«A minha oposição é claramente o dr. Pedro Nunes»
Carlos Silva Santos personifica a segunda candidatura à presidência da Ordem dos Médicos. Afirmando-se como uma «alternativa», defende uma Ordem mais plural e garante que dará «sempre» espaço à oposição. Muito crítico do actual bastonário, o candidato assume que o seu principal objectivo é derrotar Pedro Nunes.
«Tempo Medicina» — O movimento que lançou, em Abril, o «Manifesto aos médicos» decidiu agora formalizar uma candidatura a bastonário, que será protagonizada pelo professor. Porque decidiram avançar?
Carlos Silva Santos — Esta candidatura surge da organização de um grupo de médicos, de certo modo em resultado do sentimento geral de que, quer a eventual candidatura de Pedro Nunes, de continuidade, quer a candidatura que já foi apresentada, do colega Miguel Leão, não servem os interesses do conjunto. E isto por duas razões: a primeira é que a candidatura do que está, Pedro Nunes, desencadeou uma série de anticorpos e de reacções, por se considerar uma prática relativamente limitada, estrita, muito responsiva a pequenas coisas e sem a participação dos médicos em geral. A candidatura de Miguel Leão segue dentro da mesma linha, não é muito diferente, e por isso considerámos até, na apresentação do «Manifesto», que era «farinha do mesmo saco», embora eles não tenham gostado muito. Além de ser do mesmo estilo, esta candidatura [de Miguel Leão] tem ainda a grande desvantagem de surgir do Norte, o que não quer dizer que haja diferença, mas a verdade é que, apesar do esforço que tem feito, ele não representa, para os médicos do Sul, uma proposta. Por isso apresentámos o «Manifesto», com a ideia de constituir uma alternativa.
«TM» — Quer ser uma candidatura de ruptura?
CSS — Sim. Até porque, desde que lançámos o «Manifesto», em inícios de Abril, temos sentido uma recepção excepcional à nossa proposta. Devo dizer que queríamos apenas uma candidatura para afirmação, mas depois do percurso feito por este documento, dos apoios e, inclusive, das reclamações de um largo conjunto de médicos que queriam participar e ser assinantes iniciais do «Manifesto», verificámos que estavam reunidas condições, excepcionais, para avançar.
Listas regionais: entendimentos na mira
«TM» — Na reunião da passada terça-feira, em que o grupo decidiu quem iria ser o candidato a bastonário, foram definidas algumas estratégias de acção?
CSS — Sim, decidimos desde já defender que a candidatura a bastonário seja autónoma e que a eleição deste não esteja obrigatoriamente indexada a candidaturas às secções regionais.
«TM» — Está a dizer que não haverá uma lista regional que declare apoio ao candidato a bastonário Carlos Silva Santos?
CSS — Pode haver listas que definam o apoio, mas nós vamos lutar para que não haja; vamos defender um processo eleitoral em que se entenda a eleição do bastonário como um cargo unipessoal, com autonomia de discussão e de acção.
«TM» — Então, o movimento não vai procurar apresentar candidaturas aos órgãos regionais da Ordem?
CSS — Não é isso. Nós decidimos aprofundar a preparação de candidaturas aos órgãos regionais — Norte, Centro e Sul —, de acordo com a especificidade própria de cada zona, e iniciámos já os contactos no sentido de que, no âmbito do «chapéu» do «Manifesto», apareçam candidaturas a estes órgãos. Não posso ainda revelar nomes, mas posso revelar a metodologia: vamos desenvolver todos os esforços para criar ou participar em candidaturas alternativas a quem está.
«TM» — Mas há pouco disse que não queria listas regionais afectas à sua candidatura a bastonário…
CSS — E é verdade. Se pretendemos ser alternativa, vamos defender um princípio de não fazer candidaturas que possam dividir a posição frente à candidatura que queremos derrotar. Não posso adiantar muito, mas, por exemplo, sabemos que há uma candidatura de oposição a quem está no Conselho Regional do Sul e poderemos unir-nos a ela.
