acentuar-se, porque os médicos, por si só, porque trabalham isoladamente, não conseguem fazer os investimentos que são precisos na área da Saúde e cada vez mais serão funcionários.
«TM» — Quando assistiu ao nascimento do SNS esperava que tivesse esta evolução?
SM — Assisti ao seu nascimento e saudei-o. E tenho saudado a sua longevidade e importância, tem sido fundamental. Os dados da Saúde em Portugal melhoraram espectacularmente através do SNS, que é um bem colectivo que importa manter, embora evoluindo. E é evidente que tem havido evoluções, algumas, a meu ver, demasiado grandes. Mas, dex qualquer forma, tem-se mantido.
«TM» — Não esperava que seguisse o actual caminho?
SM — Exactamente, tem havido privatizações a mais, tem havido um benefício do capital. A Saúde, a meu ver, é um bem, não é um negócio, e tem havido negócio a mais na Saúde. É evidente que é um negócio importante, que mexe com muito dinheiro, mas não pode deixar-se que se transforme num negócio e está a correr-se esse risco.

«Modelo EPE é preferível ao SA»

«TM» — A crescente transformação de hospitais públicos em EPE, as parcerias público-privadas (PPP), entre outras mudanças, podem vir a significar o fim do SNS? Como vê essa relação?
SM — Começou a falar-se nos hospitais EPE através de uma proposta de estatuto hospitalar, era ministra a dr.ª Maria de Belém e era bastonário o prof. Carlos Ribeiro. E falava-se na sua criação de uma forma generalizada, alargada a todo o País. Na altura opus-me a isso, e de facto não foi para a frente. Eu entendia que devia haver primeiro uma experiência num ou dois hospitais e foi o que se passou. O Hospital da Feira foi a primeira EPE, deu bons resultados e alargou-se a outros. O ministro Luís Filipe Pereira criou os SA, que são sociedades comerciais anónimas diferentes dos EPE, que são entidades públicas do tipo empresarial, mas são públicas. Apesar de tudo, julgo que o modelo EPE é preferível ao das SA. Com as SA corria-se o risco de privatização, porque, em caso de dívidas, sendo sociedades anónimas os credores podiam tomar conta delas. As EPE não correm esse risco. As PPP podem ser uma solução para a falta de dinheiro, para investimento, do Estado, são uma espécie de SCUT na Saúde. Depois há vários tipos de parcerias, só no investimento ou também na exploração.
«TM» — Como se posicionará o SNS perante os prestadores privados?
SM — O SNS mantém-se, pagando aos privados. Hoje cada vez mais há separação entre entidade pagadora e prestadora, mas penso que tem havido excessos ao querer passar os privados a prestadores e o Estado só a pagador. Esta progressão de prestadores privados é que é exagerada. Deve haver prestadores privados, mas na Saúde, como noutras áreas, o Estado deve continuar a ser o principal prestador, através de hospitais do sector público administrativo e EPE.
«TM» — Tem sido surpreendido com algumas das soluções adoptadas no SNS? Por exemplo, com o aumento das taxas moderadoras?
SM — Acho mal que as taxas moderadoras tenham sido aplicadas ao internamento e às cirurgias, porque ninguém é internado e operado por gosto. As taxas moderadoras são constitucionais se forem moderadoras e não se forem para fazer dinheiro ou funcionar como co-pagamento. O espírito do SNS é ser um serviço público, universal e tendencialmente gratuito. E deve manter-se como está previsto na Constituição. Porque se o SNS passar para os privados, passa a haver uma Medicina dos ricos e uma Medicina dos pobres.

«Deve haver uma certa contenção»

«TM» — O SNS continuará a ser de acesso universal, geral e tendencialmente gratuito?
SM — Sim, dentro de determinados limites. Hoje assistimos ao envelhecimento da população, que vive mais e depende cada vez mais da Saúde e dos médicos, de medicamentos e exames muito caros, porque a Medicina tecnologicamente evoluiu muito, os gastos da Saúde têm aumentado exponencialmente. O doente não deve ser penalizado por isso, mas deve haver uma certa contenção em pedir exames complementares de diagnóstico, fundamental para aliviar os custos da Saúde, para que se possa manter o acesso de todos os doentes ao SNS.
«TM» — Na sua opinião, é inevitável uma evolução no próprio SNS?
SM — O SNS como foi concebido era impraticável agora, era impossível aguentar os seus custos, mas há que ter cuidado com as privatizações, que não levam fundamentalmente a economias. A sua aplicação deve variar consoante a evolução, mas dentro do conceito do SNS, que está certo. Por exemplo, antigamente havia muitas leprosarias e sanatórios e bastou aparecer uma medicação para que desaparecessem instalações brutais em todo o Mundo.
«TM» — O que pensa da grande preocupação com o controlo dos gastos?
SM — Acho que tem de haver um controlo, e um controlo apertado, desde que isso não se faça sentir na falta de meios absolutamente necessários.
«TM» — Concorda que há desperdício no SNS?
SM — Sim, e o combate ao desperdício é fundamental. E o actual ministro tem tomado algumas medidas positivas.
«TM» — E outras polémicas...
SM — Sim, por exemplo as taxas moderadoras. E penso que a reestruturação das Urgências foi feita um pouco precipitadamente, em vez de se estudar o problema, pôs-se logo em prática. Tem de haver bom senso, bati-me sempre por isso.

«Carreiras médicas estão em perigo»

«TM» — Defende intransigentemente as carreiras médicas?
SM — Exactamente. Saudei, ainda enquanto estudante do 6.º ano, o chamado Relatório das Carreiras Médicas, que foi publicado em 1961, era secretário de Estado Gonçalves Ferreira, que, a meu ver, foi o precursor do SNS. Mas o relatório apareceu antes, em 1959, era eu estudante do 6.º ano. As carreiras médicas foram muito importantes, fundamentais, para a qualidade da Medicina. Agora, os contratos individuais de trabalho podem acarretar uma perturbação grande para as carreiras médicas, que estão em perigo.
«TM» — Também teme pelo futuro das carreiras?
SM — Temo um pouco pelo futuro das carreiras médicas, embora ache que é imprescindível que continuem. Mesmo com os contratos individuais, nos hospitais EPE, as carreiras podem manter-se. Mas é verdade que num hospital privado o patrão pode nomear o médico que quiser e é a subversão das carreiras. Depende da vontade que houver e acho que o Ministério da Saúde deve ter grande atenção e não permitir desvios das carreiras, que são a trave mestra do SNS. Deixar adulterar as carreiras médicas é um mau caminho para a qualidade da Medicina. Embora as carreiras tenham sido subvertidas, na prática, pelo tipo de concursos, pelos critérios de avaliação, em que houve uma subversão do aspecto clínico pela parte administrativa. Mas isso é fácil de corrigir.

Helena Nunes

...CAIXA...

«Saúdo a Rede de Cuidados Continuados Integrados»

«TM» — O envelhecimento da população também tem aumentado os custos da Saúde?
SM — Sim, por isso saúdo o Dec.-Lei 101/2006, que criou a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, que a meu ver tem potencialidades enormes para resolver o problema da interface entre a Saúde e a Segurança Social. A actual rede, nas unidades de internamento de média e longa duração, já permite o co-pagamento, pela Segurança Social ou pelo próprio doente. Antes, o ministro Luís Filipe Pereira, com o Dec.-Lei 281/2003, criou uma rede de cuidados continuados, mas só de Saúde, o que significava que não podia haver co-pagamento pelos doentes do SNS. Esta lei nunca avançou, porque trazia custos brutais para a Saúde.

...CAIXA...

«Jovens médicos mantêm o espírito de Hipócrates»

«TM» — Em que é que os jovens médicos de hoje são diferentes dos do seu tempo?
SM — Não vejo muitas diferenças, profissionalmente. A mentalidade dos jovens médicos continua a ser boa, profissionalmente continuam a ser bem preparados e mantêm o espírito de Hipócrates. No cumprimento das regras deontológicas e éticas os médicos de agora não são melhores nem piores que os antigos. No meu tempo não havia carreiras médicas, cada um ia à vida e lutava por si próprio. Hoje só há médicos especialistas, fruto da evolução das especialidades, e as condições de trabalho são melhores, as unidades de saúde estão mais bem equipadas. Mas os jovens médicos correm o risco de ser cada vez mais assalariados.
«TM» — Hoje os médicos também podem não estar nas carreiras...
SM — Defendi, quando foi criada a Associação Portuguesa dos Médicos da Carreira Hospitalar, que devia chamar-se apenas associação dos médicos hospitalares, porque incluir carreira na denominação era redutor. O médico, cada vez mais, pode trabalhar no hospital e não estar na carreira. Continuo a defender as carreiras intransigentemente, mas isso não significa que a associação não possa incluir médicos que não estejam na carreira, mas trabalhem nos hospitais, para que eles próprios se possam pronunciar sobre as carreiras.

Maior ligação entre os médicos

«TM» — O que pensa da criação das USF?
SM — A criação das USF é uma ideia boa, mas continua a perpetuar um vício, que é a separação absoluta entre clínicos gerais e médicos hospitalares, o que é mau. Partindo do princípio que os especialistas hospitalares devem ir aos centros de saúde — aliás, há várias experiências, por exemplo em Valência, em que todos os médicos fazem parte da mesma unidade de saúde —, as unidades locais de saúde, como a de Matosinhos, são um bom exemplo.
As USF têm contribuído para melhorar a situação dos médicos e dos doentes — com a prestação de mais cuidados domiciliários e um atendimento mais personalizado aos doentes —, mas também não têm tido a expansão que se previa.
«TM» — As unidades locais de saúde são um modelo positivo?
SM — O modelo de unidade local de saúde é positivo, mas quase não tem avançado porque as pessoas não querem. Acho fundamental que exista uma ligação maior entre os especialistas hospitalares e os de Medicina Geral e Familiar. Penso que nos centros de saúde devia haver, além da Medicina Geral e Familiar, outras especialidades. Isto é, em vez de os doentes se deslocarem aos hospitais para as consultas de especialidade, as especialidades viriam aos centros de saúde, as consultas externas dos hospitais deviam, em parte, ser feitas nos centros de saúde.

