terça-feira, 22 de maio de 2007

Octávio Cunha sobre fecho de maternidades

«Encerramento foi feito à pressa por razões políticas»
Um ano depois de iniciada a concentração dos blocos de parto, há situações que requerem ainda a atenção da tutela. Para o pediatra Octávio Cunha, o «encerramento foi feito à pressa por razões políticas». Agora, espera pela audição que solicitou à Comissão Parlamentar de Saúde.
O director da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos do Hospital Geral de Santo António (HGSA), Octávio Cunha, foi um dos especialistas que estiveram presentes na demonstração pública de apoio à decisão do ministro da Saúde de encerrar as salas de parto que não reuniam os requisitos mínimos de segurança (ver «TM» n.º 1180, de 15/05/06). Agora, cerca de um ano depois de a concentração ter sido iniciada, este membro da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal (CNSMN) mostra-se desiludido com a forma como o processo foi conduzido.
Em declarações ao «Tempo Medicina», o pediatra explicou que a situação no Norte (aquela que diz conhecer melhor) «não está a correr bem», e tudo porque «o ministro tomou a decisão à pressa». Os recursos humanos e equipamentos são as áreas que, nas suas palavras, «não foram acauteladas».
Na reunião mais recente da CNSMN a situação resultante do fecho das salas de parto foi abordada, tendo cada elemento contribuído com o conhecimento que tem da área geográfica onde trabalha. Segundo Octávio Cunha, o responsável da comissão «ficou de apresentar um relatório, com os dados desta reunião, ao senhor ministro da Saúde». Todavia, o especialista desconhece se tal relatório já foi entregue. «TM» tentou contactar com Jorge Branco, presidente da CNSMN, mas até ao fecho desta edição não obteve qualquer resposta às questões enviadas.
Entretanto, Octávio Cunha solicitou uma audição à Comissão Parlamentar de Saúde, «que foi atendida», desconhecendo ainda a data de realização da mesma. Idêntico pedido foi formulado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, em 23 de Março, com o intuito de se proceder a uma «avaliação objectiva do impacte» da medida, «no funcionamento dos serviços de Obstetrícia e Neonatologia», aguardando-se a definição de calendário.

«Pediatria foi esquecida»

Igualmente defensor da concentração das salas de parto, o pediatra Eurico Gaspar, do Centro Hospitalar de Vila Real/Peso da Régua, EPE (CHVRPR), não tem dúvidas em afirmar que «o encerramento de Mirandela e Lamego trouxe benefícios para as populações. Há aqui [CHVRPR] uma melhor prestação de cuidados para a mãe e o recém-nascido», afirmou ao «TM». Todavia, tal certeza não é suficiente para apagar um facto: «A organização da Pediatria foi esquecida.» A convicção do especialista fundamenta-se na «falta de articulação» que detecta entre as instituições envolvidas na vigilância de grávidas, realização de partos e posteriormente no acompanhamento dos recém-nascidos.
O número de nascimentos no CHVRPR tem aumentado nos últimos meses, não só pelo encerramento do bloco de partos do Hospital de Lamego, como também do Hospital de S. Gonçalo, em Amarante, cuja referenciação deveria ser o Hospital do Padre Américo, no Vale do Sousa, de acordo com o que ficou estabelecido no relatório da CNSMN. No Centro Hospitalar de Trás-os-Montes as grávidas deveriam deixar de ir para Mirandela e optar por Bragança. Mas, segundo Octávio Cunha, ali «as coisas não estavam preparadas». Por isso, e porque «quando estão grávidas as mulheres ficam ainda mais inteligentes», a opção está a ser Vila Real e não Bragança.
Eurico Gaspar estima que este acréscimo corresponda a «30% de aumento de trabalho global na Pediatria e Neonatologia», tendo havido «apenas em Fevereiro de 2007 algum reforço de pessoal». O acréscimo de trabalho envolve não só o tratamento dos recém-nascidos, mas também das crianças saudáveis que, «tendo em conta os contextos sociais em que vivem», podem necessitar de apoio hospitalar. De acordo com o médico, as «situações sociais mais graves do distrito» provêm da zona de Mirandela e são acompanhadas no CHVRPR, por falta de articulação com os CS da área de residência. Porque «a organização da devolução ao hospital de origem não foi feita», as crianças, mesmo as saudáveis, continuam a ser seguidas em Vila Real, razão pela qual Eurico Gaspar defende que «houve melhor articulação com a Obstetrícia do que com a Pediatria».