«TM» — Mas a única candidatura de oposição a uma possível recandidatura de Isabel Caixeiro até agora conhecida é protagonizada por Álvaro Beleza e é afecta à candidatura de Miguel Leão.
CSS — Sei lá… quem lhes disse? Veremos. Essa matéria ainda não está assente. Fica apenas a ideia de que a nossa perspectiva é a de construir uma oposição a quem está, embora tendo em conta as especificidades. Veja-se, por exemplo, o caso do Centro, em que a lista que ganhou foi a da oposição. Portanto, está tudo em aberto.
«TM» — Poderemos ter listas regionais apoiadas por dois candidatos a bastonário?
CSS — Sim. Podemos ter listas que, no seu todo, não tomem uma posição a dizer que apoiam este ou aquele candidato a bastonário. No âmbito regional, a perspectiva é fazer tudo para ganhar ou estar com quem ganha.
Objectivo «claro»
«TM» — Acha que vai ganhar ou parte em desvantagem?
CSS — Para ser sincero, quando lançámos este movimento fizemo-lo baseando-nos num diagnóstico — o de que nas eleições anteriores perdemos por não nos afirmarmos, por nos diluirmos. A oposição a quem estava ficou distribuída e diluiu-se para ninguém se afirmar, quando, se tivéssemos feito uma oposição crítica, teríamos combatido a terceira candidatura e tínhamos ganho. Neste momento, estamos para ganhar, combatendo a oposição, sendo que a minha oposição é claramente o dr. Pedro Nunes e, no Sul, a dr.ª Isabel Caixeiro.
«TM» — Está a dizer que o seu adversário é Pedro Nunes e não Miguel Leão?
CSS — A primeira oposição é o dr. Pedro Nunes, isso é muito claro. Nós estamos para ganhar, e porque achamos que o dr. Miguel Leão não tem força suficiente para vencer o dr. Pedro Nunes.
Em suma, o que estou a dizer é que mudámos de objectivo estratégico e desta vez vamos afirmar-nos. Vamos não só querer participar na vitória, como ganhar e darmos nós a cara à vitória do conjunto. É para isso que estamos a trabalhar.
Maria F. Teixeira / Susana Ribeiro Rodrigues
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«Sou militante do PCP»
«TM» — Esta candidatura ou o movimento que a apoia assumirá uma posição político-ideológica definida?
CSS — No sentido clássico, não. A estratégia é a que está explícita no «Manifesto», de defesa do Serviço Nacional de Saúde. Naturalmente que não vai mostrar ou dizer aquilo que não é; é uma candidatura na perspectiva das pessoas que fazem parte dela e que são o que são. Eu manifesto o meu interesse: sou médico de Saúde Pública, a tempo inteiro e sempre em dedicação exclusiva, sou professor e sou militante do PCP. Isso é conhecido e não venham outros dizer que não são isto ou aquilo, porque também sempre votaram e têm posição. Num registo à americana, faço a manifestação dos meus interesses: não estou comprometido com nenhuma empresa, nunca recebi subsídios de empresas, da área da Saúde ou de outras, nem tenho nenhum compromisso económico com ninguém. Esperemos que todos possam dizer isto.
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Ministro tem «posição antimédica»
«TM» — Como vê a actuação do Ministério da Saúde (MS)?
CSS — Uma técnica que se usa em muito lado é distrairmo-nos com pequenos pormenores, mas nunca discutirmos o essencial. De pequeno pormenor em pequeno pormenor, os cuidados de saúde primários (CSP) estão quase liquidados, os hospitais vão perder capacidade. Vemos que, a breve prazo, aparece o facto consumado: haverá hospitais de alta competição privados e depois os hospitais de «posta restante» para os outros. Os investimentos são muito importantes na área da Saúde, têm de ser permanentes e planeados.
«TM» — Nos últimos tempos, temos assistido a muitas mudanças na área da Saúde, por exemplo, nos CSP e nas Urgências. O que teria feito de diferente se estivesse no lugar de Pedro Nunes?
