segunda-feira, 28 de maio de 2007

“FLEXIGURANÇA” NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1º PASSO TAMBÉM PARA O SECTOR PRIVADO

“FLEXIGURANÇA” NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 1º PASSO TAMBÉM PARA O SECTOR PRIVADO

RESUMO DESTE ESTUDO
O governo apresentou aos sindicatos um projecto de Lei sobre “Regimes de vinculação, carreiras e remunerações” que visa subverter, de uma forma total e imediata, todo o sistema de relações de trabalho na Administração Pública. Como “aluno obediente”, o governo de Sócrates procura assim concretizar, de uma forma apressada e ainda mais gravosa para os trabalhadores, a “flexisegurança” defendidas pela Comissão da U.E., fazendo “tábua rasa” dos direitos dos trabalhadores É previsível, que os patrões do sector privado venham muito em breve reivindicar o mesmo para si, com o argumento de que se o próprio governo dá o exemplo, que força moral tem para o negar aos privados. A intervenção de Vieira da Silva na A.R., em 23.5.2007, confirma isso.

O projecto-lei aplica-se a toda a Administração do Estado quer directa quer indirecta, aos serviços de administrações regionais e autárquicas, aos juízes e aos magistrados do Ministério Público. Apesar de se ter excluído do âmbito da sua aplicação as entidades públicas empresariais, no entanto aplica-se aos trabalhadores, com vínculo público que nelas estejam (por ex. aos médicos, ao enfermeiros, e a outro pessoal que tenha vinculo público).

Depois de se analisar o projecto-lei do governo conclui-se rapidamente o seguinte:(1) Todos os anos os mapas de pessoal poderão ser alterados, o que determinaria uma situação de permanente precariedade e instabilidade para os trabalhadores pois, por uma simples decisão do responsável máximo, poderiam ser considerados como “excessivos”, sendo colocados na Situação de Mobilidade Especial e/ou despedidos (artº 4 do Projecto de lei).; (2) A cessação do contrato por tempo indeterminado por simples decisão do responsável máximo, tendo o trabalhador a possibilidade apenas de estar um ano na Situação de Mobilidade Especial, findo o qual seria despedido (artº 32) (3) O período experimental, que é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido sem qualquer indemnização, seria de um ano para todas as carreiras, que é quatro vezes superior ao do sector privado(nº2, artº 12º); (4) A introdução de contratos a prazo mesmo no regime de nomeação, com a designação de “nomeação transitória”; (5) A generalização de contratos a prazo no Administração Pública mesmo para necessidades não temporárias, o que não é permitido no sector privado (artº 22); (6) A introdução na Administração Pública do despedimento colectivo, do despedimento por extinção do posto de trabalho, e do despedimento por inadaptação do trabalhador, sem que se indique em que condições e quais os procedimentos a cumprir (artº 32);; (7) As alterações nas posições remuneratórias ficariam dependentes das disponibilidades orçamentais, mesmo que o trabalhador, a nível de avaliações, obtivesse as necessárias (artº 45); (8) A negociação individual por escrito da remuneração (artº 49); (9) A contratação de trabalhadores colocados na SME com remunerações inferiores aos contratados externamente (artº 54); (10) A violação do principio de igualdade no acesso por qualquer cidadão à Administração Pública (artº 55); (11) A redução arbitrária das actuais seis carreiras do regime geral a apenas a três carreiras (técnico superior, assistente técnico e assistente operacional), o que determinaria grande arbítrio no sistema de equiparação e a polivalência generalizada (artº 96 e seguintes); (12) A colocação dos trabalhadores em categorias com posições remuneratórias inferiores às que auferem na transição das carreiras actuais para as novas careiras (artº 103); (13) A introdução do poder absoluto das chefias, já que “o conteúdo funcional da categoria a que o trabalhador tem, não podia, em caso algum, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudicaria a atribuição ao trabalhador de tarefas não expressamente mencionadas” (artº 42); (14) A introdução da chamada mobilidade interna que daria poder às chefias para alterar tanto a categoria como a carreira que o trabalhador tivesse, atribuindo ao trabalhador “funções na mesma área funcional ou em outras áreas funcionais”, assim como “funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes à categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontrasse integrado ou da categoria que é titular”, durante um ano ou por prazo indeterminado (artº 59 e 60); (15) A redução significativa das áreas funcionais onde vigoraria no futuro o regime de nomeação (Forças Armadas, apenas dos quadros permanentes; pessoal diplomático; informação de segurança, investigação criminal, segurança pública, apenas para o pessoal operacional), transitando os actuais trabalhadores em regime de nomeação restantes (médicos, enfermeiros, técnicos superiores, técnicos administrativos, etc, etc,), “sem outras formalidades para modalidade de contrato a tempo indeterminado, mantendo apenas os regimes de cessação, de reorganização de serviços, e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social” (artº 10 e artº 87 do projecto de lei do governo); (16) A manutenção ou integração total ou parcial ou mesmo a eliminação dos actuais suplementos remuneratórios (artº 111); (17) O congelamento das carreiras em mais 3 anos, a contar de 2008, ou seja, pelo menos até 2011 para a esmagadora maioria (mais de 70%) dos trabalhadores da Administração Pública.

