quinta-feira, 5 de julho de 2007

Um profundíssimo lamento
Artigo do Prof. José Manuel Silva*

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM), depois de ter dado a entender que o aceitaria, à última hora recusou o convite da Ordem dos Médicos (OM) para uma reunião sobre carreiras médicas em conjunto com a FNAM. Está no seu pleno direito fazê-lo, assumindo as respectivas responsabilidades e consequências.
Não pensaria discutir ou criticar publicamente a posição do SIM, até porque prefiro escrever para «fora», mais do que fazê-lo para «dentro», não fora o facto de as justificações e referências à OM efectuadas pelo seu secretário-geral, numa entrevista ao «Tempo Medicina», serem totalmente inaceitáveis e, por conseguinte, não permitirem o meu silêncio. Pronuncio-me com a legitimidade acrescida pela minha condição de sócio do SIM.
Foram quatro os argumentos genéricos avançado pelo dr. Carlos Arroz para essa ausência, que irei analisar separadamente: a) Não é tempo para este debate, que assim surge «tarde de mais»; b) Falta de confiança na FNAM; c) «Não parece oportuno os parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos»; d) O SIM não quer favorecer nenhum dos candidatos a bastonário.

Análise dos argumentos

a) Não é tempo para este debate, que assim surge «tarde de mais».
Por duas ordens de razão, é profundamente estranho e incompreensível este argumento do SIM.
Durante este triénio a questão das carreiras médicas tem sido discutida em múltiplas ocasiões, pelo que não se entende que o SIM se refira a este debate como se apenas agora tivesse começado. Recorde-se que, em Março de 2006, o dr. Carlos Arroz esteve presente na Secção Regional do Centro da OM, numa mesa-redonda sobre carreiras, moderada pelo bastonário, em que também estiveram presentes a dr.ª Merlinde Madureira, o dr. Armando Gonsalves, o dr. Mário Jorge Rego e a prof.ª Maria do Céu Machado. Recorde-se que o dr. Carlos Arroz participou numa mesa-redonda sobre carreiras no XIII Congresso Nacional de Medicina, em Março de 2007. Recorde-se que o SIM boicotou repetidamente o Fórum Médico Regional do Centro, o Fórum Médico Nacional e as meritórias iniciativas da Associação Portuguesa dos Médicos da Carreira Hospitalar, onde também se discutiram as carreiras.
Por outro lado, encontramo-nos exactamente na altura em que irá ser lançada a discussão sobre carreiras com os parceiros sociais, na medida em que o Governo já aprovou a respectiva proposta de lei e estabeleceu o dia 1 de Janeiro de 2008 como data limite para a sua revisão. Se agora é «tarde de mais» para as organizações médicas procurarem unir-se e entender-se, então quando irá ser a altura adequada? Nunca?!...
b) Falta de confiança na FNAM.
A reunião foi solicitada pela OM, não pela FNAM, pelo que as alegadas questões de confiança estariam salvaguardadas pela presença da OM.
Infelizmente, pelo menos para alguns, as desconfianças do passado parecem prevalecer sobre os graves problemas, presentes e futuros, que afectam cada vez mais seriamente a classe médica. Será difícil de entender que a desunião nos prejudica a todos e é exactamente essa mesma desunião uma das fontes dos nossos actuais problemas? Será difícil de entender que é pelo facto de estarmos desunidos que o Ministério da Saúde dá repetidos sinais de que receia a classe dos enfermeiros mas não a classe dos médicos?!
Que fique bem claro que as atitudes divisionistas prejudicam objectivamente os médicos e beneficiam objectivamente o Ministério da Saúde e os seus desígnios! Será que é precisamente isso que alguns pretendem?
Todos têm o direito e a idoneidade para discordar, mas quando valores demasiado elevados estão em causa, como as carreiras, ninguém tem o direito de se furtar ao diálogo e à tentativa de concertação!
c) «Não parece oportuno os parceiros médicos darem o sinal de que estão muito ansiosos».
Sinceramente, não compreendo em que é que uma reunião de trabalho, análise e discussão possa ser sinal de «ansiedade». A mim parecer-me-ia um sinal de ponderação, coordenação de vontades e união de forças. Pelos vistos, o SIM optou por transmitir para o Ministério mais um sinal de divisão da classe médica. Esteve mal. Tenho a certeza de que o Ministério se regozijou e agradeceu!....
Curiosamente, num lado o SIM considera o debate «tarde de mais» e noutro lado já aparenta que ainda há muito tempo, pelo que não há necessidade de dar sinais de «ansiedade»! Contradições?!...
Os raciocínios efectuadas a propósito da alínea a) também aqui se aplicam, pelo que não os irei repetir.
d) O SIM não quer favorecer nenhum dos candidatos a bastonário.
Devo dizer que concordo, defendo e aplaudo a neutralidade dos sindicatos e dos seus dirigentes máximos quanto às eleições da Ordem.
Porém, vendo a ausência do SIM por outro prisma, ao boicotar uma iniciativa do actual bastonário não se poderia pensar que o SIM pretende favorecer precisamente os seus já anunciados adversários? Julgo que não é demasiado complexo de perceber que, para quem quiser deleitar-se com análises políticas e agendas ocultas, tanto significado e influência eleitoral pode ter a presença como a ausência do SIM, se bem que com interpretações opostas, pelo que, perdoem-me, mas não consigo compreender este argumento do SIM!
Deveras inquietante é o facto de o SIM pensar que influencia decisivamente as eleições da Ordem por participar numa reunião de trabalho que se realiza seis meses antes das eleições! Será que o SIM pensa que a Ordem deve paralisar a sua actividade a seis meses das eleições? Ou a sete? Ou a oito? Ou a nove?...
Quando o próprio dr. Carlos Arroz reconhece que o grande e consequente debate sobre carreiras irá decorrer até ao final deste ano civil, será que acha que, porque tem eleições em Dezembro, a OM deve fechar para balanço e demitir-se desse debate?! É isso?!... Surpreendente…