CSS — A Ordem não deve, independentemente das perspectivas político-partidárias, alinhar [com o MS] por omissão ou, às vezes, por conveniência ou pequena contestação, deixando passar o resto. Assim, não haveria possibilidade de deixar passar em claro que o sistema de Saúde não está a melhorar, pelo contrário, está a piorar. Mesmo quando dizem que lhe fazem terapêutica. A Ordem, connosco, teria perguntado ao senhor ministro, ao actual e aos anteriores: se se tem feito terapêutica para melhorar o sistema, porque é que ele está pior?
A política do actual ministro é igual à do anterior. Já levamos quatro, cinco anos de terapêutica e o «doente» não está a melhorar, nem no que respeita à satisfação dos profissionais, nem no que toca à satisfação dos utentes.
«TM» — Quais são as razões do descontentamento dos profissionais?
CSS — A principal é a não valorização do seu contributo para a organização. Trata-se de uma posição antimédica que é clássica deste ministro.
«TM» — Espera captar os votos dos médicos que estão descontentes com a situação?
CSS — Não tenho dúvidas.
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Como nasceu a candidatura
«TM» -- Como se processou a escolha do seu nome, foi consensual ou havia outros nomes em cima da mesa?
CSS – Havia outros nomes que, tal como o meu, foram sondados informalmente ao longo deste tempo. Eu tive várias manifestações de apoio espontâneas, mesmo sem as pessoas saberem que seria eu a avançar. O meu nome foi sondado de Norte a Sul do País e tivemos, nas três regiões e também no grupo inicial, aprovação por unanimidade de que eu seria um bom candidato.
Foram equacionadas algumas questões, nomeadamente relacionadas com o facto de eu pertencer a uma carreira que, embora tenha muitos médicos, não é das mais dinâmicas – a Saúde Pública. Tradicionalmente, o bastonário tem sido sempre da carreira hospitalar, mas considerou-se que isso até poderia ser positivo, por ser diferente. Por outro lado, foi muito valorizada a minha função de professor universitário, e de ser doutorado na área da Saúde Pública, e portanto aqui estou. Naturalmente, não procurei este encargo, aceito-o por designação dos meus pares.
Em suma, a minha candidatura nasce de um processo de recolha e de sondagem de apoio, a vários níveis, e por isso considero que tenho condições para a apresentar e para defender uma alternativa.
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Pluralismo e consenso
«TM» -- No caso de ganhar a eleição, a sua visão unipessoal do cargo do bastonário não poderá trazer-lhe dificuldades, uma vez que terá de trabalhar, no Conselho Nacional Executivo (CNE), com elementos de listas regionais que provavelmente apoiaram outro candidato…
CSS – Não concordo, veja-se a equipa na zona Centro, que era da nossa sensibilidade, e tem sido das mais colaborantes. Além disso, isto prende-se com uma questão muito importante que a minha candidatura irá defender – nós somos críticos do sistema administrativo e organizativo da Ordem. E por isso iremos também apresentar um pedido de reflexão sobre o sistema de organização interna da Ordem. Já em Dezembro de 2004 escrevi um artigo sobre esse perigo ou possibilidade de existir alguma dificuldade no funcionamento do CNE. Sou a favor de um processo de representação mais alargado, de maneira a que todas as sensibilidades estejam presentes na Ordem, até porque este é um órgão paraestatal.
«TM» -- Mas como é que isso se pode fazer, em termos práticos?
CSS – É muito simples. Actualmente, a Ordem tem um processo representativo próximo do da linha sindical, segundo o qual quem ganha fica, quem perde não fica com nada. Mas poderíamos adoptar uma fórmula semelhante à que há, por exemplo, para a Federação dos Professores, em que os métodos representativos (de Hondt ou outros) são utilizados. Portanto, sou a favor de uma Ordem com mais pluralismo nos seus órgãos, de uma Ordem que tenha, lá dentro, as várias sensibilidades. Senão, acontece o que vimos nas últimas eleições – no conjunto, os dois candidatos derrotados, ou seja, a oposição teve mais votos que o Dr. Pedro Nunes, e nenhum está representado na Ordem.
Outra diferença é que se for eleito serei bastonário de todos os médicos e representarei a opinião das várias sensibilidades, e não a minha.