Neste estudo analisam-se apenas os aspectos essenciais do projecto de lei do governo para evitar que este documento seja ainda mais longo (o projecto do governo tem 62 páginas e 114 artigos e um anexo), fazendo-se citações retiradas do projecto, pois se isso não fosse feito corria-se o risco de quem o ler não acreditar, devido à gravidade de muitas normas contidas no projecto do governo. Para além disso, cruzam-se vários artigos para que as conclusões se tornem mais claras e fundamentadas.

A NEGAÇÃO TOTAL DA FUNÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NA ADMINISTARÇÃO PÚBLICA

A função principal do direito do trabalho é, na relação do trabalho, que é uma relação desigual em que a parte mais fraca é o trabalhador, defender este último do arbítrio patronal, que tem o poder de dar ou de recusar o emprego, o qual é vital à sobrevivência e realização do trabalhador como pessoa humana. Na Administração Pública, o direito do trabalho tem ainda uma outra função importante: a de garantir a imparcialidade na prestação do serviço público a todos os cidadãos, e essa imparcialidade só poderá ser garantida através de um vínculo contratual forte, que só é a nomeação, que defenda o trabalhador das pressões do poder político e económico. Daí a necessidade e razão deste regime que garanta ao trabalhador um emprego estável e uma carreira profissional segura porque ambos são garantidos e regulados pela lei, e não estão dependentes do arbítrio do patronal. É tudo isto que o actual governo quer liquidar, introduzindo na Administração Pública, em sua substituição, o arbítrio com o claro objectivo de fragilizar a situação dos trabalhadores para assim ficarem mais facilmente sujeitos às pressões do poder politico e económico, pondo em causa a prestação do serviço público de uma forma imparcial, igual e generalizada a todos os portugueses.

UM SIMULACRO DE NEGOCIAÇÃO E UM GOVERNO QUE SE REVELA CADA VEZ MAIS
ARROGANTE E AUTORITÁRIO

Apesar dos sindicatos dos trabalhadores da Administração Pública terem solicitado que lhes fossem dado tempo suficiente para analisar com profundidade as propostas do governo e para as debater com os trabalhadores, já que estava em jogo a alteração total e radical das normas da relação de trabalho na Administração Pública, produto de muitos anos, o que iria ter profundas consequências na vida de mais de 750.000 trabalhadores, o governo recusou e impôs unilateralmente o seu calendário de negociações. Assim, o actual governo pretende discutir com os sindicatos o seu projecto de lei em apenas três reuniões, o que corresponde somente a 6 horas. Mais uma vez este governo revelou o seu carácter autoritário e arrogante. E isto para não falar de um projecto de lei que já foi aprovado pelo Conselho de Ministro e que, por isso, o governo apenas admite pequenas alterações meramente formais para poder dizer na sua propaganda que “introduziu alterações depois de ter negociado com os sindicatos ”, e assim manipular a opinião pública.