TM 1.º CADERNO de 2007.10.15
0712611C06107HN40A

João Semedo (entrevista TempoMedicina)

João Semedo defende médicos a tempo inteiro no SNS
«O temor em relação à exclusividade é infundado»
O Bloco de Esquerda defende um Serviço Nacional de Saúde (SNS) unicamente financiado por dinheiros públicos, com médicos em exclusividade integrados em carreiras. Ideias que deverão constar da sua proposta de alteração à Lei de Bases da Saúde e ao Estatuto do SNS, segundo o deputado João Semedo.
«Tempo Medicina» — Em que consistem as propostas de alteração da Lei de Bases da Saúde e do Estatuto do SNS, que o BE pretende apresentar?
João Semedo — Vamos iniciar agora o trabalho de preparação e redacção das propostas. Para nós, o problema fundamental é que as diversas intervenções e mutilações que o Estatuto do SNS e a Lei de Bases da Saúde foram sofrendo ao longo dos anos fazem com que estes, na sua versão actual, não blindem suficientemente o SNS às políticas que têm vindo a ser desenvolvidas.
«TM» — Como é que se blinda um estatuto ou uma lei às políticas governamentais, se a lei de bases diz que quem define a política de Saúde é o Governo?
JS — O problema é saber quais são os parâmetros em que se pode definir essa política. Em toda a avaliação que fizemos e naquilo que vamos propor, partimos de um princípio fundamental: o financiamento, a gestão e a prestação devem ser públicos. É exactamente isso que tem sido posto em causa e que este Governo põe em causa. Se desenvolvermos, como espero, uma lei de bases que parta deste princípio, teremos um SNS que é de facto um serviço público.
«TM» — Acha, então, que o SNS deve continuar a ser financiado unicamente pela via dos impostos?
JS — Acho que as pessoas não têm consciência de que temos hoje um sistema avançadíssimo, como não há muitos no Mundo. Nós pagamos todos para o SNS e pagamos de formas diferentes, em função das nossas remunerações.
Julgo que todos esses ideólogos da separação prestador/financiador, dos pagamentos diferenciados, etc., deviam pôr os olhos nos Estados Unidos, porque enquanto nós, ao nascermos em Portugal, temos todos o mesmo direito à saúde, nos Estados Unidos isso não existe. E o problema que os portugueses ainda não equacionaram é se querem regredir ao ponto de o direito à saúde ser apenas válido para alguns. Eu não quero, e bater-me-ei para que isso assim não seja.
«TM» — Pensa que as taxas moderadoras introduzidas recentemente representam uma tentativa nesse sentido?
JS — As taxas moderadoras não valem nada, mas para alguns sectores da sociedade portuguesa o actual valor das taxas já pesa na carteira. Globalmente, não chegam a 1% do orçamento da Saúde e então temos de perguntar para que foi toda aquela discussão. Se não moderam, porque como se vê as Urgências continuam cheias, só há uma explicação: as taxas moderadoras são a antecâmara dos pagamentos.

Exclusividade no SNS

«TM» — O BE defende também a exclusividade dos médicos que trabalham no SNS…
JS — Isso é outro problema. Não tenho muitas dúvidas de que o SNS tem de caminhar para a exclusividade de todos os seus profissionais como regra. No que não estamos de acordo é que isso seja feito por despacho ou decreto, isto tem de ser conseguido, têm de se criar condições de trabalho, remuneração e de carreira que fixem os profissionais.
«TM» — E acredita que isso é possível, no quadro actual de falta de médicos e de uma pirâmide etária médica muito envelhecida?
JS — Perfeitamente. Aliás, o que não percebo é por que o ministro caminha ao contrário. Correia de Campos fez recentemente um convite público à acumulação, e quando afirmou que vai reduzir os horários do sector público para os senhores doutores poderem ir trabalhar para o privado estamos ao nível do sacrilégio. Penso que deve ser exactamente ao contrário. É óbvio que há áreas em que a exclusividade iria causar dificuldades, mas nós não temos já dificuldades em Urologia, Dermatologia, Reumatologia, Oftalmologia, etc.? Um grande número de consultas e exames destas especialidades já é feito fora do SNS, pago pelo Estado, claro.
«TM» — Mas ao apostar na exclusividade e ao dizer aos médicos que ou ficam ou saem definitivamente do SNS, o que acha que vai acontecer?
JS — Não creio que tenhamos de pôr as coisas em termos do género: «a partir de dia 1 acabou!».
É também preciso dizer que os profissionais de saúde em Portugal são mal pagos, aliás, são pessimamente pagos no serviço público e optimamente pagos enquanto prestadores privados. É preciso pagar mais aos profissionais.
É claro que a exclusividade não se paga apenas pelas remunerações, embora elas sejam o essencial. Acho que o temor em relação à exclusividade é infundado. Onde estão os oftalmologistas do hospital de Faro? Ninguém lhes impôs exclusividade e eles já foram embora.
Hoje em dia, os que quiseram ir embora foram, e mais: o Estado até lhes garante o lugar, através das licenças sem vencimento, o que é outra vergonha.

Maria F. Teixeira / Susana Ribeiro Rodrigues

...CAIXA...

Carreiras diferentes

«TM» — O BE defende a manutenção das carreiras?
JS — Sem dúvida.
«TM» — Não acha que estas já acabaram, como vaticinam alguns?
JS — Não acabaram, há é uma situação nova. A política de recursos humanos do Governo basicamente assenta no fim dos vínculos e é preciso encontrar uma solução. Se o Governo, que tem maioria absoluta, decidiu assim, vai ser difícil reverter esta situação, que já existe hoje. Contudo, admito que é possível manter a estrutura das carreiras mesmo num quadro contratual diferente, isso já existe noutros países. As carreiras é a garantia, para os portugueses, de que os profissionais têm a formação devida. Acho que elas têm tanto mérito que dificilmente serão postas em causa, mesmo que seja necessário adaptá-las a um quadro em que o vínculo profissional seja de outra natureza.

...CAIXA...

BE quer retomar eleição do director clínico

O BE conta ainda apresentar até ao final do ano três propostas de lei relacionadas com a Saúde. Um deles visa a eleição interpares das direcções clínicas e de enfermagem. «Vamos muito em breve propor uma lei que retome a eleição do director clínico e do enfermeiro-director. Já foi assim. Aliás, foi Correia de Campos que acabou com isso», disse João Semedo, que não tem dúvidas de que esses cargos estão hoje politizados.
O estatuto das unidades locais de saúde (ULS) é outra das preocupações do BE, que vai propor um modelo mais abrangente, que inclua estruturas, como as autarquias, os bombeiros e outras que intervêm na prevenção e prestação de cuidados de saúde. Além disso, o BE sugere uma organização diferente das ULS. «Na prática, os hospitais mandam nos centros de saúde, e penso que os profissionais reagem mal a isso», defendeu o deputado.
Depois, o BE pretende apresentar uma proposta sobre a contratualização, ferramenta que considera «positiva», mas que deve ter «regras».

TM 1.º CADERNO de 2007.10.15
0712611C04107MF41B

Carreiras Médicas (TempoMedicina)

Ordem dos Médicos e sindicatos chegam a (algum) consenso
«Novas» carreiras terão quatro graus
A Ordem e os sindicatos médicos chegaram a um entendimento parcial sobre um regime de carreiras universal, que deverá assentar em quatro graus distintos. Apenas não parece haver consenso em relação à altura em que a proposta deve tomar a sua forma final e ser apresentada, aos médicos e ao Governo.
Serão quatro os graus de carreira que a Ordem dos Médicos (OM) passará a reconhecer. A proposta resulta da ideia, consensual entre OM e sindicatos, de que é preciso criar um sistema de carreiras autónomo, que abranja todos os médicos independentemente do seu local de trabalho. A Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) também concordam que a competência de reconhecer estes graus, apenas de cariz técnico-científico, deve permanecer nas mãos da Ordem e por isso a proposta começa agora a ganhar forma.
Como explicou ao «TM» o bastonário, Pedro Nunes, deverão existir quatro graus — o de médico não especialista (que corresponde aos internos), o de especialista, o de médico graduado e o de chefe de serviço. Embora Mário Jorge Neves, presidente da Fnam, seja cauteloso e diga que em relação a este aspecto «não há nenhuma decisão fechada», e Carlos Arroz, do SIM, discorde da criação de um grau para os internos (ver caixa), parece haver a intenção de seguir o esquema actualmente existente e consonância quanto à importância de ultrapassar os entraves que existem à manutenção e funcionamento do regime das carreiras. «Apesar de hoje haver carreiras, estas estão bloqueadas por não haver abertura de concursos para progressão. Por outro lado, há um manifesto desinteresse dos hospitais EPE pelas carreiras, o que pode ter consequências nefastas», advertiu Pedro Nunes.
Agora que está definido o «esqueleto geral», falta estabelecer os conteúdos funcionais destes quatro graus. Um trabalho que vai ainda exigir muito esforço às várias partes e que, na óptica do bastonário, só deverá ser apresentado e colocado à consideração dos médicos em Janeiro ou Fevereiro do próximo ano. Pedro Nunes frisa que «a Ordem reconhece que os sindicatos são fundamentais neste processo e não fará nada contra nenhum deles», mas considera que a proposta não deve ser discutida antes da realização das eleições da OM, em Dezembro próximo. «Este é um assunto demasiado sério para se prestar a ser contaminado por oportunismos eleitorais», argumentou o bastonário e candidato a um segundo mandato.

Timing político não deixa alternativa

Mas outro entendimento tem Mário Jorge Neves, que lembra a urgência de um entendimento ao nível médico devido aos timings impostos pelo Governo. O dirigente sindical sublinha que há uma lei da Assembleia da República que determina que a revisão das carreiras, vínculos e salários da Administração Pública seja feita até ao final deste ano, pelo que avisa: «O calendário institucional, definido pelo poder político, não se compadece com o calendário eleitoral da Ordem dos Médicos.» Para Mário Jorge Neves, as eleições na OM não podem condicionar a procura de um consenso entre as estruturas da classe, até porque se os prazos definidos forem cumpridos, os sindicatos serão chamados pelo Governo para começar a negociar a revisão da lei das carreiras médicas dentro de «três semanas ou, no máximo, um mês». «Admito que possa haver alguma preocupação com a não interferência do processo eleitoral numa matéria como esta, mas este limite temporal foi definido pelo poder político e por isso não há outra hipótese», acrescentou, ao «TM», o presidente da Fnam.
Não obstante, o dirigente fez questão de evidenciar a «preocupação mútua em encontrar soluções bem fundamentadas e que possibilitem consensos alargados», patente nas três reuniões e vários contactos de trabalho havidos entre a OM e a federação sindical que representa.