«TM» -- Esta é uma questão que divide o Dr. Pedro Nunes e o Dr. Miguel Leão. Qual é exactamente a sua posição em relação à possibilidade de um conselho regional assumir publicamente uma opinião diferente da do bastonário, sobre uma mesma questão?
CSS – Digamos que isso depende dos métodos. Nós vamos para a Ordem com a ideia de trabalhar muito com base na evidência, quer científica, quer técnica. Eu conheço as técnicas de consenso e tentarei aplicá-las, agora é evidente que se sobre uma determinada matéria não houver consenso, as diversas partes devem apresentar-se publicamente.
Mas isto apenas se a técnica de consenso falhou. Sou um defensor acérrimo das reuniões de consenso. Quando fui dirigente da Ordem participei numa das poucas reuniões de consenso conhecidas, na área da Imunohematologia. E este consenso não é só político, também é técnico, e a Ordem tem funções sobretudo de natureza técnica.
Mas o consenso não se faz pela ditadura, o consenso cria-se discutindo-se, esclarecendo e afirmando as diferenças, quando não é possível chegar a consenso. E, na Medicina, o que é consensual hoje pode não ser amanhã.
«TM» -- Mas a possibilidade de, não havendo consenso, dois dirigentes da Ordem veicularem na opinião pública posições contrárias sobre o mesmo assunto não poderá denegrir e fragilizar a imagem da Ordem?
CSS – A imagem da Ordem dos Médicos está fragilizada por ser uma posição única, de canal único. O actual bastonário tem uma posição e essa é a que vale. E mais: vai sempre a correr atrás das coisas, dá opinião sobre tudo. Nunca vi um bastonário saber de tudo, como este. Eu não tenho essa pretensão de saber responder a tudo, desde as urgências de Bragança a um problema técnico em Lisboa. Farei o meu trabalho em conjunto com os médicos e tendo em conta as técnicas e os saberes que a Ordem deveria acumular em si e desenvolver, o que esta direcção da Ordem não tem feito.
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Um bastonário menos «centralizador e absolutista»
«TM» -- Defende que o papel do bastonário não deve ser tão centralizador?
CSS – Nem tão centralizador nem tão absolutista. Sou a favor de um fermento, como que um estimulante para, não só produzir ideias e a reflexão de que a Ordem tanto precisa, uma vez que está pobre em reflexão escrita sobre as matérias, mas também para que seja uma Ordem participada. Se for ver que documentos é que saem, quase sempre só um é que escreve, só um é que faz, só um é que diz. Sou a favor que o bastonário, em representação da Ordem, assuma a liderança na apresentação dos documentos. Mas a produção e reflexão sobre eles só é possível com um trabalho descentralizado e participado.
E temos muitos órgãos que podem produzir tecnicamente material, por exemplo os conselhos consultivos e mesmo a direcção dos colégios de especialidade, que representam mais de 40 especialidades. São 400 a 500 médicos que estão na liderança e têm saber e património. É pena estar tão mal aproveitado.
Como bastonário terei a oportunidade de dar voz e espaço à reflexão. A Ordem tem hoje capacidade para utilizar o seu espaço técnico-financeiro. Estou a falar da capacidade para reunir, divulgar, estimular a acção, fundamentar e financiar os espaços de contributo, até a nível nacional e internacional. No entanto, fazem-se apenas umas «coisinhas» de vez em quando. Pode-se perguntar qual é a lista de realizações de uma associação de 30 mil licenciados, altamente diferenciados. Comigo não haverá certamente semana em que não haja actividade em curso sobre a reflexão e estudo de qual é a boa prática em cada momento, em cada área de especialidade, para cada tipo de serviço.
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Ministro da Saúde tem estratégia «implícita»
«TM» -- No vosso Manifesto centram-se muito na política de Saúde que está a ser seguida. Este será um «cavalo de batalha»?
CSS – É uma linha estratégica. Não há possibilidade de alguém alinhar e de avançarmos se não tivermos linhas estratégicas, um farol, uma orientação. De contrário, é uma resposta avulsa, que é o que se vê.