1- TODOS OS ANOS OS MAPAS DE PESSOAL DE CADA SERVIÇO PODEM SER ALTERADOS E TRABALHADORES DESPEDIDOS OU COLOCADOS NA S.M.E.

De acordo com o artº 4º do Projecto de Lei todos os anos, aquando da preparação da proposta de Orçamento do Estado, os serviços elaboram os respectivos mapas de pessoal. E segundo o nº1 do artº 5º, “os mapas de pessoal contém a indicação do numero de postos de trabalho de que o órgão e serviço carece”. E de acordo com o nº1 do artº 6º “face aos mapas de pessoal, o órgão ou serviço verifica se se encontrem em funções trabalhadores em número suficiente ou insuficiente ou eventualmente excessivo”. E segundo o nº 7 do artº 6º “sendo excessivo o numero de trabalhadores em funções, o órgão ou serviço começa por promover as diligências legais necessárias à cessação da relação jurídica de emprego público constituído por tempo determinado ou determinável de que não careça e, quando necessário, aplica às restantes o regime legalmente previsto, incluindo o de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial”; portanto, qualquer trabalhador seja qual for o vinculo que tenha (contrato a prazo, contrato por tempo indeterminado, nomeação) passaria a estar sujeito todos os anos a ser considerado “excessivo” e, consequentemente, ou colocado na situação de mobilidade especial ou despedido, o que significa que ficaria numa situação de precariedade para toda a vida.

2- A COLOCAÇÃO NA SITUAÇÃO DE MOBILIDADE ESPECIAL DURANTE UM ANO SGUIDO DE DESPEDIMENTO DO TRABALHADOR

O artº 32 dispõe que quando “ o contrato de trabalho por tempo indeterminado cessar por despedimento colectivo ou por despedimento por extinção do posto de trabalho”, o trabalhador é notificado para , em 10 dias, informar se deseja ser colocado em situação de mobilidade especial pelo prazo de um ano(nº5). Se não informar é imediatamente despedido, mas se informar que pretende passar à situação de mobilidade especial, segundo o nº 8 do mesmo artigo, não arranjando emprego na Administração Pública durante esse período, “é praticado o acto de cessação do contrato”, portanto é despedido. De acordo com o artº 87 do projecto de lei, esta disposição só não se aplica aos trabalhadores em regime de nomeação e àqueles que actualmente estão no mesmo regime mas que, por força deste projecto, passariam à situação de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP). Portanto, aos que actualmente estão com qualquer tipo de contrato, mesmo permanente, assim como aqueles que entrarem futuramente através de CTFP passariam a estar abrangidos por esta norma, ou seja, podendo ser despedidos no máximo ao fim de um ano a contar data em foram colocados na Situação de Mobilidade Especial, funcionaria assim como antecâmara do despedimento individual.

3 - PERIODO EXPERIMENTAL QUATRO VEZES SUPERIOR AO DO SECTOR PRIVADO

O período experimental é um período em que o trabalhador não tem quaisquer direitos, podendo ser despedido livremente pela entidade patronal sem ter de pagar qualquer indemnização. É por essa razão que o artº 107º do próprio Código do Trabalho limita esse período para a generalidade dos trabalhadores a apenas 90 dias (em caso de contratos a prazo é somente entre 15 a 30 dias, dependendo da duração do contrato), e só para cargos de direcção superiores admite que o período experimental possa atingir 240 dias. O nº2 do artº 12 do projecto de lei do governo estabelece que “o período experimental tem a duração de um ano” para todos os trabalhadores. Portanto, o actual governo pretende que na Administração Pública os trabalhadores admitidos possam ser despedidos livremente, sem invocação de qualquer razão e sem direito a qualquer indemnização, durante um ano.