SIM também entra

Depois de já estar a trabalhar com a Fnam há algum tempo no projecto de carreiras médicas «universais», a Ordem dos Médicos conseguiu finalmente trazer para a mesa das negociações o SIM (que até agora se recusou a participar, ver edições do «TM» de 25 de Junho e 16 de Junho). A reunião entre os elementos do Conselho Nacional Executivo (CNE) e três dirigentes do SIM decorreu no passado dia 9 e, segundo Pedro Nunes, foi muito frutífera. «Houve uma consonância de posições muito significativa com o SIM, como aliás já havia com a Fnam», garantiu.

Maria F. Teixeira

...CAIXA...

«A linguagem dos médicos será uniforme»

O Sindicato Independente dos Médicos é menos entusiasta em relação a um possível novo regime de carreiras e prefere lutar pela preservação do modelo existente. «Os médicos têm carreiras e muito bem estruturadas», sublinhou Carlos Arroz, secretário-geral do SIM. O dirigente concorda com a intenção de criar um regime que abranja todos os clínicos, sejam do sector público ou privado, embora discorde da ideia de atribuir aos internos um grau de carreira. Além disso, frisa que a iniciativa de alterar o regime de carreiras vigente deve pertencer ao Governo. E, apesar das divergências, Carlos Arroz acredita que quando isso acontecer os médicos falarão a uma só voz. «Embora respeitando a individualidade de cada estrutura, tenho a certeza de que a linguagem dos médicos será uniforme», afirmou.
A Fnam também defende uma consonância de posições e por isso congratulou-se com a «entrada» do SIM no projecto de definição de um regime de carreiras assente na Ordem. «Tudo aquilo que puder contribuir para o consenso entre os médicos é muito bem-vindo e saudado», disse Mário Jorge Neves.

TM 1.º CADERNO de 2007.10.15
0712611C02107MF41H

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Os pobres que paguem a crise!

Os pobres que paguem a crise!*
Artigo do Prof. José Manuel Silva**

«Escrevo porque o erro, a degradação e a injustiça não devem ter razão»
Vergílio Ferreira

Encontrei esta citação num livro de Joaquim Sarmento, Fragmentos e Paixões, em cujo prefácio Manuel Alegre escreveu: «Há um homem (…) que gosta das suas raízes genuínas, mas é um cidadão do mundo (…) preocupa-se, interroga-se, um homem que, imagine-se, é socialista por convicção, o que é altamente inconveniente neste tempo de capitalismo global e selvagem.»
Revejo-me em Vergílio Ferreira, em Joaquim Sarmento, em Manuel Alegre e tantos outros que escrevem contra a injustiça, contra a degradação, contra o situacionismo, conta o capitalismo selvagem, contra o erro. Revejo-me em todos aqueles que têm a coragem de assumir posições contrárias ao politicamente correcto, de afrontar publicamente os poderes instituídos, de dizer não aos compromissos e aos ensurdecedores silêncios dos que comem as migalhas do poder.
Revejo-me em Alfredo Barroso, que na sua crónica do «Sol» (1-9-07), com o mesmo título deste editorial, não teve receio das frases fortes e, com todo o seu peso institucional, escreveu: «As grandes fortunas prosperam, tendo crescido 35,8% em relação a 2006»; «As diferenças de rendimentos entre ricos e pobres, em Portugal, atingiram uma dimensão inédita»; «Portugal é o país europeu que menos investe em Segurança Social»; «A perda de quaisquer estímulos ideológicos na luta política gerou um vazio ao nível das ideias, das convicções e dos princípios»; «Dizem as boas línguas que o Governo do engenheiro Sócrates tem feito “reformas muito corajosas”. Eu, que sempre fui má-língua, limito-me a perguntar: é preciso coragem para exigir aos pobres que paguem a crise?!».
Revejo-me em Diniz de Freitas («Diário de Coimbra», 10-7-07): «Ao contrário do que os actuais responsáveis da saúde proclamam, o custo e a qualidade podem melhorar em simultâneo»; «a tutela não só tem ignorado este princípio, mas agravou irresponsavelmente a situação ao destruir as carreiras médicas, um notável instrumento de ensino e formação, mas também de motivação e responsabilização»; de facto, assiste-se ao desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, que, apesar das suas imperfeições, atingiu uma honrosa 12.ª posição no concerto mundial, e testemunha-se a tessitura de um modelo de saúde virtual porque indefinível, abstruso porque ambíguo, incongruente porque desgarrado, casuístico e reactivo, e onde floresce, certamente por tudo isto, a pesporrência, a intimidação, a desorientação, a bajulação e a delação.
Revejo-me em António Arnaut («JN», 30-6-07): «Mas esquece os casos em que a existência de um médico num lugar isolado dá uma garantia psicológica às populações. E isso tem de se pagar, porque é também uma questão de coesão social. O Estado tem de suportar os custos da interioridade, como suporta os da insularidade.»
Revejo-me na seta para baixo do «Público», de 15-3-07: «Se fossem as populações, era de se lhes dar um desconto. Mas são os peritos da Comissão que sugeriu o fecho de alguns blocos de partos a dizer que há recomendações que não estão a ser cumpridas. Faltam médicos e equipamentos em algumas unidades que absorveram os partos das que encerraram. Não basta fechar, é preciso avaliar, senhor ministro. São os peritos que dizem…»
Poderia continuar quase indefinidamente na citação de insuspeitas vozes críticas da actual política de saúde. O espaço não mo permite.
Por tudo isto, é de salientar a desfaçatez com que o ministro da Saúde afirmou numa conferência organizada pela FLAD: «Não fazer nada seria a forma mais rápida de destruir o SNS» («Médico de Família», Junho 2007), quando a realidade mostra que a maioria das medidas por ele tomadas estão a acelerar irremediavelmente o arrasamento do SNS com a única preocupação de cumprir cegamente o orçamento, concentrar recursos afastando-os das populações mais desfavorecidas, transferir custos para os doentes e facilitar a implantação dos grandes grupos económicos. A este propósito são elucidativas as afirmações de João Silva Lopes, presidente do Montepio: «Hospitais privados só serão viáveis à custa do Estado» («VE», 28-08-07).
Nessa mesma conferência, Correia de Campos enumerou as suas três grandes prioridades: a reforma dos CSP, a rede de cuidados continuados e a sustentabilidade do SNS.
Que apreciações sucintas merecem estas prioridades?
-- A reforma dos CSP, não obstante a pureza dos objectivos, que sempre defendemos, e ter conseguido alguns avanços, enferma de problemas metodológicos graves, há muito detectados, que a têm atrasado de forma insustentável, com custos para o País.
-- A rede de cuidados continuados, apesar de financiada pelo dinheiro do euromilhões, demora e está a ser implementada de forma ineficiente, com reflexos negativos para os doentes, para os hospitais e para as Urgências.
-- A sustentabilidade (?!) do SNS está objectivamente a ser «conseguida» à custa da qualidade e funcionamento dos serviços e asfixia financeira das instituições.
Que comentários podemos fazer quando, no relatório clínico do internamento de um doente numa instituição hospitalar, no ano de 2007, os médicos são obrigados a escrever que o doente será chamado posteriormente para efectuar um medulograma pois não há agulhas de medulograma no serviço de Hematologia desse hospital?
Que dizer quando o ministro da Saúde pressiona os hospitais não para melhorarem e investirem em qualidade, mas unicamente para reduzirem as despesas e colocá-los a dar «lucro»?!
Que dizer dos obstáculos colocados ao real aumento da produtividade hospitalar, pois mais produção é mais despesa?
Que dizer quando concursos para aquisição de equipamentos e consumíveis são deliberadamente atrasados (com consequências para os doentes!) apenas para cumprir o orçamento?
Que dizer de um ministro que usa o relatório da reforma das Urgências apenas para acelerar o encerramento de SAP e Urgências hospitalares e não para abrir um único dos locais que deve abrir e equipar convenientemente os que precisam de ser equipados?
Que dizer de um ministro que até a facturação do seu Ministério, do Estado (!), entrega a empresas privadas, socorrendo-se de duvidosas contas a comprovar o «lucro»?
Que dizer de um ministro que se congratula com uma redução de 9,5 milhões na despesa do Estado com medicamentos nos primeiros sete meses deste ano, sabendo que os utentes viram o gasto com medicamentos crescer 92 milhões de euros?! («JN», 27-08-07).
Que dizer de um ministro que transforma SAP em SEP (serviços de enfermagem permanente), que quer transformar VMER em VEER (viaturas de enfermagem de emergência e reanimação), que quer retirar os médicos das equipas dos helicópteros do INEM, e que agora cria e nomeia o Chief Nursing Officer, uma espécie de representante dos enfermeiros nomeado pelo Governo português com um pomposo nome em inglês?!
Que dizer quando a imposição absurda do PRACE à Saúde, com despedimentos em série (eufemisticamente chamados de não renovações?), vai criar inultrapassáveis dificuldades às instituições de saúde com o encerramento de muitos programas, nomeadamente a nível da prevenção? Quem vai sofrer as consequências?
Que dizer de um ministro que alguns insistem em qualificar como grande especialista em Saúde (!?), que é um verdadeiro perito em «gaffes», como a da Ortopedia a quente ou a de que os doentes há mais tempo em lista de espera cirúrgica talvez sejam inoperáveis?!
Que dizer de um ministro da Saúde que promove uma reforma dos CSP assente nos agrupamentos de CS enquanto implementa e promete novas unidades locais de saúde?
Que dizer de um ministro que, prenhe de avanços e recuos, cria e mata o Centro Hospitalar da Beira Interior, eternizando uma indefinição que está a prejudicar os três hospitais envolvidos? Será esse o objectivo?!...
Mais uma vez poderia continuar quase indefinidamente na chamada de atenção dos cidadãos para as consequências dos erros da actual política da Saúde. Infelizmente, o espaço não mo permite.
A verdade é que os profissionais da saúde sentem cada vez com mais acuidade os graves problemas que estão a afectar a qualidade e funcionalidade do SNS, com falta de recursos físicos, humanos e financeiros a muitos níveis. Os principais prejudicados serão os doentes, porque a filosofia do SNS está a ser destruída activamente.
Será vergonhoso e um profundo despudor se o ministro da Saúde voltar a afirmar a sua alegria pelo cumprimento do Orçamento, porque quem está bem informado sabe que isso está a ser conseguido essencialmente à custa de um emagrecimento artificial e comprometimento da qualidade do SNS.
A verdade é as «grandes reformas» da Saúde pouco mais têm feito do que exigir aos pobres que paguem a crise!
Muito provavelmente este ministro será remodelado lá para Janeiro de 2008. Não vai deixar saudades. Esperemos que, ao mudar o ministro, também mude a política de Saúde!

