domingo, 13 de abril de 2008

carreiras médicas

O que os médicos querem para se fixarem em hospitais do Interior
Garantia de projecto profissional é o maior incentivo
Rui Guimarães diz que hospitais do sector público não oferecem nem segurança contratual, nem incentivos financeiros. Por sua vez, Carlos Costa Almeida frisa que saúde e formação não podem estar nas mãos de «assalariados a prazo».
A valorização das carreiras médicas parece ganhar terreno aos incentivos financeiros quando se fala de condições para a fixação de médicos nos hospitais mais carenciados em mão-de-obra. O presidente da Associação dos Médicos de Carreira Hospitalar (APMCH), Carlos Costa Almeida, resume a ideia ao afirmar que «os médicos não querem só ganhar dinheiro, querem também realizar-se do ponto de vista profissional». Na sua opinião, estes trabalhadores da saúde «querem acima de tudo ter condições de trabalho» e «ver o seu trabalho respeitado e reconhecido».
Rui Guimarães, presidente do Conselho Nacional do Médico Interno (CNMI), representa os médicos num outro estádio da sua vida profissional, mas alinha pela mesma ideia. Atendendo a que, segundo informação do Público que não foi possível confirmar em tempo útil com a Administração Central do Sistema de Saúde, das 115 vagas abertas no concurso em Fevereiro deste ano apenas 10 foram preenchidas, o responsável indicou, em declarações ao «Tempo Medicina», que um dos passos a dar seria a «reestruturação das carreiras médicas». Para o anestesista, é essencial que os médicos «sintam que vai haver progressão, que têm alguma margem de segurança» na sua ligação com o hospital.
Esta ideia parece ser partilhada pelo bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes. Em declarações prestadas ao nosso Jornal, à margem do Dia Mundial da Saúde, a 7 de Abril, veio reiterar que mais do que «incentivos de natureza financeira», os médicos pretendem que se olhe «para o que é a sua cultura, as suas relações hierárquicas, as suas procuras de progresso».
Apesar disso, Rui Guimarães não negou que outra das coisas que poderiam aliciar os médicos seria «dar os mesmos incentivos financeiros» que são atribuídos às empresas de recursos humanos que prestam serviços nos hospitais aos profissionais contratados directamente pela unidade hospitalar. Para Rui Guimarães «é ridículo» os profissionais que «são da casa» e que, ao contrário dos médicos colocados através de empresas, «dão a cara todos os dias», não poderem, por imperativos legais que resultam do facto de serem do sector público administrativo (SPA), receber os mesmos incentivos.

Os motivos que explicam a degradação

O presidente do CNMI afirmou que um dos grandes entraves à ida dos jovens médicos para esses hospitais se prende precisamente com os constrangimentos gerados pelo facto de estes pertencerem ao SPA. É que «a máquina do Estado e os concursos administrativos estão obsoletos». Isto porque os concursos públicos «arrastam-se durante muito tempo», ao ponto de o concurso aberto em Fevereiro ser para os jovens que acabaram a especialidade em Junho ou Julho de 2007. Neste espaço, diz Rui Guimarães, «obviamente que um clínico é aliciado» para outras unidades de saúde.
A esta situação junta-se o facto de os médicos quando estão em formação terem um «ordenado superior ao que é oferecido quando passam a especialistas nestas vagas carenciadas». E desta forma «é muito difícil fixar as pessoas». O responsável do CNMI indicou ainda que os médicos desses hospitais têm «durante três anos» as mesmas condições de um profissional que faça parte do quadro da função pública, mas «findo esse período, a pessoa fica desvinculada», a não ser que se abra um concurso. Contudo, «os concursos para a função pública estão — a maior parte — congelados e cancelados».
Para Carlos Costa Almeida é a desestruturação das carreiras médicas o principal motivo apontado para a degradação das condições nos hospitais periféricos. «Quando a evolução dos especialistas se fazia dentro de uma carreira», frisou o médico, aqueles hospitais conseguiam ter «praticamente a mesma capacidade técnica e humana dos hospitais centrais». E isso, nas suas palavras, atraía «profissionais mais capazes e mais ambiciosos do ponto de vista técnico-profissional». E foi por estas razões que o cirurgião de Coimbra afirmou ao «TM» que «a saúde e a formação médica nos hospitais públicos não podem estar baseadas em assalariados a prazo», para os quais a «motivação será apenas ganhar mais dinheiro».

Susana Ribeiro Rodrigues

Alguns privados são «mais cativantes»

A «cultura» dos médicos parece ser algo a que os privados tendem a estar mais atentos. Conforme indicou o presidente do CNMI, Rui Guimarães, «alguns privados têm sido mais cativantes» do que o sector público. Para o responsável, a «imagem do hospital, o marketing que [os privados] fazem, os meios de diagnóstico que têm ao dispor da população, a maneira como se organizam», têm cativado muitos jovens médicos. E apesar de o responsável dizer que não se pode «generalizar» a noção de que os privados são melhores do que os públicos, não deixou de frisar que há «hospitais privados a quererem investir na formação», ao mesmo tempo que hospitais públicos estão a «querer reduzir» essa função por causa dos custos.

TEMPO MEDICINA 1.º CADERNO de 2008.04.14
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