4- CONTRATOS A PRAZO NO REGIME DE NOMEAÇÃO ATRAVÉS DA NOMEAÇÃO TRANSITÓRIA

O governo pretende introduzir os contratos a prazo mesmo no regime de nomeação através da chamada “nomeação transitória”. Assim, de acordo com o nº1 do artº 13º do Projecto de Lei “podem ser nomeados transitoriamente os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de sujeitos de emprego público por tempo indeterminado, bem como se encontrem em situação de mobilidade especial”. Em que condições poderia isso acontecer o governo não diz porque, segundo o nº 2 do mesmo artigo, “essas disposições constarão do futuro Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas relativas aos contrato a termo resolutivo”, que ainda não apresentou aos sindicatos.

5- GENERALIZAÇÃO DOS CONTRATOS A PRAZO NA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA

O artº 129 do Código do Trabalho estabelece que só para satisfação de necessidades temporárias as entidades patronais poderão contratar a prazo trabalhadores. E segundo o artº 130 do Código do Trabalho, quando um empregador faça um contrato a prazo para uma tarefa ou serviço permanente, o contrato a prazo transforma-se automaticamente em contrato por tempo indeterminado. No entanto, o governo pretende ficar com as mãos livres para contratar livremente trabalhadores a prazo na Administração Pública, pois o artº 22º do Projecto de Lei dispõe que “ podem ser contratados a termo resolutivo os trabalhadores que não tenham ou não pretendam conservar a qualidade de emprego público por tempo indeterminado, bem como os que se encontrem em situação de mobilidade especial” mesmo para satisfação de necessidades permanentes.

6 - A INTRODUÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE OUTRAS FORMAS DE DESPEDIMENTO

De acordo com o artº 32 do projecto de lei, o governo pretende introduzir na Administração Pública “o despedimento colectivo e o despedimento por extinção do posto de trabalho” (nº2 ), assim como a “cessação do contrato de trabalho por tempo indeterminado por caducidade por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a entidade empregadora publica receber o trabalhador” bem como o “despedimento por inadaptação” (nº 9 do mesmo artigo). Em que condições isso poderia ser feito, e quais os procedimentos que seriam respeitados, ignora-se pois o governo remete-os também para o Regime de Contrato de Trabalho de Funções Públicas que não apresentou e que, por isso, são totalmente desconhecidas.

7 - ALTERAÇÕES REMUNERATÓRIAS LIMITADAS POR DISPONIBILIADES FIXADAS PELO DIRIGENTE MÁXIMO

Segundo o nº1 do art.º 45 do projecto é da competência do chamado dirigente máximo decidir a alteração da posição remuneratória do trabalhador (é uma opção gestionária diz expressamente o projecto). E embora no artº 46º se estabeleça que é necessário que os beneficiados “tenham obtido, nas últimas avaliações do seu desempenho, ou duas menções máximas consecutivas, ou três menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas, ou cinco menções imediatamente inferiores às anteriores consecutivas”, e depois tenham de ser escolhidos sequencialmente por esta ordem”, no entanto o nº1 do artº 47 dispõe que “o dirigente máximo, ouvido (não tem que obter parecer favorável) o Conselho Coordenador de Avaliação pode alterar, para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontra, o posicionamento remuneratório do trabalhador em cuja última avaliação do desempenho tenha obtido a menção máxima ou imediatamente inferior”. Portanto, o dirigente máximo ficaria com o poder discricionário de fazer passar para a frente de todos aquele que quisesse, e para isso não seria necessário que o trabalhador tivesse “duas menções máximas consecutivas”, ou três menções imediatamente inferiores á máxima consecutivas”, mas bastava que “na última avaliação de desempenho tenha obtido a menção máxima ou a imediatamente inferior” (nº1, artº 47). Por outro lado, mesmo satisfazendo o que projecto dispõe relativamente a avaliações de desempenho, os restantes trabalhadores não teriam assegurada a mudança de posição remuneratória pois, segundo o nº5 do artº 46 do projecto, “não há lugar a alteração do posicionamento remuneratório quando, não obstante o cumprimento dos requisitos por parte do trabalhador, o montante máximo dos encargos fixado para tal fim pelo dirigente máximo se tenha, previsivelmente, esgotado efectivamente com a alteração relativa a trabalhador ordenado superiormente”. Entra-se assim no reino do puro arbítrio já que é da competência do dirigente máximo não só ultrapassar a classificada baseada na avaliação de desempenho como também fixar o montante de despesa destinado a alteração das posições remuneratórias dos trabalhadores.

8- NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL DA REMUNERAÇÃO NA ADIMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Segundo o nº3 do artº 49, do “procedimento dos concursos consta, com clareza, a referência ao numero de postos de trabalho a ocupar e a sua caracterização em função da carreira, categoria, área funcional e, quando necessária, área do conhecimento das habilitações literárias e, ou, profissionais que lhe correspondam”, mas não a remuneração. E de acordo com o nº1 do artº 54, no caso de contrato “ o posicionamento do trabalhador numa das posições remuneratórias … é objecto de negociação com a entidade empregadora pública” e, segundo o nº3 do mesmo artigo, “por escrito”. È evidente que este tipo de negociação permitiria, por um lado, o seu condicionamento por influências partidárias ou outras e, por outro lado, o trabalhador que não tivesse tais influências ficaria numa situação frágil sendo-lhe naturalmente atribuída a posição remuneratória mais baixa. Desta formar criar-se-iam condições para o aparecimento de graves desigualdades a nível de remunerações na Administração Pública e para a liquidação do direito à contratação colectiva.

9- A CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES COLOCADOS NA S.M.E. COM REMUNERAÇÕES INFERIORES AOS CONTRATADOS EXTERNAMENTE

Como tudo isto já não fosse suficiente, o nº2 do artº 54 estabelece que “ a negociação com os candidatos colocados em situação de mobilidade especial é independente da que tenha lugar com os restantes candidatos e, em caso algum, pode condicionar os respectivos limites”. E como os trabalhadores em SME estão obrigados, sob pena de serem despedidos, a aceitarem um lugar onde recebam uma remuneração igual à que tinham e sendo esta independente das oferecidas aos candidatos que não estão colocados em tal situação estão assim criadas condições para o agravamento das desigualdades remuneratórias entre os trabalhadores que foram colocados na SME e aqueles que não foram.

10 - A VIOLAÇÃO DA IGUALDADE DE ACESSO DE TODOS OS CIDADÃOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Uma das funções mais importantes do direito administrativo é precisamente garantir a igualdade de todos os cidadãos no acesso à Administração. Daí a obrigatoriedade imposta por lei da publicitação dos lugares assim do acesso ser feito através de concurso público com procedimentos rigorosamente estabelecidos e o direito dos candidatos poderem impugnar nos tribunais administrativos qualquer situação que considerem irregular.

Ora nº1 do artº 55 do Projecto de Lei do governo vem violar este principio fundamental do direito administrativo porque estabelece que “o dirigente máximo da entidade empregadora pública pode optar, em alternativa à publicitação do procedimento concursal nele previsto, pelo recurso a diplomados pelo curso de estudos avançados em gestão pública “ do INA. E segundo o nº2 do mesmo artigo aqueles diplomados apenas podem ser integrados na carreira de técnico superior” e, de acordo com o nº5, “ a remessa da lista ao INA compromete a entidade empregadora pública a, findo o curso, integrar o correspondente número de diplomados”. Sabendo que estes cursos com a duração de um ano custam cerca de 5.000 euros, ficam também assim criadas as condições, para que este acesso não sujeito “à publicitação de procedimento concursal”, seja apenas para quem tenha dinheiro ou quem esteja disposto e tenha possibilidades de se endividar, em clara violação do principio de igualdades de todos os cidadão no acesso à Administração Pública.