*Texto publicado como «Editorial» no Boletim Informativo da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (série III, n.º 30)

** Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Texto publicado, em exclusivo, em TM ONLINE de 2007.10.08
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domingo, 15 de julho de 2007

SIM recusa participar em reunião promovida pela Ordem

Carreiras continuam a gerar discórdia
O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) mantém-se irredutível. Depois de ter recusado participar numa reunião em que a Ordem dos Médicos (OM) pretendia sentar à mesma mesa as duas estruturas de sindicatos médicos para com elas discutir carreiras médicas, voltou a dizer não a um segundo convite.
Como o «TM» noticiou na sua edição de 25 de Junho, o secretário-geral do SIM, Carlos Arroz, justificou a recusa em aceitar o convite da Ordem para a reunião que se realizou no dia 19 de Junho, apenas com a participação da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), com a falta de confiança nesta estrutura sindical, mas também com a proximidade das eleições para a Ordem dos Médicos. «Não é seguramente com o nosso contributo que qualquer candidato será eleito», afirmou na altura o dirigente do SIM.
A Ordem voltou a endereçar um convite ao SIM, para uma segunda reunião a realizar esta terça-feira, dia 17, mas a resposta do sindicato foi a mesma.

Artigo de opinião polémico

Contudo, para esta segunda recusa terá também contribuído, porventura, o artigo de opinião do presidente do Conselho Regional do Centro (CRC), José Manuel Silva, publicado no «TM» de 9 de Julho. Num extenso artigo recheado de palavras fortes, o dirigente do CRC, e sócio do sindicato como fez questão de referir, lamentou a postura do SIM e acusou-o de boicotar «repetidamente» várias iniciativas organizadas para debater carreiras médicas, como o Fórum Médico Nacional e o Fórum Regional do Centro.
Por seu turno, o SIM, pela voz de Jorge Silva, prefere não dar resposta a este artigo. «O secretariado nacional do SIM não vai comentar as considerações vertidas no artigo em questão, até porque a nossa posição sobre o tema das carreiras médicas pouco mudou desde 2004, ao contrário da de outras entidades e personagens. E, tal como noutras situações, é o SIM que traça a sua própria estratégia e timings, por muito que tal possa desagradar ou ser pouco conveniente para alguns», disse apenas o membro do secretariado nacional do SIM, em declarações ao nosso jornal.
Na carta enviada ao bastonário, Pedro Nunes, o SIM rejeita o convite, com alguma ironia. «É com profundíssimo lamento [título do artigo de opinião de José Manuel Silva] que o secretariado nacional do Sindicato Independente dos Médicos informa V. Ex.ª que esta organização não poderá estar presente na reunião supra e em resposta ao convite recebido para o dia 17 de Julho, uma vez que a maior parte dos seus elementos estão a gozar férias e outros estão curiosamente nessa data ao serviço da Ordem dos Médicos», lê-se na carta, datada de 10 de Julho e assinada por António Pedro Soure, a que o «TM» teve acesso.
No entanto, na mesma missiva, o sindicato apresenta disponibilidade para continuar a dialogar com a OM, sobre este e outros assuntos.

M.F.T.

TM 1.º CADERNO de 2007.07.16
0712531C06207MF28C

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Um profundíssimo lamento
Artigo do Prof. José Manuel Silva*

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM), depois de ter dado a entender que o aceitaria, à última hora recusou o convite da Ordem dos Médicos (OM) para uma reunião sobre carreiras médicas em conjunto com a FNAM. Está no seu pleno direito fazê-lo, assumindo as respectivas responsabilidades e consequências.
Não pensaria discutir ou criticar publicamente a posição do SIM, até porque prefiro escrever para «fora», mais do que fazê-lo para «dentro», não fora o facto de as justificações e referências à OM efectuadas pelo seu secretário-geral, numa entrevista ao «Tempo Medicina», serem totalmente inaceitáveis e, por conseguinte, não permitirem o meu silêncio. Pronuncio-me com a legitimidade acrescida pela minha condição de sócio do SIM.
Foram quatro os argumentos genéricos avançado pelo dr. Carlos Arroz para essa ausência, que irei analisar separadamente: a) Não é tempo para este debate, que assim surge «tarde de mais»; b) Falta de confiança na FNAM; c) «Não parece oportuno os parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos»; d) O SIM não quer favorecer nenhum dos candidatos a bastonário.

Análise dos argumentos

a) Não é tempo para este debate, que assim surge «tarde de mais».
Por duas ordens de razão, é profundamente estranho e incompreensível este argumento do SIM.
Durante este triénio a questão das carreiras médicas tem sido discutida em múltiplas ocasiões, pelo que não se entende que o SIM se refira a este debate como se apenas agora tivesse começado. Recorde-se que, em Março de 2006, o dr. Carlos Arroz esteve presente na Secção Regional do Centro da OM, numa mesa-redonda sobre carreiras, moderada pelo bastonário, em que também estiveram presentes a dr.ª Merlinde Madureira, o dr. Armando Gonsalves, o dr. Mário Jorge Rego e a prof.ª Maria do Céu Machado. Recorde-se que o dr. Carlos Arroz participou numa mesa-redonda sobre carreiras no XIII Congresso Nacional de Medicina, em Março de 2007. Recorde-se que o SIM boicotou repetidamente o Fórum Médico Regional do Centro, o Fórum Médico Nacional e as meritórias iniciativas da Associação Portuguesa dos Médicos da Carreira Hospitalar, onde também se discutiram as carreiras.
Por outro lado, encontramo-nos exactamente na altura em que irá ser lançada a discussão sobre carreiras com os parceiros sociais, na medida em que o Governo já aprovou a respectiva proposta de lei e estabeleceu o dia 1 de Janeiro de 2008 como data limite para a sua revisão. Se agora é «tarde de mais» para as organizações médicas procurarem unir-se e entender-se, então quando irá ser a altura adequada? Nunca?!...
b) Falta de confiança na FNAM.
A reunião foi solicitada pela OM, não pela FNAM, pelo que as alegadas questões de confiança estariam salvaguardadas pela presença da OM.
Infelizmente, pelo menos para alguns, as desconfianças do passado parecem prevalecer sobre os graves problemas, presentes e futuros, que afectam cada vez mais seriamente a classe médica. Será difícil de entender que a desunião nos prejudica a todos e é exactamente essa mesma desunião uma das fontes dos nossos actuais problemas? Será difícil de entender que é pelo facto de estarmos desunidos que o Ministério da Saúde dá repetidos sinais de que receia a classe dos enfermeiros mas não a classe dos médicos?!
Que fique bem claro que as atitudes divisionistas prejudicam objectivamente os médicos e beneficiam objectivamente o Ministério da Saúde e os seus desígnios! Será que é precisamente isso que alguns pretendem?
Todos têm o direito e a idoneidade para discordar, mas quando valores demasiado elevados estão em causa, como as carreiras, ninguém tem o direito de se furtar ao diálogo e à tentativa de concertação!
c) «Não parece oportuno os parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos».
Sinceramente, não compreendo em que é que uma reunião de trabalho, análise e discussão possa ser sinal de «ansiedade». A mim parecer-me-ia um sinal de ponderação, coordenação de vontades e união de forças. Pelos vistos, o SIM optou por transmitir para o Ministério mais um sinal de divisão da classe médica. Esteve mal. Tenho a certeza de que o Ministério se regozijou e agradeceu!....
Curiosamente, num lado o SIM considera o debate «tarde de mais» e noutro lado já aparenta que ainda há muito tempo, pelo que não há necessidade de dar sinais de «ansiedade»! Contradições?!...
Os raciocínios efectuadas a propósito da alínea a) também aqui se aplicam, pelo que não os irei repetir.
d) O SIM não quer favorecer nenhum dos candidatos a bastonário.
Devo dizer que concordo, defendo e aplaudo a neutralidade dos sindicatos e dos seus dirigentes máximos quanto às eleições da Ordem.
Porém, vendo a ausência do SIM por outro prisma, ao boicotar uma iniciativa do actual bastonário não se poderia pensar que o SIM pretende favorecer precisamente os seus já anunciados adversários? Julgo que não é demasiado complexo de perceber que, para quem quiser deleitar-se com análises políticas e agendas ocultas, tanto significado e influência eleitoral pode ter a presença como a ausência do SIM, se bem que com interpretações opostas, pelo que, perdoem-me, mas não consigo compreender este argumento do SIM!
Deveras inquietante é o facto de o SIM pensar que influencia decisivamente as eleições da Ordem por participar numa reunião de trabalho que se realiza seis meses antes das eleições! Será que o SIM pensa que a Ordem deve paralisar a sua actividade a seis meses das eleições? Ou a sete? Ou a oito? Ou a nove?...
Quando o próprio dr. Carlos Arroz reconhece que o grande e consequente debate sobre carreiras irá decorrer até ao final deste ano civil, será que acha que, porque tem eleições em Dezembro, a OM deve fechar para balanço e demitir-se desse debate?! É isso?!... Surpreendente…