Temos uma linha estratégia e que convém defender porque temos muito claro que a prática da Medicina não é independente do sistema organizativo. Claro que os médicos são importantes, mas a prática tem também muito a ver com a organização que, por sua vez, está relacionada com a estruturação e os objectivos do Serviço [Nacional] de Saúde.
No que toca à política de organização do Serviço, consideramos que é importante defender e salvaguardar uma boa prática da Medicina, com boa organização de serviços. No mundo do jornalismo, por exemplo, pode estragar-se um jornal com os mesmos jornalistas, mantendo uma organização péssima, em que o director diz tudo, contrata uns jovens para fazer umas coisas, «pendurando» os jornalistas.
«TM» -- É isso que está a acontecer no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
CSS – Sim, no SNS é quase isto. O ministro é meu colega na Escola Nacional de Saúde Pública e se fizesse o que ensina não fazia isto. Pergunto qual é o plano, a estratégia de saúde que ele tem. Ataca essencialmente problemas aparentemente de natureza económica, urgências, maternidades e, de vez em quando, medicamentos, matéria em que anda para a frente e, depois, recua. Esta é uma gestão pouco racional.
Aparentemente a estratégia seria a de reduzir os custos, só que não os tem reduzido. Diria que não tem uma estratégia explícita, mas tem uma implícita. Desde que começou tem degradado os serviços públicos e estimulado o aparecimento dos serviços privados. Além disso, às vezes, não se percebe o que vai fazer, qual é a política. E faz pela negativa: corta, tira.
«TM» -- Mas, o que é que um bastonário pode fazer contra as políticas postas em prática pelo Ministério da Saúde?
CSS – A Ordem gere um grupo profissional importantíssimo. A saúde é uma questão prioritária para as pessoas, pelo que estas precisam de estar confiantes no seu sistema de Saúde. Este sistema tem que estar bem fundamentado, e essa fundamentação não pode ser feita sem se estar ao lado dos médicos. A Ordem terá que lutar por um bom sistema, de forma a que exista o melhor exercício e a melhor qualidade da Medicina. Mas não se pode defender isto se não houver qualidade organizativa.
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Ministro atribui «papel minoritário» aos médicos
«TM» -- Há pouco disse que o ministro da Saúde tinha uma posição «anti-médica». Considera que esta é apenas «anti-médica» ou «anti-profissionais de saúde»?
CSS – Diria que a tendência é essa, mas se falássemos com os colegas enfermeiros talvez verificássemos que também é anti-profissionais de saúde. [O ministro da Saúde] tem tido uma política com um certo pólo negativo, de atribuir um papel minoritário aos médicos. Instituiu-se a ideia de que os médicos trabalham, o ministro pensa. Sabendo-se que este é um trabalho dos mais diferenciados, não é possível fazer Medicina desta forma. Hoje, é preciso uma equipa, e esta não funciona numa base em que alguém manda e os outros ouvem. E foi a isto que chegamos, sem que tal tenha sido denunciado, com a própria participação dos médicos.
Se há chatices com horários de trabalho, programas, urgências, medicamentos, é tudo um produto da sub-avaliação do real contributo dos profissionais médicos na organização do serviço e na prestação dos cuidados necessários.
Além disso, este ministro continua a desconhecer que para além dos doentes há os saudáveis. Eu pergunto que cuidados prestamos aos não doentes. Isto tem a ver com os cuidados de saúde primários, a Saúde Pública e a Saúde Ocupacional. Todos os portugueses são elementos participantes no processo de saúde, e eu vou ser defensor do princípio da capacitação das populações para gerir a sua própria saúde. Ao invés do sentido paternalista clássico, os médicos devem ser conselheiros preferenciais e devem trabalhar para a saúde seguindo as orientações e necessidades das populações.
Outro aspecto que é importante para um bastonário é trabalhar com base na evidência social e política. Sou um cientista social, para além de médico. Como bastonário terei em atenção a floresta, não apenas as árvores.
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«O bastonário está quase na linha do Ministério»
«TM» -- Há pouco disse que o actual bastonário reage a tudo…
CSS – O bastonário está, neste momento, quase na linha do próprio Ministério. Se alguém diz alguma coisa, ele responde.