«UCF não foram ouvidas»

O pediatra do CHVRPR chama ainda a atenção para o «esquecimento» de que também foram alvo as unidades coordenadoras funcionais (UCF), precisamente as entidades que têm por missão estabelecer a ligação entre as instituições de saúde envolvidas na saúde materna e infantil. «Neste caso concreto do encerramento, as UCF não foram ouvidas», além de que «as suas capacidades de intervenção não estão a ser aplicadas», salientou. Para o clínico, as UCF «precisam de incentivo governamental, porque não têm nenhum poder executivo, apenas de sugestão».
De acordo com o relatório produzido pela CNSMN, «sem uma boa interligação e coordenação entre os cuidados de saúde primários, os hospitais de apoio perinatal e os hospitais de apoio perinatal diferenciado, qualquer programa de melhoria das condições de saúde materna e infantil é de difícil ou impossível execução», cabendo às UCF «assegurar a articulação e a coordenação funcional entre aqueles níveis de cuidados de saúde».

Ordem sem queixas

No que diz respeito a eventuais queixas apresentadas na Ordem dos Médicos (OM), resultantes da concentração das salas de parto, Maria Teresa Neto, do Colégio de Neonatologia, garantiu ao «TM» não ter conhecimento de reclamações de parturientes ou profissionais. Nas suas palavras, «parece poder admitir-se que o problema com os pediatras e assistência ao recém-nascido não existe se as condições de base dos hospitais forem normais». Para a neonatologista do Hospital de D. Estefânia, «é previsível que o número de recém-nascidos a necessitar de transferência para cuidados intensivos seja menor, uma vez que a experiência e a composição das equipas será a adequada e haverá obstetras em permanência física 24 horas por dia». O «problema», sublinha, consiste no facto de «em muitos hospitais haver défice de pediatras».
Da mesma forma, o presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia, Luís Graça, negou a existência de queixas, até porque «a situação relativa a recursos humanos melhorou». Apesar disso, assinalou que «dada a gritante falta de profissionais mais novos, só dentro de quatro a cinco anos haverá o número de especialistas médicos e enfermeiros necessários». Ao mesmo tempo, o director do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital de Santa Maria garantiu que «lacunas graves não existem», mas reconhece a «necessidade de substituir alguns equipamentos antigos que já não correspondem às necessidades actuais».

Andreia Vieira


Hospitais sem epidural 24 horas

Entre as condições estabelecidas pela CNSMN para o encerramento dos blocos de parto, constava a existência de anestesistas em número suficiente por forma a assegurar, durante 24 horas, a analgesia epidural. De acordo com o relatório feito pela Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN), sobre os primeiros seis meses de encerramento dos blocos de partos naquela região, datado de 26 de Março, essa condição não é satisfeita em Bragança e no CHVRPR. Da mesma forma, no Hospital de S. João de Deus, em Famalicão, não há anestesistas em permanência. Mas esta «situação deve ser revista», segundo a directora do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, Adelaide Brochado. Ao «TM», a responsável realçou ainda o facto de não haver falta de médicos ou enfermeiros. Idêntica garantia foi avançada por Lino Mesquita Machado, presidente do CA do Hospital de S. Marcos, em Braga. O nosso jornal tentou obter mais informações junto de outras instituições hospitalares envolvidas no processo de concentração das salas de parto, mas não obteve resposta.
Entretanto, no passado dia 14 de Maio, o presidente da ARSN afirmou que ainda não há data prevista para o fecho do bloco de partos de Chaves. Este encerramento, que tinha ficado igualmente decidido pelo Ministério da Saúde, continua a aguardar melhores acessibilidades e serviços pré-hospitalares.