Frustrante e lamentável

Não vou alongar-me em mais considerações sobre a postura do SIM. Cada médico retirará as suas conclusões e fará as suas leituras de tudo aquilo que se passou. Mas é profundamente frustrante e lamentável, para quem trabalha por espírito de missão e com grande dedicação na Ordem dos Médicos, assistir ao permanente divisionismo entre a classe médica, por questões indiscutivelmente menores e laterais ou de estratégia puramente eleitoral, e aos efeitos enormemente negativos que isso tem.
Talvez os médicos ainda não tenham compreendido que estamos todos no mesmo barco!
Os que trabalham na função pública estão a perder todas as pequenas regalias e benefícios que incentivavam uma total dedicação e empenho na causa pública. E começam a ter medo das perseguições e avaliações políticas do seu desempenho, e mesmo de perder a exclusividade.
A pequena iniciativa privada está a ser progressivamente asfixiada para se deixar vender e vencer pelos grandes grupos económicos. Retirarem-lhe a prerrogativa de passar atestados foi mais um pequeno passo…
Os médicos que optam por se tornarem assalariados dos grandes grupos irão sentir os verdadeiros problemas quando, dentro de pouco anos, o número de médicos jovens e dinâmicos em idade activa e produtiva começar de novo a aumentar.
Os jovens vêem os contratos que lhes são propostos, apesar da relativa falta de médicos, deteriorarem-se progressivamente. O vencimento base de TODOS os médicos continua indigno das responsabilidades, exigências, dificuldades e complexidades da profissão médica.
Se os médicos não abrirem rapidamente os olhos…
Lembram-se quando os enfermeiros marcaram uma greve por o então ministro, Luís Filipe Pereira, pretender aumentar as competências dos auxiliares? Como é possível que os médicos não façam exactamente o mesmo agora que o actual ministro, Correia de Campos, pretende substituir os médicos por enfermeiros, com óbvios prejuízos para os doentes?!
Desejável seria, de uma vez por todas, que os dirigentes das várias associações médicas soubessem definir uma condigna escala de prioridades, transmitir uma verdadeira imagem de união e identidade, e trabalhar em conjunto pelo benefício do colectivo, a única forma de fazer frente aos inimigos dos médicos, da qualidade e independência técnica e deontológica da Medicina e da nobreza, coerência e pendor social do Serviço Nacional de Saúde. Mais do que essencial, é vital que assim aconteça!

*Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Subtítulos e destaques da responsabilidade da Redacção

TM ONLINE de 2007.07.04
0727ANT4F0207JMA27C

domingo, 24 de junho de 2007

"Assunto carreiras médicas" juntou Ordem e FNAM

SIM diz que «é tarde de mais»
No passado dia 19, a Ordem dos Médicos convidou as duas estruturas sindicais para discutir carreiras médicas. A FNAM compareceu, ao contrário do SIM, considerando este sindicato que no momento actual a reunião não se justifica, até porque «não participa nas eleições da Ordem dos Médicos».
Ainda não foi desta que a Ordem dos Médicos (OM) conseguiu reunir à mesma mesa a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), para com estas estruturas discutir as carreiras médicas. Depois das tentativas falhadas no Fórum Médico Nacional, em que o SIM não participou, a reunião que se realizou na sede da OM, em Lisboa, redundou em igual «fracasso», voltando a ser notada a ausência deste sindicato.
O bastonário, Pedro Nunes, estava muito confiante nos resultados do encontro, como afirmou na entrevista que concedeu ao «TM» recentemente. «Neste momento existem todas as condições para se começar a trabalhar e estou muito esperançado na reunião [do dia 19]. Penso que a OM e os sindicatos encontrarão tranquilamente o seu espaço de intervenção e começar-se-á definitivamente a pôr em marcha um projecto de carreiras centrado na Ordem, que os sindicatos poderão, se assim o entenderem, utilizar para defesa dos médicos», disse então (ver nossa edição de 18 de Junho). E, mesmo depois da reunião, o dirigente da Ordem voltou a confirmar ao «TM» esse estado de espírito. «Estava convicto de que os dois sindicatos iriam participar, o SIM escusou-se à última hora, dadas as suas dificuldades de relacionamento com a FNAM, mas a Ordem cumpriu o seu papel», afirmou. O bastonário fez também questão de lembrar que esta é uma matéria «muito importante para os médicos, na qual a Ordem entende que os sindicatos devem participar».
Carlos Arroz, secretário-geral do SIM, explicou ao «TM» as razões da não comparência, que são várias. «O SIM anda há dois ou três anos, desde o tempo de Luís Filipe Pereira, atrás da Ordem e da FNAM para tentar falar sobre carreiras médicas. Neste momento, julgamos que é tarde de mais», afirmou.
O sindicalista não nega a importância do tema, mas considera que o timing não é oportuno. «Achamos que é preciso disciplinar as carreiras, até pela diversidade de instituições laborais, com características diferentes, que hoje existem. Esta é uma discussão importante, mas o Governo acabou de aprovar, em reunião do Conselho de Ministros, um documento genérico sobre as carreiras da função pública, o que quer dizer que muito provavelmente até ao final do ano irá abrir negociações sobre as carreiras específicas, nomeadamente as médicas», explicou. De facto, a «proposta de lei que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas», aprovada pelo Conselho de Ministros a 14 de Junho, estabelece 1 de Janeiro de 2008 como a data limite para que as carreiras específicas sejam revistas.
Para Carlos Arroz, estamos por isso «numa fase completamente diferente», na qual estrategicamente não parece «oportuno» os «parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos para que haja uma mudança nesta matéria». Até porque, adverte o dirigente do SIM, «normalmente as mudanças são para pior» e «os médicos têm carreiras». «Até os privados já aceitaram absorver aquilo que vigora em termos de carreiras médicas, nomeadamente nos acordos de empresa, e por isso devemos aguardar serenamente pela iniciativa governamental, uma vez que é ao Governo que compete legislar», frisou.

Falta de confiança na FNAM

Mas o sindicato alegou ainda outras duas razões de peso para não comparecer à reunião de dia 19. «O SIM não participa nas eleições da Ordem dos Médicos e não quer favorecer nenhum dos candidatos. E não nos parece pertinente, depois de todo este tempo, participar numa reunião sobre carreiras médicas, a cinco meses das eleições. Temos muito orgulho que Pedro Nunes seja fundador do SIM, mas não é seguramente com o nosso contributo que qualquer candidato será eleito», argumentou. Carlos Arroz acrescentou ainda que a decisão de não aceitar o convite da Ordem para participar na reunião foi tomada «por unanimidade», numa reunião em que participaram os membros do secretariado nacional e o presidente do SIM, António Bento (apoiante de Pedro Nunes).
Por fim, o sindicato alega falta de confiança «na lealdade da troca informativa exigível em processos desta natureza» por parte da FNAM. «Desde as questões dos internos que qualquer negociação que envolva a FNAM e o seu presidente é para nós vista com muita prudência», rematou.
A FNAM esteve na reunião representada pelo seu presidente, Mário Jorge Neves, por Merlinde Madureira, vice-presidente, e João Rodrigues, elemento da comissão executiva. Contactado pelo «TM», Mário Jorge Neves remeteu para o bastonário quaisquer declarações sobre o encontro, limitando-se a dizer que este «correu bem».

Maria F. Teixeira

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Próximos passos

Pedro Nunes contou que a reunião realizada com a FNAM serviu para elencar um conjunto de pontos em que as duas partes estão de acordo, em matéria de carreiras médicas. Este trabalho deverá ter continuidade numa próxima reunião, já agendada para Julho. Depois, deverá realizar-se um simpósio sobre o tema, em princípio em Setembro, à semelhança do que a Ordem promoveu sobre o início da vida. «Acordámos em realizar um evento para ouvir vários especialistas na matéria e fazer uma reflexão sobre este assunto tão importante para os médicos», acrescentou o bastonário.

...CAIXA...

FNAM pronuncia-se sobre carreiras da função pública

A FNAM considera que deveria ter sido ouvida no processo negocial da «reforma dos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública», até porque este «irá condicionar, de forma decisiva, a posterior negociação dos diplomas específicos», como sejam o referente às carreiras médicas, cuja revisão já foi «prometida» pelo ministro da Saúde. Por isso, publicou no seu site excertos do documento, destacando alguns aspectos particularmente importantes para os médicos. Para a FNAM, este projecto é um «enorme retrocesso» no que diz respeito aos direitos laborais dos funcionários públicos e «constitui um instrumento de precarização generalizada». Os únicos beneficiados por este diploma, segundo a federação sindical, são os dirigentes da função pública, a quem é concedida uma «ampla protecção legal» e um «substancial alargamento dos poderes e atribuições, ainda que sem qualquer enquadramento ao nível da correspondente responsabilização».
Por tudo isto, a FNAM compromete-se a apresentar «uma proposta estruturada de revisão das carreiras médicas que promova a dignificação do trabalho médico e assegure, em igual grau de exigência, a responsabilização de todos os médicos e dos cargos de chefia».

TM 1.º CADERNO de 2007.06.25
0712501C04107MF25B

domingo, 10 de junho de 2007

Comentário de É-Pá a post no Saude SA

comentário de É-Pá in "as ameaças ao SMS"

Lá vou tentar descer do Rocinante e aproximar-me da Dulcinea – (o SNS) …

Comecemos, pelo contexto ideológico, básico, mas nesta situação é inevitável ser redundante para não ser omisso, nem equívoco.

Penso que a Esquerda bate-se ferozmente pela intransigente defesa do Estado Social, mas não sabe como defendê-lo.
O papel social do Estado, não apenas na Saúde, encontra-se consagrado na Constituição da República (art. 63º e seguintes).
Todos conhecemos (ou devemos conhecer) os termos genéricos dos direitos sociais aí definidos que incluíam a educação, a assistência médica e medicamentosa, o subsídio de desemprego, o salário mínimo, os abonos de família, etc.O que temos de debater, sem quaisquer complexos de vivermos em contextos ideológicos que nos separam politicamente, são os pressupostos que informam a legislação portuguesa na área da Saúde, desde 1979, ano da criação do SNS. Aí, define-se que o Estado deve assegurar o direito à saúde (promoção, prevenção e vigilância) a todos os cidadãos.A partir desta preposição, ou independentemente destes pressupostos, acreditamos ou não no Estado Social.