«TM» -- Então, na sua opinião, qual deveria ser a linha de actuação de um bastonário?
CSS – O bastonário da Ordem deve ser um corredor de fundo. Não implica que não responda a problemas em concreto, mas tem que ter uma estratégia de fundo. Se souber para onde vai e por onde vai pode sempre enquadrar um incidente que aconteceu. Mas mantém uma linha de defesa global, até porque esta permite testar, em cada momento, quais são os desvios à estratégia geral da Saúde e à sua qualidade.
«TM» -- Pretende, em suma, uma Ordem crítica do poder político.
CSS – Pretendo mais uma Ordem de propositura do que de crítica. Temos capacidade para, em grupo, fazer propositura e planos, tal como já o tivemos no passado. Um dos exemplos é a grande descida da mortalidade, que foi baseada em planos, que até estavam centralizados pelos médicos e que foram desenvolvidos e levados à prática sistematicamente durante vários anos. Agora, abateram-nos e vamos esperar pelos resultados.
A nossa ideia é que é possível e necessário fazer planos. Às vezes é feito o comentário que a Ordem tem muitas ideias, mas os médicos não aparecem, nem participam.
«TM» -- Mas isso é um facto. As eleições da Ordem têm, tradicionalmente, uma fortíssima abstenção...
CSS – É verdade, e se convocar os médicos para uma reunião, a sala fica vazia. A Ordem hoje queixa-se da falta de participação dos médicos, mas comigo a questão da participação não vai ser centrada nos médicos que não vêm, e sim na reflexão de por que é que os médicos não vêm. No fundo, trata-se de saber o que falta à Ordem para não atrair os médicos.
Em relação às eleições, com a minha presença há um êxito espectacular assegurado. Primeiro, as duas candidaturas tremeram desde logo, uma vez que no próprio dia em que se apresentou o movimento, em Coimbra, ainda não estava decidido o meu nome, mas ambos me telefonaram.
Os resultados da votação vão ter mais dinâmica com, pelo menos, estas três candidaturas e sobretudo quando há propostas alternativas e rupturas. Os que decidirem votar em mim vêem-me como uma hipótese e vão votar porque é a minha candidatura. Mas se não houvesse a candidatura do Dr. Pedro Nunes, provavelmente o voto em mim também não aparecia. Se as pessoas não tiverem expectativa que se possa mudar alguma coisa, não votam.
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A carreira médica «ainda está viva»
«TM» -- As carreiras médicas, à semelhança do que se passa nas outras candidaturas, são também um ponto focado no vosso Manifesto...
CSS – É um assunto importante. Tenho uma tradição de associativismo e combate médico de longos anos. Sou dirigente associativo desde o primeiro ano da faculdade, pertenci e fui fundador de um sindicato, fui um dos primeiros presidentes do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, fui dirigente da Ordem com o Dr. Pedro Nunes, no Conselho Regional do Sul. Portanto tenho a perspectiva que o trabalho com os médicos e com a saúde é longo, multifacetado e que todos contribuem, mesmo os opositores. Aliás, sempre darei espaço à oposição para manifestar as suas opiniões. Não há razão nenhuma para que não esteja representada toda a panóplia de opiniões e posições. Mas o conjunto de metodologias, com base na evidência e participação, que defendo, vai permitir, com certeza, criar prestígio e credibilidade. Até porque a credibilidade não se compra, ganha-se com práticas sistemáticas e correctas.
É verdade que se ouve falar muito da Ordem como sendo corporativa, que defende muito os seus e que logo que sai alguma coisa contra um médico, dispara em defesa. Penso que se deve ser sensato e que a defesa corresponde a ter uma boa prática global e a sabermos apontar bem os casos de excepção de mau comportamento. Mas, nestes casos, é preciso, primeiro, definir o que é aceitável. Digamos que a pedagogia permanente e não paternalista, no sentido de uma ideia de responsabilidade assumida colectivamente, também vai ser uma linha na minha intervenção como bastonário.
«TM» -- A Ordem não deve, então, ter dificuldades em assumir publicamente que um determinado médico deve ser condenado?
