sexta-feira, 12 de outubro de 2007

João Semedo (entrevista TempoMedicina)

João Semedo defende médicos a tempo inteiro no SNS
«O temor em relação à exclusividade é infundado»
O Bloco de Esquerda defende um Serviço Nacional de Saúde (SNS) unicamente financiado por dinheiros públicos, com médicos em exclusividade integrados em carreiras. Ideias que deverão constar da sua proposta de alteração à Lei de Bases da Saúde e ao Estatuto do SNS, segundo o deputado João Semedo.
«Tempo Medicina» — Em que consistem as propostas de alteração da Lei de Bases da Saúde e do Estatuto do SNS, que o BE pretende apresentar?
João Semedo — Vamos iniciar agora o trabalho de preparação e redacção das propostas. Para nós, o problema fundamental é que as diversas intervenções e mutilações que o Estatuto do SNS e a Lei de Bases da Saúde foram sofrendo ao longo dos anos fazem com que estes, na sua versão actual, não blindem suficientemente o SNS às políticas que têm vindo a ser desenvolvidas.
«TM» — Como é que se blinda um estatuto ou uma lei às políticas governamentais, se a lei de bases diz que quem define a política de Saúde é o Governo?
JS — O problema é saber quais são os parâmetros em que se pode definir essa política. Em toda a avaliação que fizemos e naquilo que vamos propor, partimos de um princípio fundamental: o financiamento, a gestão e a prestação devem ser públicos. É exactamente isso que tem sido posto em causa e que este Governo põe em causa. Se desenvolvermos, como espero, uma lei de bases que parta deste princípio, teremos um SNS que é de facto um serviço público.
«TM» — Acha, então, que o SNS deve continuar a ser financiado unicamente pela via dos impostos?
JS — Acho que as pessoas não têm consciência de que temos hoje um sistema avançadíssimo, como não há muitos no Mundo. Nós pagamos todos para o SNS e pagamos de formas diferentes, em função das nossas remunerações.
Julgo que todos esses ideólogos da separação prestador/financiador, dos pagamentos diferenciados, etc., deviam pôr os olhos nos Estados Unidos, porque enquanto nós, ao nascermos em Portugal, temos todos o mesmo direito à saúde, nos Estados Unidos isso não existe. E o problema que os portugueses ainda não equacionaram é se querem regredir ao ponto de o direito à saúde ser apenas válido para alguns. Eu não quero, e bater-me-ei para que isso assim não seja.
«TM» — Pensa que as taxas moderadoras introduzidas recentemente representam uma tentativa nesse sentido?
JS — As taxas moderadoras não valem nada, mas para alguns sectores da sociedade portuguesa o actual valor das taxas já pesa na carteira. Globalmente, não chegam a 1% do orçamento da Saúde e então temos de perguntar para que foi toda aquela discussão. Se não moderam, porque como se vê as Urgências continuam cheias, só há uma explicação: as taxas moderadoras são a antecâmara dos pagamentos.

Exclusividade no SNS

«TM» — O BE defende também a exclusividade dos médicos que trabalham no SNS…
JS — Isso é outro problema. Não tenho muitas dúvidas de que o SNS tem de caminhar para a exclusividade de todos os seus profissionais como regra. No que não estamos de acordo é que isso seja feito por despacho ou decreto, isto tem de ser conseguido, têm de se criar condições de trabalho, remuneração e de carreira que fixem os profissionais.
«TM» — E acredita que isso é possível, no quadro actual de falta de médicos e de uma pirâmide etária médica muito envelhecida?
JS — Perfeitamente. Aliás, o que não percebo é por que o ministro caminha ao contrário. Correia de Campos fez recentemente um convite público à acumulação, e quando afirmou que vai reduzir os horários do sector público para os senhores doutores poderem ir trabalhar para o privado estamos ao nível do sacrilégio. Penso que deve ser exactamente ao contrário. É óbvio que há áreas em que a exclusividade iria causar dificuldades, mas nós não temos já dificuldades em Urologia, Dermatologia, Reumatologia, Oftalmologia, etc.? Um grande número de consultas e exames destas especialidades já é feito fora do SNS, pago pelo Estado, claro.
«TM» — Mas ao apostar na exclusividade e ao dizer aos médicos que ou ficam ou saem definitivamente do SNS, o que acha que vai acontecer?
JS — Não creio que tenhamos de pôr as coisas em termos do género: «a partir de dia 1 acabou!».
É também preciso dizer que os profissionais de saúde em Portugal são mal pagos, aliás, são pessimamente pagos no serviço público e optimamente pagos enquanto prestadores privados. É preciso pagar mais aos profissionais.
É claro que a exclusividade não se paga apenas pelas remunerações, embora elas sejam o essencial. Acho que o temor em relação à exclusividade é infundado. Onde estão os oftalmologistas do hospital de Faro? Ninguém lhes impôs exclusividade e eles já foram embora.
Hoje em dia, os que quiseram ir embora foram, e mais: o Estado até lhes garante o lugar, através das licenças sem vencimento, o que é outra vergonha.

Maria F. Teixeira / Susana Ribeiro Rodrigues

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Carreiras diferentes

«TM» — O BE defende a manutenção das carreiras?
JS — Sem dúvida.
«TM» — Não acha que estas já acabaram, como vaticinam alguns?
JS — Não acabaram, há é uma situação nova. A política de recursos humanos do Governo basicamente assenta no fim dos vínculos e é preciso encontrar uma solução. Se o Governo, que tem maioria absoluta, decidiu assim, vai ser difícil reverter esta situação, que já existe hoje. Contudo, admito que é possível manter a estrutura das carreiras mesmo num quadro contratual diferente, isso já existe noutros países. As carreiras é a garantia, para os portugueses, de que os profissionais têm a formação devida. Acho que elas têm tanto mérito que dificilmente serão postas em causa, mesmo que seja necessário adaptá-las a um quadro em que o vínculo profissional seja de outra natureza.

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BE quer retomar eleição do director clínico

O BE conta ainda apresentar até ao final do ano três propostas de lei relacionadas com a Saúde. Um deles visa a eleição interpares das direcções clínicas e de enfermagem. «Vamos muito em breve propor uma lei que retome a eleição do director clínico e do enfermeiro-director. Já foi assim. Aliás, foi Correia de Campos que acabou com isso», disse João Semedo, que não tem dúvidas de que esses cargos estão hoje politizados.
O estatuto das unidades locais de saúde (ULS) é outra das preocupações do BE, que vai propor um modelo mais abrangente, que inclua estruturas, como as autarquias, os bombeiros e outras que intervêm na prevenção e prestação de cuidados de saúde. Além disso, o BE sugere uma organização diferente das ULS. «Na prática, os hospitais mandam nos centros de saúde, e penso que os profissionais reagem mal a isso», defendeu o deputado.
Depois, o BE pretende apresentar uma proposta sobre a contratualização, ferramenta que considera «positiva», mas que deve ter «regras».

TM 1.º CADERNO de 2007.10.15
0712611C04107MF41B