Grávidas satisfeitas

Um dos casos mais mediáticos durante todo o processo de encerramento das maternidades foi o de Elvas. Hoje, o responsável de comunicação do Hospital de Elvas, o enfermeiro Rui Cambóias, garante ao «TM» que se «chegou a um entendimento» e as mulheres recorrem sobretudo a Badajoz, sem problemas. Embora tenham também a possibilidade de ter os filhos em Évora ou Portalegre, escolhem estes locais em menor número. «Nós sabíamos à partida que a solução Badajoz não iria gerar descontentamento nas pessoas», afirma, porque o destino das parturientes passou a ser «uma unidade especializada e não um hospital geral». Nos seis meses que se seguiram à decisão governamental, cerca de 70% das grávidas optaram por Badajoz. O enfermeiro justifica com a «proximidade», pois a cidade espanhola dista menos de 10 quilómetros de Elvas, enquanto Portalegre e Évora ficam a 56 e 90 quilómetros, respectivamente. Por outro lado, no país vizinho «o tratamento é bom». Aliás, o exemplo parece estar a ser seguido também noutras especialidades, graças ao cartão europeu de saúde, afirma Rui Cambóias.
No Norte do País a satisfação das grávidas não é menor, de acordo com um inquérito realizado a 246 parturientes da Sub-Região de Saúde (SRS) de Braga, nos meses de Novembro e Dezembro de 2006 e Janeiro de 2007. Cerca de 86% das entrevistadas consideraram o atendimento na altura do parto como «muito bom/bom» e apenas 2% o classificaram como «mau». A percentagem de mulheres que «escolheriam o mesmo hospital numa futura gravidez» foi de 86%.


«Solução de retrocesso»

Octávio Cunha não concorda com o programa funcional do Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), que prevê o fim do bloco de partos do HGSA. Na sua opinião, o projecto é «um perfeito absurdo», na medida em que é uma «solução dispendiosa e que aumenta os riscos para as grávidas e recém-nascidos». Alegando que no HGSA «já não morre uma grávida há mais de 30 anos», o especialista defende que a transferência para a Maternidade de Júlio Diniz (MJD) «é uma solução de retrocesso em relação à Europa».
O pediatra lembra que nos últimos anos foram feitos melhoramentos na MJD no valor de meio milhão de euros, mas «agora vai ser tudo demolido, para construir outra vez qualquer coisa e levar para lá os partos do HGSA». Enquanto as obras não estiverem concluídas, os serviços de Ginecologia e Obstetrícia e os cuidados intensivos neonatais do HGSA e da MJD serão transferidos para o Hospital Militar do Porto. Esta mesma informação consta do boletim Século XXI, da responsabilidade do conselho de administração (CA) do HGSA. No editorial, Sollari Allegro, presidente do CA, lembra que durante esta transferência temporária «haverá as dificuldades inerentes à segurança que os profissionais terão que resolver e garantir».
Não conformado, Octávio Cunha propõe como «solução» a distribuição dos partos actualmente realizados na MJD «pelos quatro grandes hospitais multidisciplinares da área do Porto, ou seja, Gaia, Pedro Hispano, S. João e Santo António, que estão com défice de partos». O médico não compreende a decisão da administração, pois «a maternidade tem uma taxa de ocupação baixíssima neste momento, com cerca de 50%», além de que «já não se fazem maternidades em nenhuma parte do Mundo». Mas «parece que as decisões políticas ultrapassam sempre o bom senso e o conhecimento técnico», sintetizou.

TM 1.º CADERNO de 2007.05.21
0712451C06107ABV20A