Frustrante e lamentável

Não vou alongar-me em mais considerações sobre a postura do SIM. Cada médico retirará as suas conclusões e fará as suas leituras de tudo aquilo que se passou. Mas é profundamente frustrante e lamentável, para quem trabalha por espírito de missão e com grande dedicação na Ordem dos Médicos, assistir ao permanente divisionismo entre a classe médica, por questões indiscutivelmente menores e laterais ou de estratégia puramente eleitoral, e aos efeitos enormemente negativos que isso tem.
Talvez os médicos ainda não tenham compreendido que estamos todos no mesmo barco!
Os que trabalham na função pública estão a perder todas as pequenas regalias e benefícios que incentivavam uma total dedicação e empenho na causa pública. E começam a ter medo das perseguições e avaliações políticas do seu desempenho, e mesmo de perder a exclusividade.
A pequena iniciativa privada está a ser progressivamente asfixiada para se deixar vender e vencer pelos grandes grupos económicos. Retirarem-lhe a prerrogativa de passar atestados foi mais um pequeno passo…
Os médicos que optam por se tornarem assalariados dos grandes grupos irão sentir os verdadeiros problemas quando, dentro de pouco anos, o número de médicos jovens e dinâmicos em idade activa e produtiva começar de novo a aumentar.
Os jovens vêem os contratos que lhes são propostos, apesar da relativa falta de médicos, deteriorarem-se progressivamente. O vencimento base de TODOS os médicos continua indigno das responsabilidades, exigências, dificuldades e complexidades da profissão médica.
Se os médicos não abrirem rapidamente os olhos…
Lembram-se quando os enfermeiros marcaram uma greve por o então ministro, Luís Filipe Pereira, pretender aumentar as competências dos auxiliares? Como é possível que os médicos não façam exactamente o mesmo agora que o actual ministro, Correia de Campos, pretende substituir os médicos por enfermeiros, com óbvios prejuízos para os doentes?!
Desejável seria, de uma vez por todas, que os dirigentes das várias associações médicas soubessem definir uma condigna escala de prioridades, transmitir uma verdadeira imagem de união e identidade, e trabalhar em conjunto pelo benefício do colectivo, a única forma de fazer frente aos inimigos dos médicos, da qualidade e independência técnica e deontológica da Medicina e da nobreza, coerência e pendor social do Serviço Nacional de Saúde. Mais do que essencial, é vital que assim aconteça!

*Presidente do Conselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

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