CSS – Não, e deve divulgá-lo, se houver vantagem para a boa prática. Isto porque não é só pela positiva que se aprende. A nossa punição é moral ou técnica. Mas neste aspecto também temos órgãos que devem funcionar melhor e que devem aparecer publicamente a assumir [os factos].
De qualquer forma, penso que o principal é conseguir que de um problema saia uma discussão ampla e que não se retire só ensinamentos individuais ou um castigo. Muitas das dificuldades no comportamento médico resultam, por exemplo, da intensidade de trabalho e da desorganização da hierarquia. Por isso, é que as carreiras médicas são ainda hoje uma coisa que defendemos.
De certa forma até é um exemplo europeu e planetário. Se a carreira médica for viva e se conseguir manter dinâmica, mesmo que haja pequenos erros, vai conservar sempre uma ligação entre as pessoas, vai definir etapas para melhorar e progredir, vai manter um escrutínio permanente da boa prática.
«TM» -- Considera que ainda existem carreiras médicas? Há quem diga que já «morreram»...
CSS – Não «morreram». Há quem queira fazer uma gestão atribulada, caso a caso, e isso é uma gestão anti-carreira. Acho que a carreira vai funcionar sempre porque há uma diferenciação técnica na nossa especialidade e nunca se sabe tudo. Além disso, a experiência é muito importante.
É verdade que se perdeu um bocado a estratificação e há ausência da vivência total da carreira médica, mas ela ainda está viva. Comigo, as carreiras médicas vão renascer não só no papel, como dizem os outros candidatos, mas na acção. Isto através da nossa participação na formação, nos júris, na dinâmica dos próprios internatos, assim como na valorização dos colégios de especialidade, na apreciação do desempenho dos diversos hospitais, e ainda na denúncia de todas as medidas político-administrativas que ponham em causa o bom desempenho profissional.
Às vezes não é fácil, mas muitas das medidas políticas postas em prática não têm garantido a melhoria do desempenho na especialidade que foi objecto, e um dos exemplos são as medidas que afectaram as maternidades.
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Próximos passos
«TM» -- Já existe data para a apresentação formal da candidatura?
CSS – Apresentámos o manifesto e fizemo-lo correr. E agora, com a divulgação da candidatura, vamos fazer o mesmo.
«TM» -- Mas ainda não têm recolhido o número necessário de assinaturas para apresentar a candidatura, ou já?
CSS – Ainda não.
«TM» -- E isso não o preocupa?
CSS – Não. Decidimos fazer uma recolha de apoios à candidatura, portanto, vamos dar um tempo para recolha de assinaturas. Depois, a segunda medida é a constituição da rede de mandatários, pelo que a próxima etapa é a divulgação de quem será o meu mandatário [nacional].
Temos um método que tem dado bom resultado e que consiste em fazer uma primeira propositura, deixando que ela faça o seu próprio percurso de divulgação. Foi o que aconteceu com a apresentação do movimento, feita em Coimbra e divulgada através dos jornais. Agora, decidimos apresentar o meu nome e aquelas duas medidas. Assim, pode verificar-se o acolhimento da minha candidatura através do nível de apoios.
Além disso, em relação à escolha dos mandatários, já verificamos que pode haver alguma concorrência entre nomes. Como da primeira vez em que concorremos houve pessoas que disseram que gostariam de ter feito parte da lista, temos agora de chegar a um consenso sobre a matéria. Não vou fazer como em outras candidaturas e ser unicamente eu a escolher. Temos os nomes e agora vamos sondar e ver qual é o apoio. Vamos apontar mandatários a nível nacional, por cada secção e para cada estabelecimento de saúde.
«TM» -- Não terá mandatários por especialidades como fez, por exemplo, o Dr. Miguel Leão?
CSS – Não sei. A ideia ainda não está clara no que toca a este aspecto. Nós usamos mais o critério geográfico, por estabelecimento de saúde, porque os médicos organizam-se mais desta forma do que através da organização vertical. Não quer dizer que a organização vertical não vá aparecer, através de apoiantes de várias especialidades.