Pessoalmente, quer por formação política ou por deformação profissional, acredito na necessidade da existência de um Estado que defenda, promova e assegure os direitos sociais de todos os cidadãos. Esta não é uma posição estritamente marxista acerca do papel do Estado, sendo compartilhada por amplos sectores ideológicos e, até, pela da Igreja, explicitada na encíclica “Rerum Novarum” de Leão XIII, que nos finais do século XIX, sistematizou a chamada “doutrina social da Igreja”.
Na verdade, quem no século XX, conseguiu levantar do chão este Estado Social, não foram nem os regimes comunistas do Leste da Europa, nem os sistemas democratas-cristãos do Ocidente. Foram, uma espécie de “bissectriz” deste amplo espectro político, i.e., as sociais-democracias do Norte da Europa.
Cedo se verificou que este Estado Social era um sorvedouro dos dinheiros públicos e seria necessário encontrar fontes de financiamento que o garantissem. Mas, apesar deste enorme condicionalismo, poucos ou raros quadrantes políticos o punham em causa.
Continuou a alimentar-se do OGE e a consumir uma progressiva percentagem do PIB.

Na verdade, a Lei de Bases da Saúde portuguesa (1990) será o primeiro documento político do regime democrático, que equaciona – sem o resolver - o problema da sustentabilidade do SNS.
É nesta década de 90 que, decorrente do fim da bipolarização do Mundo, com o desmoronar dos regimes de Leste, surge no ambiente político forças neo-liberais que, desabridamente, questionam o papel social do Estado. Em toda a “velha” Europa levanta-se o espantalho da destruição do Estado Social.

A sua defesa torna-se uma bandeira da Esquerda unindo comunistas, socialistas, sociais-democratas, radicais e, naturalmente, o movimento sindical. A Direita levanta o espantalho dos custos económicos das políticas sociais e temendo as consequências de propor a extinção dos direitos sociais, que informam o património político e cultural europeu, envereda por defender sistemas mistos, quer na Saúde, quer na Educação, quer na Segurança Social.
Ou seja, insidiosos percursos de transição no sentido da privatização (leoninas parcerias são o melhor instrumento), que resultam na apropriação pelo capital do pilar social.

E assim, sucumbem os meios públicos para assegurar as políticas sociais.

O desenvolvimento do SNS no sentido que garantir equidade, acessibilidade e qualidade aos cidadãos-utentes, trouxe um permanente deslizamento orçamental e constantes dores de cabeça aos sucessivos governos, sendo o objecto de constantes “chicanas políticas” entre o Poder e as Oposições e vice-versa. Deste modo, o Estado Social começou a ser atormentado por terríveis espectros de sobrevivência.

Os partidos políticos (quaisquer que sejam), quando na oposição, defendem-no acerrimamente e uma vez no poder não sabem como pagá-lo. Não há a coragem política de o afrontar directamente. Todos sabem (Esquerda, Centro e Direita) que os custos políticos, resultantes da sua extinção ou amputação, são incomportáveis. Tentam “passar a bola” de uns para os outros a ver quem “escorrega”.

O Estado Social, e por consequência a subsistência do SNS, que é uma emanação directa da tributação sobre os rendimentos dos portugueses conhece, então, diversas perversões. A primeira, terá sido a infeliz subtileza e a pérfida indefinição do “tendencialmente gratuito”. Depois, aparecem as “taxas moderadoras” e todos os artifícios – só iludíveis por um discurso bacoco que apela ao não discernimento - para encobrir uma programada caminhada para esquemas de co-pagamento e de auto-financiamento. Nada, nenhum destes malabarismos, consegue tapar o deficit crónico que se acumula de ano para ano.

Porque, a Saúde, enquanto bem social é isso mesmo.
Porque, os gastos na Saúde em Portugal são sempre referenciados a um PIB pobre - não tenhamos vergonha de o admitir - e tal situação, coloca-nos, artificialmente, na média europeia. Mas quando consideramos os gastos “per capita” com a saúde, Portugal “produz” - fundamentalmente através do SNS - uma importante prestação social barata e qualificada. E uma prestação global à frente de Países ditos “ricos” ou economicamente desenvolvidos.

Esta é a falácia constantemente omitida pelos coveiros dos direitos sociais.

Claro que é sempre possível obter ganhos em eficiência, nomeadamente, através da introdução de novos métodos de gestão, da qualificação e motivação dos profissionais, da melhoria dos sistemas de informação, da acuidade e fiabilidade das análises financeiras e contabilísticas, da racionalização (não racionamento!) do consumo de medicamentos e de meios complementares de diagnóstico, da aposta em medidas de prevenção e, finalmente, da promoção da educação sanitária da população. Isto é verdade para qualquer sistema, em qualquer parte do Mundo.
E, é, também, isso que o SNS tem de fazer.

O SNS está, no caso do nosso País, condicionado por questões orçamentais subsidiárias do PEC. È justo que assim seja num quadro de solidariedade nacional.
É normal que se procurem novas soluções.
As PPP’s, por exemplo.
Estas, aparentemente, capazes de aliviar o peso orçamental da Saúde, não abrem caminhos para grandes voos. Elas, politicamente, introduzem o mercado na área social o que, na ausência de um poder fiscalizador eficaz, ágil e pronto, podem introduzir novas perversões. Uma delas será, ao contrário do que se deseja, o disparar dos custos.

Todos conhecemos a (in)capacidade fiscalizadora do aparelho de Estado. Outra, mais perversa, será – no momento político azado - apropriar-se do “P” de público e alijar pela borda o “P” de parceria.

As dificuldades orçamentais do Estado não são independentes, nem estranhas, aos portugueses. Isto é, quando o Estado está com dificuldades orçamentais, a maioria dos portugueses tem problemas. Quando não crescemos economicamente ou quando o Estado não consegue controlar a despesa, é sobre a sociedade que isso se reflecte. Isto é, para a grande maioria dos portugueses os direitos sociais são, nessas alturas, determinantes e essenciais.
Por isso, nas situações de crise, julgo que a dotação orçamental da Saúde não pode sofrer cortes.

O Estado tem o dever de salvaguardar a capacidade de manter as prestações sociais. De ser o “guarda-chuva” do implacável rebate social, advindo das más condições económicas ou financeiras. Nesta situação, contenções orçamentais no sector social, ditadas por condições financeiras adversas, podem ser sinónimo de rupturas sociais.

Entre 2004 e 2007, as despesas totais do Estado aumentaram 9,6%, enquanto que as despesas com a Educação e Saúde dos portugueses cresceram apenas 2,2%. O SNS, apesar de todos os esforços de racionalização das despesas e das reformas para o aumento da eficiência é, apesar disso, uma das vítimas desta contenção “cega”.
Mesmo assim, “aguentou-se”, tornando-se, é notório, mais frágil.

Não pode é ser permanentemente exaurido. Porque a sobrevivência do SNS, joga-se, exactamente, aqui.
Uma persistente “sub-orçamentação” do SNS, abre espaços que serão (estão a ser), num lógica neoliberal, rapidamente preenchidos pelo sector privado.
A lógica neoliberal pode ser, tão somente, uma oportunista proposta de redução de impostos. A primeira vítima será o Estado Social.
O Estado não pode ficar “prisioneiro” de opções políticas, aparentemente, estratégicas, mas, na prática, “esvaziadoras” do Estado Social. Não pode permitir que as estratégias de desenvolvimento sejam ensombradas por um dilacerante e falso dilema: “para salvar o sistema, é necessário abdicar de direitos sociais”. Ou chamemos-lhes, antes, “regalias” porque, depreciando-os, será mais fácil abocanhá-los.

O Estado não pode “deslocalizar” para o mercado, a resolução dos problemas sociais. O mercado por mais virtuosidades que lhe atribuíam, não tem essa capacidade!

É aqui que entra a política “pura e dura”. Incompatível com estilos de governação híbridos, politicamente indefinidos (centristas), teoricamente abrangentes, ditos, “pragmáticos”. O pragmatismo é o vazio político sistematizado. É a política feita por contabilistas.

Vivemos na “velha” Europa subsidiária dos direitos sociais. Mas, também, observamos uma Europa que, paulatinamente, desde o fim da II Guerra, começou a “demolir” o Pacto Social, fundamental para a sua reconstrução. Uma Europa organizada num modelo supranacional que, hoje, é o principal canal e um expedito veículo para a introdução dos conceitos e políticas neoliberais, nas nações agregadas.

É preciso remover as condições objectivas que facilitam a instalação (restauração), no espaço europeu, dessas políticas neoliberais travestidas de imensas e aliciantes racionalidades económicas, visionárias de sucessos imediatos, mas totalmente vazias de solidariedade e equidade social.
Porque a sua progressiva instalação vai acabar por “matar” o SNS.

Há uma maneira de, politicamente, resolver estas questões: um Governo socialista que execute políticas socialistas.

Poderá ser dificil no actual contexto, mas não é exigir muito!
7:20 PM

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Os números estão com gripe?

Artigo do Prof. José Manuel Silva*

O Ministério da Saúde afirma que o encerramento dos SAP não teve um «impacte significativo» nas Urgências. Parece que voltámos ao tempo de Luís Filipe Pereira. Um ministro autista, sempre pronto a manipular números, a mesma política anti-social e antimédica, e o primado da contabilidade duvidosa!
Esclareça-se que a Ordem dos Médicos nunca esteve contra o encerramento de alguns SAP, desde que aos cidadãos fosse disponibilizada um verdadeira alternativa e desde que fosse avaliada, e quando necessário reforçada, a capacidade de resposta das Urgências hospitalares. Por exemplo, nunca discutimos o encerramento do SAP de Coimbra, uma cidade com três Urgências abertas 24 horas por dia.
Também não contestámos o encerramento nocturno dos SAP nem nos opusemos a que os SAP diurnos fossem transformados em consultas abertas, desde que a cobertura das respectivas populações em situações de urgência/emergência estivesse devidamente assegurada pela proximidade a serviços de Urgência e/ou por verdadeiras viaturas de emergência médica.
Não podemos esquecer, todavia, que, mesmo tendo o ministro da Saúde desvalorizado insultuosamente a qualidade do trabalho realizado nos SAP, a verdade é que o INEM os considerava e considera verdadeiros serviços de Urgência, para eles transportando todo o tipo de doentes, mesmo os mais graves.
Lamentável é que o Ministério da Saúde e os seus amigos tenham repetido à exaustão a demagogia de que o encerramento dos SAP iria libertar médicos para realizar milhões de consultas adicionais, quando a esmagadora maioria desses serviços era, e é, realizada em horas extraordinárias, pelo que não afecta o período normal de trabalho, e as consultas abertas continuam a exigir escalas de disponibilidade!