11- A REDUÇÂO ARBITRÁRIA DAS SEIS CARREIRAS ACTUALMENTE EXISTENTES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A APENAS A TRÊS CARREIRAS

Segundo o artº 48 do projecto de lei, o governo tenciona reduzir as seis carreiras do regime geral que existem actualmente na Administração Pública – técnico superior, técnico, técnico auxiliar, administrativos, auxiliar e operários – a apenas três carreiras que são as seguintes: técnico superior, assistente técnico, e assistente operacional. Portanto, todos os trabalhadores que actualmente estão distribuídos pelas seis carreiras referidas anteriormente, seriam incluídos nestas novas três carreiras. Assim, segundo o artº 94 do projecto de lei, transitariam para a futura carreira geral de técnico superior os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico superior do regime geral e nas carreiras de técnico do regime geral; segundo o artº 96º transitariam para a futura carreira de assistente técnico os trabalhadores que estão actualmente nas carreiras de técnico profissional do regime geral; e finalmente de acordo com o artº 99 do projecto, transitariam para a futura carreira de assistente operacional os trabalhadores que actualmente pertencem às carreiras de pessoal operário do regime geral, de pessoal auxiliar do regime geral, e de encarregado de pessoal auxiliar do regime geral. Em relação aos restantes trabalhadores não referidos anteriormente, com exclusão do chefe de secção, do coordenador técnico das carreiras de técnico profissional de regime geral e do encarregado geral do pessoal operário que seriam integrados em categorias próprias, todos os restantes trabalhadores seriam repartidos pelas três carreiras referidas anteriormente de acordo com a semelhança ou coincidência do grau de “complexidade funcional e conteúdo funcional” o que, devido ao seu carácter genérico, permitiria o maior arbítrio. Esta integração forçada de todos os actuais trabalhadores integrados em seis carreiras em apenas três carreiras obrigará a um aumento da polivalência dos trabalhadores. E tudo isto é feito sem qualquer fundamentação técnica e sem avaliar quais as consequências para os trabalhadores e para os serviços das alterações profundas que o governo tenciona introduzir, pois não apresentou qualquer estudo que as fundamente, a não a ser a repetição da afirmação que o numero de carreiras e categorias actuais é exageradamente elevado.

12- A COLOCAÇÃO DOS TRABALHADORES EM CATEGORIAS COM UMA POSIÇÃO REMUNERATÓRIA INFERIOR NA TRANSIÇÃO PARA AS NOVAS CARREIRAS

O nº2 do artº 103 do projecto de lei do governo estabelece que, na transição para as novas carreiras, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória coincidente com o que recebiam, mas se não for possível tal coincidência, que poderia ser a situação mais habitual, “ os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória a que corresponda nível remuneratório, previsto para a categoria, cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior (inferior) à remuneração que recebiam”. Embora depois se diga que, no entanto, ele “mantém o direito à remuneração base que vem auferindo” , e que será actualizada quando forem actualizados os salários da Administração Pública (nº3), o certo é este posicionamento “previsto para a categoria, cujo montante pecuniário seja imediatamente anterior”, ou seja, inferior, vai afectar a progressão futura do trabalhador quer a nível de posições remuneratórias quer a nível da sua própria carreira profissional.


13- O PODER ABSOLUTO DAS CHEFIAS E A POLIVALÊNCIA TOTAL

De acordo com o nº2 do artº 42 do projecto de lei do governo, “ o conteúdo funcional de cada carreira ou categoria deve ser descrito de forma abrangente, dispensando pormenorizações relativas à execução das funções”, ou seja, com uma generalidade muito grande o que permitiria incluir sempre mais funções, não dando ao trabalhador meios para se poder defender de ser tratado como “pau para toda a obra”. E como isso já não fosse suficiente, o nº3 do mesmo artigo, estabelece que “ a descrição do conteúdo funcional não pode em caso algum, e sem prejuízo do disposto no artigo 271 da Constituição, que abrange apenas crimes, constituir fundamento para o não cumprimento do dever de obediência e não prejudica a atribuição ao trabalhador de tarefas, não expressamente mencionadas”. Mesmo uma figura que existia no regime anterior ao 25 de Abril, denominada “respeitosa representação”, que significava que se o trabalhador suspeitasse que determinada ordem era ilegal, ele podia pedir que a fosse dada por escrito, mesmo essa “respeitosa representação” não está prevista no projecto de lei do governo.