Além disso, uma outra medida com que vamos avançar é a recolha de apoios administrativos e financeiros junto dos médicos, para além do financiamento que é feito pela Ordem. O objectivo é recolhermos fundos para algum material, administrativos e, eventualmente, para criarmos um espaço na Internet.
Vamos também elaborar um plano de comunicação e de contactos, para divulgar esta candidatura alternativa.
«TM» -- O programa do mandato será apresentado quando?
CSS – Só muito depois desta fase. Até porque, provavelmente, os meus mandatários vão dar uma opinião acerca do assunto. Mas este não andará longe da linha do Manifesto. Naturalmente que há umas áreas que estão ainda em aberto, como a estrutura organizativa da Ordem, (sobre a qual já dei umas ideias), as áreas de formação e investigação científica. Mas teremos oportunidade de discutir estas matérias e chegar a um consenso.
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Apoios institucionais
«TM» -- Esta candidatura vai procurar apoios institucionais de sociedades científicas, associações, sindicatos ou outros?
CSS – Não vamos procurar apoios, mas vamos apresentar-nos a essas instituições. Não negamos qualquer apoio, contudo achamos que todas as sociedades ou associações médicas são, por natureza, pluralistas. O apoio à minha candidatura por parte de um dirigente de uma associação é bem-vindo, no entanto não vamos fazer força para que este «atrele» a sua associação a esse apoio. Isso não seria uma boa prática. Além disso, procurar apoio institucional seria até contrário à nossa perspectiva de pluralismo da Ordem.
O que vamos procurar é o apoio dos médicos, até porque as instituições não votam. Mas sabemos que há votos que têm muito valor, porque há certas figuras que funcionam como orientadores.
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«Estou mais bem colocado na zona Sul»
«TM» -- Como disse, espera captar os votos dos médicos que estão descontentes. Esse é mesmo o seu “público-alvo”?
CSS – Sim, até porque a manifestação que os médicos tiveram foi de descontentamento. E este está presente até em muitos dos médicos que elegeram o Dr. Pedro Nunes. Estou mais bem colocado na zona Sul que outra candidatura porque penso que conheço melhor a realidade.
«TM» -- Mas a candidatura a bastonário é nacional. Como acha que a sua candidatura vai ser recebida nas outras regiões?
CSS – Na zona Centro bastante bem, mas na zona Norte tenho mais dificuldades de contacto. Sou médico na zona Sul há 33 anos e é evidente que é aqui que conheço mais gente. Da mesma forma, o candidato do Norte conhece melhor essa região. Mas todos fazemos parte do mesmo barco e todos somos importantes. É por isso que digo que não sou a favor de exclusão, e sim da diversidade.
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Eleições disputadas
«TM» -- Vamos ter, na sua opinião, umas eleições muito disputadas?
CSS – Penso que sim. Os dois candidatos que se perfilavam até aqui eram, como nós definimos, «farinha do mesmo saco» e iríamos ter, quando muito, uma guerra Norte-Sul. É uma guerra poderosa, eu sei, mas a ideia da terceira candidatura, da alternativa, que nós defendemos, é a de que nem um nem outro serve. E espero que seja eu o bastonário, e que as listas regionais sejam as melhores. E estas podem ter pessoas diversas, não estamos a constituir listas de partido, de cor única.
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Segunda volta em aberto
«TM» -- Depreende-se das suas palavras que, se a segunda volta for disputada entre o Dr. Pedro Nunes e o Dr. Miguel Leão irá apoiar este último; e que se a segunda volta for disputada entre o professor e o Dr. Pedro Nunes, o Dr. Miguel Leão apoiá-lo-á…
CSS – Apoio quem estiver para derrotar o Dr. Pedro Nunes. Quanto ao Dr. Miguel Leão, não posso falar por ele, mas julgo que nós não estamos longe e se ele tiver o mesmo pensamento que eu, que é mudar a Ordem, o que me parece que tem, então isso só é possível derrotando o bastonário que está. Mas penso que, neste momento, estou com boas possibilidades.
TM 1.º CADERNO de 2007.05.14
0712441C06107MF19F