Consequências dos encerramentos

Porém, naturalmente que chamámos a atenção para as naturais consequências dos encerramentos. Fechar recursos obriga os doentes a recorrer a outros, que irão ser mais solicitados, e pode mesmo atrasar o atendimento em situações de desequilíbrio iminente, porque afasta os necessários recursos para mais longe. Para além de criticarmos violentamente e responsabilizarmos o ministro pelas consequências da substituição de médicos por enfermeiros, como aconteceu no já desfavorecido distrito de Bragança, que ficou ainda mais distante do Terreiro do Paço.
Para prevenir algumas das complexas confusões que têm surgido no terreno com a assistência a doentes, instámos o Ministério da Saúde a definir o que são consultas abertas, e o ministro a isso se comprometeu. Não inesperadamente, ainda não é conhecido nenhum regulamento das chamadas consultas abertas, revelando a confrangedora falta de interesse e competência do Ministério da Saúde e das suas comissões em definir regras claras e transparentes para o funcionamento dos centros de saúde. Nem sequer existe capacidade para colocar um ponto final na bagunçada de nomes que por esse país fora são atribuídos às «consultas abertas»!
É evidente -- de estranhar seria o contrário -- que todas estas indefinições e encerramentos têm consequências, porque os doentes precisam de uma resposta clínica atempada. Não vamos, neste texto, repisar a questão da potencial deterioração de situações clínicas mais graves pelo dilatar do atendimento e as implicações na procura devidas ao afastamento dos recursos, vamos apenas dissecar a política dos números.
Para grande satisfação dos seus responsáveis, um estudo do MS concluiu que encerrar SAP não teve reflexos lineares nas Urgências hospitalares. É interessante o adjectivo «lineares», o que significa que o MS reconhece que houve reflexos, só que não foram «lineares»…

Considerações sobre o relatório

Algumas considerações sobre o relatório disponível no Portal da Saúde:
-- Pasme-se, as conclusões do referido relatório baseiam-se em dados que não são disponibilizados online e não é possível perceber se a análise da origem nocturna dos doentes que recorreram aos HUC e CHC foi feita por freguesia ou por concelho, o que faz muita diferença! Por outro lado, em termos estatísticos, as médias mensais fornecem uma informação limitada!
-- Apesar de reconhecer que a procura aumentou generalizadamente no final de 2006 relativamente a 2005, a única preocupação do relatório foi afirmar que «a ideia, mais simplista e redutora, de que o encerramento de SAP no período nocturno causa forte impacte, mensurável, na procura de Urgências hospitalares, não foi validada pelos dados apresentados». Todos os outros pontos que necessitavam de avaliação e diagnóstico, como o inusitado aumento da procura das Urgências, esta sim, uma questão ponderosa, foram completamente ignorados! Nem uma palavra! Para não ser demasiado antipático, digamos apenas que foi uma conclusão «simplista e redutora»…
-- Que enorme confusão grassa no MS com as infecções virais do tracto respiratório! Depois de o MS ter passado o Inverno a afirmar que não havia epidemia de gripe, agora o relatório vem justificar o enorme afluxo às Urgências hospitalares com a epidemia de gripe do fim de 2006, princípio de 2007! Curioso é que no Diário Digital de 8-2-07, o mesmo MS afirmou que «a actividade gripal em Portugal não está a ser mais intensa do que em anos anteriores»!
-- Particularmente interessante este parágrafo do Público, de 9-2-07: «Considerado preocupante é o facto de as consultas nos centros de saúde -- que deveriam ser a principal porta de entrada para o tratamento de “gripes triviais” -- não ter registado uma subida tão grande como nos hospitais. Houve 17 mil idas aos centros de saúde a 5 de Fevereiro, quando nos dias de maior procura, em epidemia de gripe, costuma chegar-se aos 26 mil episódios. “A procura nos centros de saúde este ano é a mais baixa de sempre”, lê-se no comunicado do MS.» Sim, é o mesmo MS!...
-- Afinal, meus senhores do MS, os «surtos» de gripe flutuam conforme as conveniências, ora existem, ora não existem?!
-- Afinal, meus senhores do MS, o que se passa em Portugal? Onde está a reforma dos CSP e para quando os seus urgentíssimos efeitos? Porque é que os doentes recorrem cada vez mais às Urgências hospitalares e não aos centros de saúde? O gabinete do distinto MS não é capaz de produzir nenhuma explicação, nem uma?
-- Para fugir à questão das gripes e vírus quejandos, analisemos os dados referentes aos meses de Novembro, antes dos «surtos» de gripe, comparando 2006 com 2005, ou seja, depois e antes dos encerramentos: os aumentos foram de 8,3% nos HUC, 15,5% no CHC, 1,5% na Figueira da Foz, 12,6% em Beja, 16,7% no Barlavento Algarvio, 6,4% em Vila Franca de Xira, 10,7% em Aveiro, 9,8% em Viseu, 14,7% na Guarda, 2% na Feira, 7,6% em Évora, 13% em Leiria. Vistos assim, os números são impressionantes, não são? E para isto, o gabinete do MS nem sequer tem tentativas de interpretação?

Perceber porque aumenta a procura

Não tenho quaisquer dúvidas de que o encerramento de recursos nos centros de saúde, os sucessivos ataques aos médicos, que têm levado muitos a reformar-se precocemente, e as tristes e absurdas afirmações do senhor ministro a incentivar o recurso às Urgências hospitalares (recordam-se de quando e porque foram proferidas?...) contribuíram para aumentar o afluxo de doentes aos hospitais em detrimento dos centros de saúde. Só anjinhos papudos poderiam pensar que todas as medidas e afirmações que têm vindo a ser tomadas e proferidas seriam inocentes. Uma questão que deveria ter suscitado algum esforço neuronal do gabinete do distinto MS era precisamente a de perceber porque aumenta generalizada e progressivamente a procura das Urgências hospitalares.
As razões mais íntimas e correctas dos números só poderão ser encontradas com verdadeiras auditorias, objectivas, exaustivas, inteligentes e independentes. Daquelas de que muitos não gostam, porque não dá para controlar as conclusões… Por exemplo, quem ia de noite aos SAP passou a esperar mais pela manhã para ir às Urgências hospitalares, porque estas ficaram mais longe? Até que ponto os tempos de espera nas Urgências, que se agravaram, desincentivam os doentes de a elas recorrer -- será esse o objectivo?... E com que consequências? Etc., etc.
Convém ter presente que a falta dos SAP nocturnos se faz sentir essencialmente nos períodos de maior necessidade, pois funcionavam como uma almofada que agora se perdeu.
Por tudo isto, na região que tão bem conhecemos, vemos com imensa preocupação o anunciado encerramento das Urgências de Cantanhede e Anadia; esperemos que prevaleça o bom senso e não o frio economicismo. Para que ninguém diga que não sabia e para responsabilizar quem de direito, volto a repetir que, em períodos de maior afluxo, a capacidade de resposta física e humana da generalidade das Urgências hospitalares é completamente ultrapassada, colocando em causa a qualidade do serviço aí prestado!
Mas, independentemente de todas estas questões e da atabalhoada e simplista tentativa de branqueamento da realidade, o mais importante era que se fizesse uma análise rigorosa das razões que levam ao entupimento das Urgências hospitalares nos períodos de maior procura, uma factualidade indesmentível, a fim de procurar as soluções mais adequadas para este grave problema, impossível de resolver sem a bendita reforma dos CSP. Fica o desafio para o gabinete do MS.

*Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Subtítulos e destaques da Responsabilidade da Redacção

TM ONLINE de 2007.06.06
0723ANT4F0107JMA23B

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Listas de espera para cirurgia - um mal ou um bem?

Um mal ou um bem?
Listas de espera para cirurgia
Artigo do Dr. Coriolano Magalhães*

Colocar a questão se as listas de espera para cirurgia são um mal ou um bem parece quase um anacronismo. Se os doentes estão em lista de espera é porque devem padecer de doenças cuja tratamento implica uma cirurgia para aliviar o seu sofrimento, e portanto esperar pela operação só contribuirá para prolongar esse sofrimento.
Mas será que esta premissa é assim tão linear e que todos os doentes que os médicos colocam em lista de espera para cirurgia têm doenças que a cirurgia ajude a tratar? Ou que seja esta a melhor opção terapêutica?
Será que todos os doentes que são operados melhoram, ou será que são colocadas indicações cirúrgicas excessivas e as cirurgias, por vezes, não contribuem para melhorar os doentes e podem mesmo provocar o agravamento das suas queixas?

Quem está nas listas

Os doentes com patologias que possam colocar em risco a vida e com indicação para tratamento cirúrgico, como tumores malignos ou os tumores benignos de localização em que o crescimento possa ser gravemente lesivo ou mesmo letal, são na sua grande maioria operados em tempo útil, isto é, a tempo de evitar que a evolução natural da doença coloque em risco a qualidade de vida ou provoque a morte, e embora pontualmente possa ocorrer violação desta regra é excepcional que doentes com doenças graves estejam incluídos nas listas de espera.
A grande maioria dos doentes das listas têm doenças que, embora provoquem sofrimento e afectem a qualidade de vida, raramente colocam o risco de falecimento por causa dessa doença. Cito alguns exemplos destas doenças: cataratas, escoliose, pequenas hérnias da parede abdominal, varizes dos membros inferiores, hérnia discal, artrose da anca, síndroma do túnel cárpico.

Critério para operar

Estes tipos de doenças têm vários graus de gravidade e nem sempre colocam indicação cirúrgica; existem critérios para tratamento operatório ou tratamento conservador.
Só que esses critérios são aplicados com grande variabilidade de cirurgião para cirurgião. Essa variabilidade nem sempre obedece a critérios estritamente médicos. Enuncio algumas dessas variáveis que podem condicionar a decisão: a experiência do cirurgião e sua equipa; a qualidade e a tecnologia do estabelecimento hospitalar; os interesses económicos do cirurgião — cirurgia paga (vulgarmente em hospital privado) ou não paga (hospital público); a simulação e os interesses escondidos do doente — manter-se de baixa, indemnização a ser paga por uma companhia de seguros; o carácter mais ou menos intervencionista do cirurgião.