14- MOBILIDADE INTERNA FORÇADA. SINÓNIMO DE MAIS POLIVALENCIA

De acordo com nº1 do artº 59 do projecto de lei do governo, “ a mobilidade interna reveste as modalidades de mobilidade na categoria e de mobilidade inter-carreiras ou categorias”. E segundo o nº2, a mobilidade na categoria opera-se atribuindo ao trabalhador funções “na mesma área funcional ou em diferentes áreas funcionais”. E a mobilidade inter-carreira ou categorias opera-se, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, atribuindo ao trabalhador “funções não inerentes à categoria de que o trabalhador é titular mas inerentes a categoria superior ou inferior da mesma carreira em que se encontra integrado ou da categoria de que é titular”. E segundo o nº1 do artº 62, “a mobilidade interna tem a duração máxima de um ano, excepto quando esteja em causa órgão ou serviço que não pode fazer contratos por tempo indeterminado, caso em que a sua duração é indeterminada”. E o nº1 do artº 63 estabelece que “a mobilidade na categoria que se opere dentro do mesmo órgão ou serviço consolida-se definitivamente (mantém-se indefinidamente) por decisão do respectivo dirigente máximo”

15- A REDUÇÃO DOS TRABALHADORES ABRANGIDOS PELO REGIME DE NOMEAÇÃO

Segundo o artº 10 do projecto de lei do governo, futuramente só ficarão abrangidos pelo regime de nomeação os trabalhadores em cujas carreiras se encontrem integradas as seguintes áreas funcionais: (a) Forças Armadas, mas só os do quadro permanente, portanto os soldados não ficarão; (b) Representação externa do Estado, portanto o pessoal diplomático mas não os trabalhadores consulares; (c) Informação de Segurança, Investigação Criminal, Segurança Pública, mas apenas os operacionais ficando excluídos os administrativos e os de outras funções de apoio para os quais vigoraria o Contrato de Trabalho em Funções Públicas. E mesmo os actuais trabalhadores em regime de nomeação definitiva que não pertençam às áreas referidas anteriormente, segundo o nº4 do artº87, “transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato a tempo indeterminado”, só mantendo “os regimes de cessação, de reorganização dos serviços e de colocação de pessoal em situação de mobilidade especial e de protecção social próprios de nomeação definitiva”. Os restantes trabalhadores actuais, mesmo com contrato por tempo indeterminado nem isto manteriam.

16- MANUTENÇÃO E INTEGRAÇÃO PARCIAL OU TOTAL, OU MESMO A ELIMINAÇÃO DOS SUPLEMENTOS REMUNERATÓRIOS

De acordo com o nº1 do artº 111 do projecto do governo, os suplementos remuneratórios vão ser revistos, e decisão poderá ser será mantê-los total ou parcialmente, integrá-los no todo ou na parte na
remuneração base, ou então que “deixem de ser auferidos”. Em relação ao aos suplementos em vigor que “ não sejam, total ou parcialmente, mantidos ou integrados na remuneração base” continuam, na parte em que tal aconteça “a ser auferidos pelos trabalhadores até ao fim da sua vida” enquanto se mantiverem “na carreira ou na categoria por causa de sua integração ou titularidade adquiriam direitos a eles”. No entanto, é preciso não esquecer que com a mudança para as novas carreiras para a esmagadora maioria verificar-se-á uma mudança de carreira e também de categoria. Para além disso, de acordo com o nº3 do mesmo artigo, “ montante pecuniário é insusceptível de qualquer actualização”, portanto nunca mais será actualizado.

17 - O CONGELAMENTO DAS CARREIRAS ATÉ 2011 PARA A MAIORIA DOS TRABALHADORES
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De acordo o nº1 do artº 112, durante três anos a contar da publicação deste projecto como lei, só poderiam ser mudados de posição remuneratória ( e dizemos poderiam, pois para isso teria de haver orçamento), os trabalhadores que tivessem “ uma menção máxima, no primeiro ano; duas menções imediatamente inferiores à máxima, nos dois primeiros anos; e três menções inferiores às anteriores, desde que consubstanciem desempenho positivo, nos três primeiros anos”. Como a esmagadora maioria dos trabalhadores da Administração Pública ficariam nesta terceira situação, até por efeitos das quotas, só eventualmente em 2011 é que poderiam ter alteração remuneratória, mas apenas se existissem disponibilidades orçamentais. Depois de vários anos de congelamento de carreiras, esta disposição é imoral como dissemos directamente ao Secretário de Estado da Administração Pública.

18 - A IMPARCIALIDADE COXA DO GOVERNO

A imparcialidade na administração publica, que é necessária para garantir a todos os cidadão o acesso aos serviços publico em igualdade, é garantida através de duas condições, a saber: exclusividade, ou seja, de impedimentos e incompatibilidades, e por meio do vinculo publico de nomeação. Nos artigos 26º a 29º do Projecto de Lei, o governo pretende impor a exclusividade, embora podendo a “entidade competente” permitir a acumulação das funções públicas com actividades privadas, o que abre a possibilidade que a exclusividade seja meramente formal e imposta arbitrariamente, enquanto a outra condição vital para que seja dada segurança ao trabalhador para que ele possa ser imparcial – regime de nomeação – é negada à esmagadora maioria dos trabalhadores pelo governo.

19 - CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS APENAS PARA EMPRESAS

De acordo com o nº2 do artº 34º do projecto de lei a celebração de contratos de tarefa e de avença só poderão ser com pessoas colectivas, ou seja, com empresas. E, segundo o nº4 do mesmo artigo, para se poder celebrar este tipo de contrato com pessoas singulares é preciso autorização expressa do membro do governo responsável pelas finanças. Por outro lado, o artº 36º e 37º impõem a publicitação em Diário da República (2ª série), ou na página electrónica do respectivo serviço de todo o tipo contratos com excepção precisamente dos contratos de serviços com pessoas colectivas. Esta excepção, que gozariam este tipo de contratos, facilitaria a contratação de trabalhadores através de empresas de trabalho temporário para substituir os trabalhadores em falta ou despedidos, o que já está a suceder, determinando a redução artificial das despesas de pessoal mas o crescimento exponencial das despesas com serviços (tenha-se presente que um trabalhador contratado através de uma empresa de trabalho temporário custa ao Estado três vezes mais), assim como satisfaz uma reivindicação do antigo bastonário da Ordem dos Advogados, Miguel Júdice, de que o Estado quando precisasse de serviços jurídicos devia consultar os três maiores escritórios de advogados, muitos deles já controlados por estrangeiros.

20 - O PROJECTO DE LEI TAMBÉM SE APLICA A TRABALHADORES DAS “EPE” COM VINCULO PÚBLICO

Segundo o nº1 e o nº2 do artº 3º, o projecto de lei do governo aplica-se aos serviços de administração directa e indirecta do Estado, aos serviços das administrações regionais e autárquicas. De acordo com o nº2 do artº 2 do projecto, “sem prejuízo do disposto na Constituição e em leis especiais, o projecto é ainda aplicável, aos juízes de qualquer jurisdição e aos magistrados do Ministério Público”. Embora o nº4 do artº 3 estabeleça que não se aplica às entidades públicas empresariais (Hospitais EPE; Estradas de Portugal, EPE; etc.. ), no entanto o artº 85º dispõe que “o presente diploma é também aplicável aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo”; portanto, todos os trabalhadores com vínculo público, sejam qual a entidade onde trabalhem ficam abrangidos por esta lei, no caso de ela ser aprovada nos termos em que está elaborada.

Eugénio Rosa
Economista
edr@mail.telepac.pt
25.5.2007