Critérios excessivos

Há cerca de 30 anos um cirurgião pediatra americano que constatara que os cálculos biliares continham partículas radioactivas advogou que todos as crianças fossem operadas nos primeiros tempos de vida para excisão da vesícula biliar, local onde mais frequentemente se formam os cálculos biliares, para evitar que a radioactividade dessas partículas, actuando ao longo dos anos, viesse a provocar tumores malignos na vesícula na idade adulta.
É claro que houve bom senso para que esta medida exagerada não fosse adoptada, dado não haver uma incidência de tumores da vesícula que justifique efectuar milhões de cirurgias em todo o mundo para, eventualmente e não de certeza, prevenir um reduzido número de tumores.
Mas o mesmo bom senso não funcionou entre a classe médica durante décadas no que se refere aos milhões de mutilações efectuadas para extirpar as amígdalas, até que se demonstrou que a maioria dessas cirurgias eram perfeitamente inúteis e que provocavam mais inconvenientes que benefícios.

Operar ou não operar

Sabemos que há um número significativo de cirurgias que não contribuem para a melhoria das doenças, e também sabemos que um número significativo de doentes piora por terem sido operados, independentemente da boa técnica cirúrgica.
É utópico pensar que todos os actos cirúrgicos serão sempre bem sucedidos, mesmo que tecnicamente bem executados, porque há variantes que determinam o resultado final.
Mas esta premissa não pode servir para alimentar a aceitação de um número de insucessos cirúrgicos exagerado em relação à média esperada para um determinado tipo de cirurgia.
A correcta indicação cirúrgica é o primeiro passo para o sucesso ou insucesso da cirurgia.
Os insucessos cirúrgicos ficam economicamente caros, não só pelos custos dos actos cirúrgicos inúteis e falhados, mas também pelo acréscimo de despesa que acarretam para tratar os males que provocam.
Os números dos insucessos cirúrgicos podem ser tolerados se estiverem dentro dos valores estatisticamente aceitáveis, mas, se esses valores são exagerados, os cirurgiões e os serviços de Cirurgia onde o facto ocorre devem ser alertados para corrigirem os seus critérios cirúrgicos.

Como se faz a lista

Analisemos o processo desde a inscrição na lista até ao acto cirúrgico.
As listas formam-se nos hospitais públicos que recebem pedidos de consultas de Cirurgia, mais frequentemente por iniciativa dos centros de saúde onde os doentes estão inscritos por iniciativa própria. É assim o sistema em vigor. Naturalmente que também há doentes que marcam a consulta para um determinado médico por sua livre vontade, mas é uma percentagem menor.
Quando o cirurgião lhe atribui indicação cirúrgica, o doente dá o consentimento para ser operado, assinando uma declaração em que consta que foi devidamente informado pelo cirurgião sobre a sua doença e dos actos cirúrgicos a que irá ser submetido.
Pelo depoimento de alguns doentes fica a dúvida se neste primeiro passo ficam devidamente informados das alternativas de tratamento, das vantagens, desvantagens e das consequências do acto cirúrgico a que vão ser submetidos.
Do que não há dúvida é que, esclarecidos ou não, decididos ou vacilantes, assinam e só assim podem ser inscritos na lista.
Por vezes, os doentes referem que, aquando da decisão de os inscrever, o cirurgião tem o cuidado de informar que os inscritos na lista de espera poderão ter que aguardar cerca de um ano ou mais, e que poderá não ser ele próprio mas sim um outro o cirurgião a efectuar a cirurgia. Também por vezes informam que não terão que aguardar tanto tempo pela cirurgia se tiverem um sistema de saúde ou possibilidade económica que permita serem operados em hospital ou clínica privada, podendo ser ele o cirurgião a efectuar a operação.
Esta última informação é geralmente inútil porque a grande maioria dos doentes aguarda e só muito excepcionalmente os cirurgiões encontram nas consultas hospitalares um doente que decida alargar os cordões à bolsa, porque, na realidade, a maioria não tem bolsa a que possa alargar os cordões.

A chamada

Se o doente não for chamado dentro de seis meses para ser operado no hospital onde ficou inscrito poderá então ser chamado, ao abrigo do programa SIGIC, para ser operado em sistema convencionado, no mesmo hospital onde foi feita a sua inscrição ou noutro hospital público ou privado, sendo o acto cirúrgico pago pelo programa, à peça, mas por valores que são bastante inferiores ao da maioria das convenções ou seguros de doença.
Quando chamado, será ou não reavaliado pelo cirurgião que o vai operar. Se for reavaliado, este poderá achar que não coloca indicação cirúrgica e recusar o doente para cirurgia. Se o doente for chamado para um desses sítios em que não é feita reavaliação da situação clínica após os vários meses de espera, será operado com base no critério puro e simples de que se está na lista de espera e respondeu à chamada é para ser operado.

Quem responde à chamada

Quando as funcionárias administrativas do serviço hospitalar onde trabalho têm que chamar doentes inscritos nas listas de espera, pelos vários médicos, frequentemente os doentes recusam vir para serem operados. Tentei quantificar estas recusas e constatei que para obter a anuência de um doente tinham que, em média, ser contactados seis.
Portanto, e em média, por cada seis doentes da lista de espera de Neurocirurgia, cinco recusam a cirurgia.
Decidi tentar saber se era um problema só dos doentes de Neurocirurgia ou era uma «doença» que também atingia as outras especialidades cirúrgicas.
Percorri os diferentes serviços do hospital conversando com os funcionários administrativos que tinham a cargo a chamada dos doentes das várias especialidades cirúrgicas com listas de espera e fiquei a saber que a «doença» era geral.
O número de contactos que os funcionários tinham que fazer para conseguir um doente que concordasse em vir para ser operado variava em função da especialidade cirúrgica. Essa variação era em média de quatro a oito doentes contactados para conseguir um.
Eram múltiplas e variadas as justificações dos doentes para recusar a cirurgia.
Se tantos doentes recusam a cirurgia, de certeza que uma boa percentagem melhora espontaneamente. Pode-se concluir que são postas excessivas indicações operatórias e que o tempo se encarrega de melhorar o que o cirurgião pensava que só melhoraria com cirurgia.
Mas seriam só os médicos do meu hospital que estavam a colocar excessivas indicações cirúrgicas?
Averiguei junto de colegas de outros hospitais qual era a sensação que tinham em relação à anuência à cirurgia dos doentes da sua lista de espera e confirmaram análogo comportamento por parte dos doentes chamados para os seus hospitais.
O que concluir?
É claro que os doentes têm quase sempre uma boa dose de medo de serem operados, mas não se torna credível que o seu medo seja tão grande e frequente que justifique decidir carregar com a doença que o cirurgião determinou que deveria ser erradicada cirurgicamente. É mais credível que tenham melhorado sem cirurgia.

A cirurgia

Pelos preços pagos, as clínicas privadas põem em funcionamento esquemas para estes doentes que são proporcionais ao que recebem.
Não é raro que coloquem condições aos médicos para que sejam efectuadas as cirurgias num determinado tempo de modo a rentabilizar o bloco operatório para poderem efectuar um número de cirurgias que torne o acordo com o programa SIGIC rentável.
E também condicionam o internamento a um período curto de modo a que as camas de enfermaria possam ser devidamente rentabilizadas.
Os doentes que possam vir a precisar de cirurgias mais prolongadas ou internamentos mais longos são recusados para serem operados, com a mais variada fundamentação, pois não seriam rentáveis.
A maioria das cirurgias ou o pós-operatório decorrem sem complicações.
Não haver complicações não é o mesmo que conseguir curar os males do doente. Isso é outra coisa.
Mas quando ocorrem complicações não é raro que o cirurgião force a alta do doente de modo a funcionar dentro da margem de dias de internamento que permitem ter lucro e evite o internamento prolongado que dará prejuízo.
E se a complicação o justifica, não é raro que recorra ao hospital público onde também trabalha para resolver aí as complicações da cirurgia efectuada em clínica privada.

Quem avalia os resultados?

Em Portugal, quem alerta ou contesta quando os insucessos são excessivos? Quem recolhe dados referentes aos resultados cirúrgicos e á satisfação dos doentes operados?
Nos serviços hospitalares públicos, onde funcionam serviços com múltiplos médicos, ainda se vai fazendo sentir a crítica do grupo, mas frequentemente de forma diluída e não sistemática, e nem estatisticamente quantificada.
Nos hospitais privados é frequente que o sucesso ou insucesso cirúrgico se fique quase entre o médico e o doente e seus familiares; no interior da clínica é natural que transpire um pouco para o grupo de enfermeiros que assistem o doente no pós-operatório imediato; no exterior, transpira para os conhecidos do doente e seus familiares.
Numa grande urbe, em que por vezes o médico opera em mais do que um hospital privado, e onde acorrem doentes dispersos por várias localidades da periferia ou de localidades distantes e portanto se torna difícil que estes tenham opinião formada sobre as condições em que vão ser operados, este sistema crítico pode ser muito limitado.
Poucas unidades hospitalares do nosso país, públicas ou privadas, têm sistemas de análises credíveis sobre o grau de satisfação dos doentes operados que permitam tirar ilações cientificamente correctas.
A tal ponto é pouco credível a avaliação estatística neste campo, nos estabelecimentos hospitalares portugueses, que só excepcionalmente estes são aceites para participar em estudos multicêntricos internacionais.
Os bons resultados cirúrgicos que os cirurgiões apresentam em reuniões e congressos não é raro que descrevam mais aquilo que o cirurgião gostaria que acontecesse do que o que na realidade acontece.

Afinal...

Que as listas de espera são um mal, ninguém duvida.
Mas, nas actuais condições de controlo dos actos cirúrgicos, o tempo de espera pela cirurgia leva a que muitas vezes o doente melhore de forma natural e evite uma acto cirúrgico, proposto por vezes em critérios que se vêm a revelar pouco consistentes.
Há necessidade de implementar inquéritos sobre o grau de satisfação por parte dos doentes em relação aos actos cirúrgicos a que são submetidos, efectuados por rotina em hospitais públicos e privados, a nível nacional e de forma credível, para que se diminua a probabilidade de serem efectuadas cirurgias desnecessárias, tais como as que durante décadas, inutilmente e com inconvenientes, se efectuaram às amígdalas.
Já agora, que a Ordem dos Médicos faça um esforço para ordenar alguma coisa nesta matéria.

* Neurocirurgião do Hospital de S. José

in Tempo de Medicina 1.º CADERNO de 2006.07.17